Crise económica e suicídio andam de mãos dadas
Psiquiatra Pedro Afonso diz que existem sérios riscos de ocorrer no nosso país um aumento exponencial do número de suicídios.
“De acordo com os números do Instituto Nacional de Estatística, em 2010 as mortes por suicídio em Portugal ultrapassaram pela primeira vez os óbitos provocados por acidentes rodoviários. Neste caso, ocorreram no nosso país 1101 óbitos por suicídio, mais 86 do que as mortes registadas em acidentes nas estradas durante o mesmo período”.
As palavras são do psiquiatra Pedro Afonso e integram um artigo em que aborda a relação da crise económica com o aumento da taxa de suicídio. E as conclusões não são risonhas: “Considerando o crescimento da taxa de desemprego para cerca de 15%, as dificuldades económicas da população e o consequente acréscimo dos casos de depressão, existem sérios riscos de ocorrer no nosso país um aumento exponencial do número de suicídios”.
E nos últimos tempos as notícias confirmam-no, com as tentativas frustradas ou consumadas.
Pedro Afonso considera que o aumento das doenças psiquiátricas associadas à crise económica é um problema que deve ser monitorizado pelo governo, defendendo o acompanhamento pelos serviços de saúde das situações mais dramáticas como é o caso dos casais em que ambos estão desempregados. E deixa o aviso: “A indiferença política diante do aumento do número de suicídios, no contexto da presente crise económica, pode tornar-se perigosa, pois corrompe o tecido social e exprime a renúncia a um importante compromisso: o compromisso com o futuro”.
O estudo do fenómeno
O fenómeno do suicídio é a razão de existir da Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS), sedeada em Coimbra e fundada em 2000. E a relação com a crise não lhe passa ao lado. “Sabemos que uma sociedade em crise económica será um factor de risco acrescido mas, se houver coragem de transformar a crise em oportunidade, talvez possamos começar a construir desde já um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio e assim contribuir para uma eficaz prevenção”.
“Desde 2000 houve um aumento claro das mortes por suicídio. Podendo haver dúvidas quanto à explicação, há certezas quanto aos números e esses apontam, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, para o dobro de suicídios no século XXI relativamente aos anos 90”, lê-se na página da associação na Internet (www.spsuicidologia.pt) onde se acrescenta que embora as taxas em Portugal sejam das mais baixas da Europa, “a sul de Santarém atingem dimensões preocupantes no que aos idosos diz respeito”.
Pressão social influencia o suicídio
A faixa entre Chamusca e Benavente estatisticamente tem taxas elevadas de suicídio, segundo o sociólogo e investigador Garrucho Martins. Apesar de não haver estudos o investigador na Universidade Nova considera que a situação pode estar relacionada com a grande pressão social. Ou seja, são zonas onde a sociedade exerce um grande controlo, onde toda a gente sabe da vida de toda a gente, onde todos se conhecem e a vergonha perante situações de desemprego ou dificuldades económicas potencia o suicídio.
Garrucho Martins explica que há uma tendência para que sejam pessoas da classe média as que mais recorrem ao suicídio, porque estas habituaram-se a ter um bom nível de vida, a terem expectativas em relação ao futuro e quando isso falha começam a entrar em depressão e a ter na morte uma solução. “Os grupos sociais que sempre viveram em instabilidade têm estratégias de adaptação às situações”, explica, realçando que o suicídio é sempre uma solução provisória e que não resolve só por si as situações que acabam por cair em cima das famílias.
Com a crise e a consequente perda de expectativas de futuro, o discurso dos políticos também não ajuda. Se alguém que tem propensão para se matar não ouve dos governantes palavras positivas, de estímulo, o quadro piora. É por isso que Garrucho Martins considera que nesta altura os políticos têm que pensar muito bem nos efeitos dos seus discursos. Até porque o que se está a assistir actualmente é a suicídios de índole anómica, em que todos os valores são negativos, em que já não existem referências e tudo é possível, em que a pessoa anda completamente à deriva.
O investigador lamenta que não exista um acompanhamento das famílias afectadas pelo suicídio, sobretudo as que têm filhos pequenos. A família costuma fechar-se até porque o tirar a própria vida é algo tabu na sociedade e visto como uma coisa vergonhosa, a falha de um projecto pessoal. Também não há na saúde pública um acompanhamento especializado a nível psicológico e psico-educativo de quem tem tendência para se matar. O que acontece é que a psiquiatria nos hospitais faz a medicação mas depois não tem condições para acompanhar a pessoa.
Garrucho Martins é da opinião que se fala pouco do suicídio numa perspectiva educativa, de prevenção. Entende que não deve falar-se de mais, mas também falar de menos é prejudicial e deve mostrar-se que o suicídio tem efeitos muito negativos na sociedade. Para o investigador a situação a que se assiste neste momento com pessoas que põem termo à vida por questões profissionais ou económicas pode levar a uma situação de contágio na sociedade que é muito preocupante. Agravada pelo facto de o Estado Social estar a falhar. O facto de as pessoas saberem que iriam ter uma reforma, que podiam ser curadas se tivessem doentes, que os filhos teriam sempre acesso à educação dava uma certa tranquilidade. Mas agora “assiste-se a uma incerteza perante o futuro que leva desespero”.
Sociedade | Opinião e Comentário | O Mirante (semanário regional) :: 12/7/2012 :: texto adaptado
http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=556&id=84672&idSeccao=9353&Action=noticia
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