sexta-feira, 29 de maio de 2020

Medicamentos em falta, risco ampliado para doentes mentais

Falta de medicamento para transtorno bipolar é calamidade


Fábio Reis

Desde o início deste ano, pacientes com transtorno bipolar estão com dificuldade de encontrar carbonato de lítio nas farmácias e serviços públicos de São Paulo e de diversas outras partes do país. A substância tem efeito protetor contra as crises de depressão grave ou mania (euforia) que caracterizam a doença, além de ter papel essencial na prevenção do suicídio.

A ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) diz que a situação é "calamitosa" e que está cobrando respostas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), além de apoio de órgãos de controle e fiscalização da saúde. A instituição explica que o carbonato de lítio não pode ser substituído para muitos pacientes, "sob pena do possível agravamento dos quadros psiquiátricos e consequente aumento do número de casos de suicídios no Brasil, da procura por serviços de emergência, além da necessidade maior de internações em um cenário de escassez de leitos".

Reclamações de médicos e pacientes nos Caps (Centros de Apoio Psicossocial) e UBSs (Unidades Básicas de Saúde) têm sido frequentes. Nesta quinta-feira (5), a Prefeitura de São Paulo informou, por meio da Secretaria Municipal da Saúde, que o Carbonato de Lítio 300 mg está em falta devido a ausência de matéria-prima dos fabricantes. "Há um processo aberto para compra emergencial pela administração municipal, onde as empresas interessadas em participar devem apresentar suas propostas até o dia 10 de março", acrescentou.

A Abrata (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos) tem recebido mensagens de pacientes de todas as regiões do país desde meados de janeiro, primeiro sobre a falta do carbonato de lítio ER de 450 mg, e depois sobre o de 300 mg. A associação não chegou a fazer um levantamento, mas garante que foram inúmeras as reclamações, telefonemas e comentários nos grupos de pacientes e de familiares. "Circulam nesses grupos presenciais cerca de 90 pessoas por semana. E praticamente 100% delas fazem uso do carbonato de lítio", declara a vice-presidente Neila Campos.

A tradutora Lilia Loman, que utiliza o medicamento há 28 anos, procura lítio nas farmácias das principais redes de São Paulo, sem sucesso, há cerca de um mês. Apesar de ter contatado diversas vezes o SAC do fabricante do Carbolitium, da Eurofarma, e ter sido informada que o de 300 mg estava disponível, ela não havia conseguido nada até esta quinta-feira (5). Em uma das ocasiões, recebeu a indicação de uma farmácia que tinha apenas uma caixa, mas logo descobriu que estava reservada para outro comprador. Lilia também não encontra genérico, nem similares de outros laboratórios (Carlit e Litcar).

"A busca tornou-se uma parte indesejável da rotina, não só minha, mas também de familiares e amigos", reclama. Ela ainda tem algumas unidades do remédio, "mas sem previsão de quando essa falta realmente durará, a preocupação é enorme". A única vez que ficou sem o carbonato de lítio foi durante a gravidez, há dez anos: "Foi um período extremamente difícil, uma recaída após muitos meses de estabilidade, com sintomas exacerbados pela falta de medicamento", recorda. Ela teve insônia, depressão, ímpetos de agressividade até ideações suicidas.

O que dizem os laboratórios

Rastrear a origem do problema não é nada fácil. A reportagem entrou em contato com os três laboratórios que comercializam o carbonato de lítio (Eurofarma, Hipolabor e Biolab), e dois deles esclarecem que a escassez recente se deve à dificuldade de aquisição de matéria-prima junto ao fabricante de insumos, cujo nome não é revelado.

A Eurofarma confirma o desabastecimento do Carbolitium CR 450 mg, mas diz que a produção havia sido retomada e que os estabelecimentos de todo o país começariam a ser abastecidos em março. A empresa enfatiza que existem outras alternativas terapêuticas no mercado, como o Carbolitium 300 mg. "A classe médica está sendo comunicada e é importante que o paciente procure seu médico de confiança para efetuar a substituição e ajustes posológicos necessários". Assim como Lilia Loman, a reportagem ligou para algumas farmácias da capital, como Onofre e Ultrafarma, e não encontrou o produto de 300 mg, nem da Eurofarma, nem de outros laboratórios.

