domingo, 8 de julho de 2012

Entrevista com Carlos Estellita-Lins

Suicídio é uma dor silenciosa

Envolto por uma dor extremamente silenciosa, o suicídio é algo carregado de preconceito e estigma. No século 20, o filósofo existencialista Albert Camus classificava-o como “o único tema filosófico realmente sério”, no livro O Mito de Sísifo.

No Brasil, o suicídio começa a ser considerado um problema de saúde pública e chama atenção pelo crescimento: o número de suicidas no país passou de 4,2 para 4,9 em cada 100 mil habitantes na população de todas as idades, e de 4,4 para 5,1 a cada 100 mil jovens entre 1998 e 2008.

Psiquiatra, psicanalista e coordenador do Grupo de Pesquisa de Prevenção do Suicídio – PesqueSui, da Fiocruz, Carlos Estellita-Lins é organizador do livro Trocando seis por meia dúzia – Suicídio como emergência do Rio de Janeiro, lançado recentemente. Nesta entrevista, concedida por telefone para a Gazeta do Povo, ele fala sobre o tema.

O aumento no número de suicídios preocupa?

Há uma preocupação crescente com o suicídio no mundo em lugares onde há taxas de 35 a 45 casos a cada 100 mil habitantes – que são bastante elevadas – como na Rússia e nos países eslavos.

Contudo, no Brasil o que verificamos é um crescimento entre os jovens, idosos e uma interiorização, ou seja, municípios menores têm mostrado taxas mais altas. Em 2008 foram registrados números intrigantes e alarmantes em Amambaí e Paranhos, ambos no Mato Grosso do Sul, com 49,3 e 35 casos de suicídio por 100 mil habitantes, respectivamente, segundo o Datasus.

Em Ibirubá (RS) o índice é de 34,5. Já Nova Prata do Iguaçu (PR) está em 15.º lugar no Brasil, com 24,7 casos. Em Mato Grosso do Sul, as comunidades indígenas respondem claramente pelas taxas elevadas. No Rio Grande do Sul a incidência é maior em comunidades de colonos ou aquelas ligadas à indústria fumageira.

Quais sãos os principais distúrbios relacionados à prática do suicídio?

É importante observar que o suicídio não é algo isolado, é desfecho de alguns distúrbios. Boa parte dos suicídios, talvez acima de 60%, está diretamente ligada a estados depressivos, incluindo as chamadas doenças afetivas, como o transtorno bipolar. Mas qualquer depressão mais grave, na qual a pessoa esteja em situação de dificuldade e de falta de apoio social, pode levar ao suicídio. A prática também está bastante associada ao uso de drogas e é algo mais comum do que a gente imagina.

As pessoas não necessariamente tentam o suicídio quando adoecem, mas muita gente está exposta a isso em função de estresse grave, conflitos psíquicos, por uma enfermidade concomitante e por uma suscetibilidade biológica. Há também casos de psicose, especialmente a esquizofrenia, em que o suicídio ocorre quando o tratamento é inadequado ou insuficiente.

Por último, sabemos que a impulsividade, característica de personalidade, também aumenta o suicídio quando somada a esses aspectos que mencionamos. Temos um contingente grande de pessoas sob esse risco. Também notamos que a vida moderna, ou seja, a vida desumanizada, excessivamente mecanizada, com poucas relações sociais, com pouca rede social, parece ser danosa. Há menos saúde mental e mais suicídios.

Há uma tendência na população em não falar sobre o assunto. Isso é um problema?

A pesquisa percebeu que a comunidade tende a não falar sobre suicídio em razão dos vários aspectos já conhecidos: preconceitos religiosos, estigma, mas também pelo fato de as pessoas deprimidas serem mal vistas pela família, por amigos ou pela comunidade em geral. Não se compreende bem o que é a depressão.

A população mais carente, mais dependente de renda, tende a ver alguém que não está trabalhando como moralmente condenável, preguiçoso. Assim, a depressão é sempre mal compreendida, o que parece agravar a situação.

Além disso, muitas vezes o suicídio é visto como uma fraqueza moral, ou seja, quem pratica o suicídio é tido como alguém que desistiu e, portanto, não seria uma pessoa digna, o que é incorreto.

A experiência de depressão e de suicídio é algo muito silencioso porque existe tabu e porque todos nós estamos despreparados, os profissionais de saúde e a comunidade. Também é silenciosa porque se trata de uma experiência limite-humana que merece todo respeito, cuidado e carinho, mas na enorme maioria dos casos precisa de tratamento adequado.

Como avalia a forma como a sociedade lida com o sofrimento psíquico? Há profissionais preparados para o tratamento e prevenção?

O suicídio é um assunto extremamente difícil de lidar e não é exclusivo do psiquiatra, do psicólogo, do psicoterapeuta, mas de todo profissional de saúde.

Na Europa já existe uma tendência que diz ser um assunto da comunidade como um todo. Quer dizer que cada cidadão tem de se preocupar e tentar ajudar. O outro extremo é o treinamento dos profissionais, especialmente nas emergências.

O que temos percebido em alguns estudos é que as emergências psiquiátricas estão muito defasadas, existe pouco treinamento do residente e ainda são separadas da emergência geral, o que é uma tendência antiga.

Como a mídia deve tratar o suicídio?

Há dois aspectos importantes. Um é o fato de a Organização Mundial de Saúde (OMS), no início da década de 2000, ter feito recomendações para os profissionais de imprensa no mundo todo, especialmente jornalistas. Essas recomendações foram prudentes no sentido de não se veicularem notícias de pessoas famosas de uma maneira descuidada. O segundo é que nessas recomendações há uma preocupação no sentido de que não se deixe de noticiar.

Não se trata de esconder o assunto nem torná-lo tabu, mas sim sempre dizer que é um distúrbio, que é tratável, que é passível de prevenção, portanto se deve noticiar com cuidado. Também é importante não informar precisamente os meios utilizados [para cometer o ato], ainda mais quando a pessoa é pública. Isso pode ser útil porque você não está dando sugestões para quem é suscetível.

Data de publicação: 8/7/2012
 http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1272963&tit=Suicidio-e-uma-dor-silenciosa

Minicurrículo
CARLOS EDUARDO ESTELLITA-LINS
Médico psiquiatra, doutor em Filosofia (UFRJ), professor e pesquisador do ICICT/Fiocruz
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1983), mestrado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993) e doutorado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001). Atualmente é professor&pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência na área de Medicina (psiquiatria clínica), com ênfase em Psiquiatria da Infância e Adolescência, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, cuidado, acompanhamento terapêutico, educação em saúde, psicoeducação, relação mãe-bebê, face, psiquiatria da infância e adolescência e psiquiatria comunitária. Desenvolve igualmente pesquisa em epistemologia da saúde e estudos sociais da ciência na área biomédica com ênfase na obra de Georges Canguilhem, em epidemiologia clínica e EBM. Desde 2007 vem se dedicando ao estudo da suicidologia e seus nexos clínicos, epidemiológicos, de saúde pública, ciência da informação e comunicação e saúde.

2 comentários:

  1. Assistindo a entrevista na NBR, muito obrigada!

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    1. Grato pelo retorno e pela informação.

      Acabo de descobri um vídeo com o Carlos Eduardo: http://vimeo.com/36487179

      Valeu!

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