domingo, 9 de agosto de 2009

Luto: também um tabu...

Questionário ajuda a enfrentar o luto

Pesquisadora da UnB cria instrumento para avaliar situação de pessoas que perdem amigos e parentes e conduzir a terapia

Agência UnB

Enfrentar a morte de uma pessoa querida é uma das provações mais difíceis por que alguém pode passar durante a vida. Nesses momentos, qualquer ajuda é bem-vinda - ainda mais se for especializada. Pena que, no Brasil, os enlutados têm poucos especialistas a quem recorrer. Isso é o que afirma a pesquisadora Cristina Marcos de Moura, autora da dissertação de mestrado Uma avaliação da vivência do luto conforme o modo de morte, orientada pelo professor Marcelo Tavares e defendida em janeiro de 2007 no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). De acordo com a psicóloga, o assunto ainda é tabu por aqui.

Preocupada em ajudar indivíduos que perderam parentes ou amigos, a psicóloga adaptou o Questionário de experiência de luto (Grief Experience Questionnaire GEQ) para a realidade brasileira e o aplicou em alguns enlutados. O instrumento Entrevista de Avaliação de Luto é composto por 55 itens que representam 11 dimensões do luto, como busca por explicações, vergonha, rejeição e sentimento de culpa.

A entrevista considera três tipos de morte: naturais/esperadas, inesperadas/acidentais e por suicídio. Cristina pretendia aplicar o questionário brasileiro em pelo menos 300 voluntários, para que ele fosse validado e, na seqüência, aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Mas enfrentou muita dificuldade para encontrar pessoas interessadas em ajudá-la. Por isso, optou pelo estudo qualitativo.

Ela entrevistou 13 pessoas (nove mulheres e quatro homens), entre 20 e 70 anos. A idade dos falecidos variava de 22 a 98 anos e a aplicação dos questionários ocorreu entre cinco meses a um ano e três meses dos óbitos. Seis dos participantes estavam de luto por morte natural (parada cardíaca e tuberculose, por exemplo), três por morte inesperada (como acidente de carro e acidente vascular cerebral) e quatro por suicídio.
Os indivíduos responderam a perguntas referentes ao que eles sentiam em relação ao parente/ amigo morto, a estratégias que eles adotaram para superar a dor e ao modo como avaliavam as circunstâncias da morte. As respostas permitiram à pesquisadora identificar padrões de comportamento para cada tipo de enlutado. Quatro dos participantes relataram ter vomitado logo depois de receber a notícia da morte. Sintomas como ansiedade, sentimento de vazio e irritação também são recorrentes.
"Algo que costuma acontecer, independente do modo de morte, é o isolamento do enlutado", afirma Cristina. "Isso acontece devido à tristeza que ele sente, à perda de interesse em qualquer coisa que não se refira ao ente querido morto", continua. Esse isolamento, explica a psicóloga, é natural e faz parte do processo de luto. É um tempo em que o enlutado recorda momentos que passou ao lado do ente querido, olha fotos e pensa em como será sua vida dali para frente. Nos casos de mortes naturais e esperadas, as pessoas se isolam pela tristeza, por sintomas de depressão. Elas têm medo de levar a dor para os parentes.

É por isso que a psicóloga defende a existência de grupos de apoio a enlutados. "Nós não somos preparados para esperar a morte, nem a nossa nem a do outro. Somente no último semestre houve registro, no Brasil, de iniciativas isoladas de estabelecimento de grupos de suporte a enlutados por suicídio", comenta a pesquisadora. "Os profissionais de saúde precisam conhecer o processo de luto. É assim que se evita a consolidação de quadros depressivos, que podem gerar até tentativas de suicídio entre enlutados", aconselha.

ALÍVIO - As entrevistas de Cristina identificaram um novo componente no luto dos voluntários. O alívio, componente que pode ajudar na superação da tristeza, foi relatado nos enlutados por mortes inesperadas e morte esperada. Alguns deles se disseram confortados, nos casos de acidentes, por saber que o parente não ficaria inutilizado pelo resto da vida.

Quando a morte é esperada, a idéia de que o morto "descansou" é recorrente. Nesse tipo de luto a tristeza pode ser resolvida de dois meses a um ano. Em casos de suicídio o tempo médio é de dois anos. "Mas se a pessoa receber ajuda, ela elabora o luto de forma mais rápida e saudável, com o mínimo de sofrimento possível", garante a psicóloga. Além do mais, a idéia da morte também passa pela cabeça dos familiares de suicida, e o auxílio aos chamados "sobreviventes do suicídio" pode evitar outras mortes.

http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/0/artigo66830-1.asp

sábado, 8 de agosto de 2009

O caso Vinícius em uma corajosa entrevista do seu psicanalista

Reproduzimos abaixo a entrevista do psicanalista Mário Corso à revista Época.

Para situar o leitor, ele atendeu durante duas temporadas o adolescente Vinicius Gageiro Marques, induzido ao suicídio via internet, conforme reportagem da mesma revista.