Também procurada, a Hipolabor, de Minas Gerais, disse que "a previsão é de que todos os medicamentos necessários sejam fornecidos até o mês de abril. Ainda neste mês, a meta é produzir 20 milhões de doses e, até o fim do próximo mês, devem ser produzidas mais 30 milhões de doses".

Já a Biolab Genéricos, que diz abastecer principalmente a rede privada, afirma que não está com problemas de produção de carbonato de lítio. "Pelo contrário, a empresa triplicou sua oferta de produtos genéricos em fevereiro de 2020 em relação ao mesmo mês do ano passado: 22 mil caixas de 50 unidades (fev 19) e 69 mil caixas de 50 unidades (fev 20)", mencionou na nota, destacando que o crescimento de oferta ocorreu "mesmo em função do explosivo aumento dos custos de matéria-prima, que são dolarizados".

A reportagem recebeu apenas algumas pistas sobre o problema de abastecimento: foi informada de que a matéria-prima do medicamento carbonato de lítio é nacional, vem de um único fornecedor, e que os laboratórios estão proibidos de importar de outros países.

O que diz a Anvisa?

A Agência esclarece que não há um instrumento legal que impeça laboratórios farmacêuticos de retirarem medicamentos do mercado. Mas explica que a regulamentação exige que as empresas comuniquem a descontinuação definitiva ou temporária da fabricação ou importação de medicamentos com pelo menos 180 dias de antecedência. Quando o problema é decorrente de algum imprevisto, a comunicação deve ocorrer em no máximo 72 horas, e o desrespeito à norma resulta em penalidades.

Após consultar o banco de dados sobre o carbonato de lítio, a Anvisa informa que não havia nenhuma notificação, mas lembrou que o mercado de medicamentos apresenta flutuações relativas a procedimentos de importação, estocagem, cadeia de distribuição etc, o que pode afetar os pontos de venda. Veja o que diz o restante da nota enviada pela agência:
"De acordo com nossos bancos de dados havia estoque do medicamento nas distribuidoras em 01/2020. Diante da denúncia, a ANVISA notificou o laboratório para esclarecimentos. Em resposta, o laboratório informou que, por ser um produto de alta rotatividade, não existia naquele momento estoque disponível, e esclareceu que as ações operacionais para retomada da produção estavam avançadas para que o reabastecimento do mercado ocorresse no mês de março de 2020. Informou, também, que o medicamento Carbolitium CR® (carbonato de lítio) 450 mg 30 comprimidos de liberação prolongada está passando por um desabastecimento momentâneo, em função de intercorrências no processo produtivo. No entanto, existem alternativas terapêuticas no mercado, como Carbolitium® 300 mg. A classe médica está sendo comunicada para que os tratamentos não sejam prejudicados. Estamos orientando os pacientes que procuram a Anvisa sobre esse tema que entrem em contato com o médico para o ajuste da medicação até que a situação se normalize. Diante de informação de que a empresa não notificou a descontinuação, foram tomados os procedimentos administrativos para apuração da irregularidade apontada."
Para a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que também denuncia a falta não só de lítio, mas também do antidepressivo cloridrato de imipramina, os medicamentos não estão sendo produzidos pelos laboratórios privados e, infelizmente, ainda não existem nos laboratórios do governo brasileiro. "O desabastecimento ou a descontinuação desses medicamentos, que não possuem patente e são muito baratos, se produzidos pelo governo custariam centavos para a comercialização, configura crise na assistência médica, com risco de recaídas imediatas de graves transtornos mentais", opina a instituição, em carta divulgada à imprensa.

O farmacêutico e bioquímico Dirceu Raposo de Mello, que presidiu a Anvisa de 2005 a 2010, também defende que o governo aproveite a estrutura dos laboratórios públicos para corrigir casos de escassez gerados pela falta de interesse das farmacêuticas em drogas que, com o passar do tempo e aumento da concorrência, deixam de gerar lucro ou até causam prejuízo. "Quando há essa situação será que não vale a pena internalizar a produção?", provoca.

O ex-presidente da Anvisa cita outros cenários parecidos e perigosos, como a recente falta de penicilina benzatina, fármaco antigo que ainda hoje é usado para combater a sífilis, inclusive em recém-nascidos. Apenas quatro laboratórios produzem a substância para o mundo todo, justamente por ser antiga e barata. Isso coloca o Brasil, bem como outros países, em situação de extrema vulnerabilidade numa época em que autoridades apontam o aumento descontrolado dessa infecção sexualmente transmissível (IST).

"Penicilina da saúde mental"

O psicoterapeuta e instrutor de educação médica Mark Ruffalo, da Universidade da Flórida Central, nos EUA, é um dos profissionais que compara o carbonato de lítio ao antibiótico que revolucionou a história da medicina. Embora as propriedades terapêuticas da água rica em sais de lítio sejam conhecidas desde a Grécia antiga, foi só perto dos anos de 1950 que o tratamento para a então chamada "doença maníaco-depressiva" foi descoberto. Os estudos com o lítio, segundo Ruffalo, precederam os primeiros fármacos usados em psiquiatria.

O instrutor conta que as taxas de prescrição do lítio são baixas nos EUA em comparação com outros países, o que ele atribui, em grande parte, à falta de interesse econômico: "O lítio é muito barato, mesmo para quem não tem seguro saúde. Como as farmacêuticas nunca puderam patentear o lítio, elas nunca investiram em marketing [para a droga]; por isso, os médicos, hoje, são muito mais propensos a prescrever antipsicóticos e estabilizadores de humor de segunda geração, altamente propagandeados".

Outra questão apontada por alguns estudos sobre a baixa prescrição nos EUA é que o carbonato de lítio exige conhecimento dos médicos, exames prévios e monitoramento contínuo do paciente. É preciso testar os níveis na substância no sangue do paciente com regularidade, pois qualquer excesso pode ter efeito tóxico, em especial sobre a tireoide ou os rins. Isso sem contar efeitos colaterais como náuseas e tremores, que atrapalham a adesão.

Apesar de todos os riscos, o efeito parece milagroso para alguns pacientes. "Não acredito em Deus, mas acredito no lítio", resume a escritora norte-americana Jaime Lowie, em um dos artigos publicados sobre a luta para controlar os episódios de mania do transtorno diagnosticado aos 16 anos. Jaime tomou o medicamento por mais de duas décadas, mas foi obrigada a parar porque o uso prolongado afetou sua função renal. A impressão que dá, ao ler seus textos, é que nem a ameaça alterou sua admiração pelo lítio. "De fato, eu considerei continuar, mesmo sabendo que acabaria precisando de um transplante de rim", confirma.

No livro Mental - Lithium, Love, and Losing my Mind (Mental - Lítio, Amor e Perdendo a Cabeça, em tradução livre), ela não fala apenas sobre transtorno bipolar, mas também traz informações sobre o elemento por trás do remédio que lhe trouxe estabilidade. Para fazer a pesquisa, consultou médicos, visitou o Salar de Uyuni, na Bolívia (que concentra metade das reservas de lítio do mundo), conheceu fábricas de bateria na América e spas que oferecem banhos em águas com doses extras do mineral. Jaime também lamenta a atual falta de interesse na droga. "Há pesquisas que mostram que o lítio poderia ser útil para demência e Parkinson, mas é muito difícil obter financiamento para testar se isso é verdade ou não porque não há margem de lucro", comenta.

A escritora, hoje, está bem, mas avisa que levou cerca de nove meses tentando diferentes estabilizadores de humor até se adaptar ao atual. Tratamentos psiquiátricos costumam envolver mais de uma droga, por isso é preciso haver um ajuste fino que leve em conta resposta, interações e efeitos colaterais. Encontrar a combinação certa, em parceria com o psiquiatra, sempre leva tempo e exige paciência. Uma alquimia que não deveria ser ameaçada por questões econômicas.

Fonte: https://pfarma.com.br/noticia-setor-farmaceutico/saude/5514-falta-medicamento-transtorno-bipolar.html

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Saúde mental em pauta nestes tempos pandêmicos. Uma ação exemplar!

Instituto lança mapa da saúde mental com serviços gratuitos em todo o Brasil - Saúde Mental

Sílvia Haidar (14 maio 2020)

O instituto Vita Alere, que desenvolve projetos e pesquisas relacionados à saúde mental, lançou na segunda-feira (11) um site que mostra onde e como buscar serviços gratuitos de psicologia e psiquiatria.

A iniciativa, que teve apoio técnico do Google, traz um mapa virtual, com contatos para atendimento online, e um mapa presencial, com endereços de Caps (Centro de Atenção Psicossocial), Caism (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental ), hospitais psiquiátricos, ONGs e clínicas de faculdades.