Vamos à entrevista feita pela jornalista Eliane Brum, que elegeu como título "Há um centro de valorização da morte na internet" e comentou:

O psicanalista Mário Corso só aceitou dar esta entrevista porque tem convicção de que Vinícius Gageiro Marques, o Yoñlu, foi vítima de um crime. E por que esse crime, praticado nas “ruas escuras da internet”, segue levando adolescentes frágeis à morte. Foi uma decisão difícil. Corso era o psicanalista do garoto de 16 anos que se suicidou ao se trancar no banheiro com duas churrasqueiras em chamas em julho de 2006. Seu paciente planejou a própria morte com a ajuda de sites na internet e a transmitiu em tempo real, incentivado por participantes de um chat. Quando Corso chegou ao apartamento da família, em Porto Alegre, Yonlu já estava morto.

É terrível para qualquer pessoa falar sobre a perda de uma vida. E é preciso muita coragem para um psicanalista submeter-se à tremenda exposição que é falar sobre a perda de um paciente. Depois de conversar com a mulher, a também psicanalista Diana Corso, e as duas filhas, ele aceitou dar entrevista a Época em nome do interesse público. Mário Corso acredita que é preciso caçar aqueles que incitam pessoas ao suicídio, encobertos covardemente pelo anonimato da rede.

Ao longo da entrevista de mais de duas horas, em seu consultório na capital gaúcha, a dor do psicanalista era exposta. A da família também. Sua mulher ligou três vezes para saber se ele estava bem. Diana tinha razão para preocupar-se. A taquicardia era perceptível, em muitos momentos ele ficava ofegante, a voz quase sumia. Mário Corso sofria. Não só porque doía falar sobre algo tão brutal, mas também porque ele sente saudades de Yoñlu.

ÉPOCA – Por que você aceitou dar essa entrevista?
Mário Corso – Porque esses suicídios seguem acontecendo, incitados por pessoas na internet, pessoas que não sabemos quem são e que não são responsabilizadas pelo que fazem com adolescentes, pelo que dizem a pessoas fragilizadas. Decidi dar essa entrevista porque isso é um crime e precisa parar. Temos um CVV, Centro de Valorização da Vida. E na internet há um CVM, Centro de Valorização da Morte. Talvez a gente nem saiba sobre outros suicídios que aconteceram por aí, que tiveram como fator decisivo algum tipo de CVM. Essas coisas não são tão fáceis de saber. Mas precisamos ter com essas pessoas a mesma preocupação que temos com outros criminosos. Já existe uma preocupação grande com a pedofilia, uma caça aos pedófilos na internet. Eu decidi dar esta entrevista porque acho que a gente tem de caçar essa gente também. Antes que eles matem mais. Eu acho que temos de aprender a lidar com o fator mórbido da internet, que são esses grupos de auto-ajuda que servem para não deixar de ficar doente, para não deixar de usar drogas, para não parar com a bulimia, com a anorexia. E temos de aprender a lidar com essa gente covarde que diz a um adolescente para se matar. A gente tem de criar formas de responsabilizar quem faz esse tipo de coisa.

ÉPOCA – Na carta que deixou aos pais, Vinícius escreveu que você poderia ajudá-los a entender as razões do suicídio. Por que ele se suicidou?
Corso – Esse menino estava numa crise prolongada de angústia. Não foi a primeira tentativa de suicídio dele. Ele já havia tido crises anteriores que conseguiu contornar. Uma vez ele se sentou na beira da cobertura e me ligou. A gente ficou falando um bocado de tempo sobre se valia a pena pular ou não. E ele não pulou. Ele precisava ouvir a voz de alguém que o lembrasse da sua ligação com a vida, dos laços que tinha com os que o rodeavam. Não havia uma outra voz dizendo para ele pular. E acredito que isso fez toda a diferença.

ÉPOCA – A internet parece tê-lo auxiliado no suicídio em dois momentos: nos sites que ensinavam métodos de tirar a própria vida e nos chats em que ele discutia seu desejo de se suicidar. Na hora do suicídio ele escreveu no chat que estava se suicidando e pediu ajuda porque não suportava o calor das chamas. Neste momento, o que essa voz na internet representou?
Corso – O que a internet faz é dar suporte a uma idéia. Namorar a idéia do suicídio é uma coisa que muita gente faz, é fantasia comum na adolescência e visitante freqüente dos desesperados. Chegar à beira de se matar também é algo que ocorre muito mais do que se admite publicamente, mesmo com pessoas que estão bem acompanhadas na vida, que possuem vínculos sólidos. Mas poucos chegam a se matar. Na hora, falta uma energia extra. Há uma força vital que nos segura no último momento. Essa força que nos prende ao grupo, às outras pessoas, ao quanto os outros gostam da gente e ao quanto nós gostamos dos outros. Isso tece uma rede, uma teia que nos suporta na vida. Muitas vezes, quando o sangue aparece nos pulsos cortados, as pessoas acordam do seu transe mortífero e pedem ajuda. Para dar esse último passo, se suicidar, é preciso de um desespero, de uma desesperança muito forte ou de alguém que te puxe para baixo.