O site também indica o atendimento de acordo com o tipo de paciente: para o público em geral, para profissionais da saúde e para grupos específicos, como pessoas que perderam parentes e amigos por Covid-19, idosos, gestantes e adolescentes.

Karen Scavacini, psicóloga e fundadora do Vita Alere, conta que o mapa seria lançado daqui a alguns meses, mas a equipe decidiu antecipar a estreia devido à pandemia do novo coronavírus e à maior busca por atendimento psicológico durante a quarentena.

Para facilitar qual tipo de ajuda buscar, o site tem um guia que explica como funciona o tratamento com um psicólogo, o que faz um psiquiatra, em quais situações se deve procurar um hospital psiquiátrico, por exemplo.

“A gente fala para as pessoas procurarem ajuda, mas nem sempre elas sabem onde buscar essa ajuda e qual tipo de ajuda elas precisam”, observa Karen.

A psicóloga conta que nos próximos dias será publicada uma lista com os principais sintomas de cada transtorno mental. “Obviamente, a ideia não é fazer um diagnóstico, mas orientar o público sobre um psicoeducação mesmo. Para que as pessoas que se identifiquem com alguns sintomas saibam que ações elas podem tomar”, diz.

O site também traz dicas de segurança digital para quem procura atendimento online.

Fundado em 2013, o Vita Alere tem foco em educação socioemocional, prevenção e posvenção do suicídio e autolesão. “Posvenção é todo o trabalho que a gente faz específico para pessoas que perderam amigos e parentes por suicídio”, explica.

O mapa da saúde mental, lançado pelo instituto, tem apoio do CVV (Centro de Valorização da Vida), da Abeps (Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio), do IASP (International Association for Suicide Prevention) e da SaferNet.

Acesse o mapa da saúde mental em mapasaudemental.com.br.

Fonte: https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/05/14/instituto-lanca-mapa-da-saude-mental-com-servicos-gratuitos-em-todo-o-brasil/

terça-feira, 12 de maio de 2020

Saúde mental e coronavírus

Preocupação com a saúde mental é um dos principais reflexos do coronavírus


Angústia, insegurança, medo e solidão não são palavras ou emoções novas no vocabulário humano


Roberta Pinheiro (Correio Braziliense) em 11 maio 2020

Como nomear aquele aperto no peito? Como entender as noites maldormidas? Como explicar o choro fora de hora? Como encaixar esse quebra-cabeça de emoções? Diante da desconhecida covid-19 e dos impactos e desdobramentos da doença que surgem a cada dia, identificar e lidar com os sentimentos tornaram-se demandas coletivas. A preocupação com a saúde mental está entre os principais reflexos da pandemia do novo coronavírus e a escuta dessas vozes se faz ainda mais relevante.


Criado há mais de 50 anos, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta um serviço, voluntário e gratuito, de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar sob total sigilo e anonimato. Ao todo, são 3 milhões de atendimentos por ano no Brasil.

Porta-voz nacional do centro e voluntária em Brasília há nove anos, Leila Herédia relata que o número de ligações, neste período de distanciamento social, não variou. “Mas as pessoas estão falando mais de temas ligados à pandemia, como a angústia, a solidão, o medo da morte, a preocupação com pessoas que queria estar perto, mas não se pode estar em contato, o fato de estar privado de determinadas atividades, a própria tensão que vive no dia a dia, a incerteza com o futuro”, detalha.

Na percepção de Leila, as conversas ficaram mais longas. “Minha impressão é de que as pessoas sentem mais vontade de falar”, pontua. Apesar de ser uma situação coletiva e um problema comum, que o mundo todo enfrenta, o foco do CVV está no sentimento individual. “Cada pessoa vai sentir de uma forma. Nosso foco é no que a pessoa está vivendo. Está sendo mais difícil, por que ela está sentindo medo? O CVV permite o desabafo para que a pessoa consiga lidar melhor com os sentimentos”, afirma.

A porta-voz destaca que os atendimentos do centro em momento algum substituem a terapia ou o acompanhamento médico. “Não existe nenhum tipo de aconselhamento. É uma espécie de pronto-socorro emocional. Não vamos substituir médico ou terapeuta, vamos agir no aqui e no agora”, esclarece. Ao falar e conversar, é possível reorientar as ideias e perceber, dentro de cada um, como enfrentar as situações. “À medida que a pessoa vai falando, ela busca recursos internos para passar por uma determinada situação, dá nome aos sentimentos, ajuda a esvaziar e a liberar aquele efeito de panela de pressão”, comenta Leila.

Angústia, insegurança, medo e solidão não são palavras ou emoções novas no vocabulário humano. Contudo, a partir do momento que a pessoa está passando por uma situação diferente e tendo que lidar com esses sentimentos, é tudo novidade. “Conversamos do momento atual, do que estamos vivendo. Cada dor é única”, afirma a voluntária.

Adaptação

Em todo o Brasil, o CVV atua com mais de 4 mil voluntários distribuídos em mais de 100 postos. Neste período de enfrentamento ao novo coronavírus, o serviço se organizou também para atender aos voluntários e viabilizar outras formas de atendimento, como o remoto, seguindo todas as orientações das autoridades internacionais. As palestras presenciais, bem como as capacitações, foram suspensas.

A equipe de voluntários do Distrito Federal promove reuniões semanais, agora mantidas de forma virtual, para manter um contato mais próximo e conseguir sustentar essa forma de cuidado coletivo.

"As pessoas estão falando mais de temas ligados à pandemia, como a angústia, a solidão, o medo da morte, a preocupação com pessoas que queria estar perto, mas não se pode estar em contato” Leila Herédia, porta-voz nacional do CVV

Como ligar: chamada gratuita, 24 horas, pelo número 188

Informações no site www.cvv.org.br

 

Ponto a ponto

Com Guilherme Spadini, psiquiatra da Faculdade de Medicina da USP e professor e líder da área de terapia da The School of Life

 

Comunicar os sentimentos

Às vezes, a gente subestima o poder que a comunicação tem. Comunicar tem várias funções. Quando a gente tenta comunicar, a gente se obriga a prestar atenção, é um exercício de investigação interna. A nossa própria consciência é uma forma de conversa com a gente mesmo, é o nosso pensamento falando. Vamos passando pela vida, por emoções, por ideias. Além disso, quando você dá nome para as coisas, quando você chama aquela sensação de tristeza, de ansiedade, de medo, de preocupação, fica mais fácil. Ela fica mais familiar e você acessa com mais familiaridade. É como nomear um bicho selvagem que você domestica, se apropriando dele. Você está domesticando aquele sentimento.

 

Desenvolver a calma

Você não tem como mudar o mundo, só tem como mudar a sua atitude. Temos uma ideia, meio inocente, de otimismo. De achar que as coisas vão acontecer do jeito que a gente quer. Em uma situação como a pandemia, na qual o pessimismo está generalizado, o estranhamento nos libera para olhar para aquilo que a gente pode controlar: as nossas emoções. É o que chamamos de pessimismo universal. O mundo não está a meu favor. Se você tiver isso como expectativa, você sai mais preparado para enfrentar a vida de uma maneira mais calma.

 

Dicas

Existem muitas técnicas possíveis e algumas se tem falado em exaustão, como meditar, manter a rotina, ter contato com pessoas e não deixar o isolamento te manter realmente isolado. Diria para, regularmente, a pessoa sentar e fazer um download do que está em sua cabeça, sem compromisso, sem tema. Pode ser em desenho, música. Do jeito que a pessoa melhor se expressar. É um hábito com evidências científicas do quanto acalma.

 

Angústia coletiva

O interessante de estar todo mundo falando sobre isso é que ajuda a desenvolver técnicas para lidar com a dificuldade. Pessoas muito ansiosas, que já têm uma tendência a lidar de maneira negativa, acham que o mundo é uma ameaça, que está todo mundo contra elas e, por isso,  sofrem tanto. Agora, todo mundo sofre. Ao viver o sofrimento sozinho, fica mais difícil  enxergar os mecanismos e as razões que levam as pessoas a sofrerem tanto. Elas se projetam no mundo externo. Nesse momento, no qual as coisas externas são comuns, todo mundo está tendo que olhar o seu jeito de lidar com as coisas. É uma situação que tira a nossa ilusão de controle.

Fonte: www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2020/05/11/interna_cidadesdf,853387/saude-mental-e-um-dos-principais-reflexos-do-coronavirus.shtml