ÉPOCA – A polícia entendeu que não existem provas de incitamento ao suicídio, portanto não houve crime. O que você acha?
Corso – Eu acredito que para o Vinícius foi absolutamente decisivo o fato de alguém cortar essa teia que o prendia à vida. Ele brincava com a idéia de morrer como uma saída para as crises de angústia e desespero. Mas tinha laços fortes com a vida que podiam resgatá-lo. Sem aquele último estímulo ele não teria tido coragem para se matar, como não teve das outras vezes. Talvez a polícia tenha se sentido impotente frente ao tamanho da tarefa a fazer. Porque realmente seria muito difícil encontrar e responsabilizar essa gente. Sentiram-se impotentes e chegaram a essa conclusão brilhante. Que o culpado era o suicida.

ÉPOCA – Por que ele se suicidou de uma forma “assistida”? Ele chegou inclusive a botar uma foto das churrasqueiras com fogo na internet. O que significou esse suicídio ao vivo pela internet?
Corso – Ele é de uma geração que se criou dentro da internet. Essa é a questão que foi subestimada por mim – e eu não posso falar por eles, mas talvez tenha sido subestimada pelos pais também. Com 11 anos ele freqüentava grupos de discussão onde se apresentava tendo 26. E ele passava por 26 anos. Esse menino era superdotado, extraordinariamente inteligente, e cresceu numa família muito estimuladora, intelectualmente rica, com um pai e uma mãe muito cultos. Ele sugou essa cultura rapidamente. O Vinícius herdou do pai a profundidade política, social, e da mãe a perspicácia emocional. Tinha o que poderíamos chamar de excesso de lucidez. Mas sem condições de suportar essa carga por causa da pouca idade. Era um menino que tinha uma capacidade de compreender profundamente o mundo, mas não tinha a consistência emocional para dar conta do que via, do que decodificava. Reduzido a si mesmo, via-se deformado, feio, pequeno. Ele tinha uma hipersensibilidade ao mundo que lhe fazia bastante mal. Como se ele vivesse um pouco o noticiário, o mundo como ele acontece. Era uma caixa de ressonância do mundo.

ÉPOCA – Isso significa que ele era mais afetado pelas grandes tragédias do mundo ou pelas pequenas misérias ao seu redor?
Corso – Ele sofria com a brutalidade do mundo. Este era um tema caro para ele: sofria vendo as pessoas sendo humilhadas, sofria com a hierarquia. Ele tinha uma compreensão hiperbólica do mundo. Era como se para ele a escravidão não tivesse acabado no Brasil. Ele ficava imaginando como era a vida da empregada, do porteiro. Ele fica tentando imaginar como essa vida era e como eles cabiam nessa vida que ele achava pequena e estreita. E como sofriam por isso.

ÉPOCA – Ao mesmo tempo, ele é descrito por algumas pessoas do colégio como alguém que não se relacionava muito com os outros, alguém que se dava bem com todo mundo e ao mesmo tempo com ninguém, que vivia numa espécie de mundo próprio.
Corso – Houve várias fases dele. Ele teve dois tratamentos comigo. O primeiro foi iniciado quando ele tinha 11 anos. Ele me procurou por uma certa fragilidade que tinha. Já tinha esse desencaixe, essa precocidade extraordinária. É difícil viver numa sala de aula quando você entende muito o que está acontecendo. Imagina se você fosse adulta e tivesse de voltar para o primeiro ano. Aqueles empurrões e cotoveladas, aquelas maldadezinhas. Ele estava sempre um pouco à frente do seu tempo e isso fazia diferença para os colegas dele. Ele ficou comigo dos 11 aos 13 anos na primeira vez. Fez progressos muito importantes e saiu bem. Nessa época ele se aproximou muito do pai e ficou mais extrovertido. Melhorou também na sala de aula, ficou mais popular, ganhou até um apelido, Pipoca. Eu tinha notícias esparsas dele e ele estava bem. Em 2004 foi um período ótimo, em 2005 não foi tão bom e ele retornou.

ÉPOCA – Desde quando você sabia que havia risco de suicídio e que tipo de providência foi tomada?
Corso – Eu soube desde o começo. Ele disse na primeira vez que me procurou que havia pensado em se matar. Isso no segundo tratamento. Eu mantive isso comigo até sentir que a situação poderia escapar das minhas mãos. Então eu comuniquei aos pais. E nós combinamos que ele ficaria em internação domiciliar. Nesses casos sempre há alguém com o paciente, ele não fica sozinho em momento algum. Os pais já tinham desconfiança sobre isso, entenderam logo e passaram a não desgrudar dele. Mas enquanto a gente cuidava dele, tinha alguém que puxava ele para baixo. Aí entrou o fator extra, que nós desconhecíamos. Não sabíamos que ele tinha alguém que o incentivava a achar que a vida não vale a pena. Ele havia me dito que entrava na internet para ver formas de suicídio, a gente discutiu muito sobre os suicídios que estavam ocorrendo no Japão. Mas eu não sabia que ele discutia abertamente o valor da sua própria vida na internet.

ÉPOCA – Ele era depressivo? Usava algum tipo de medicação?
Corso – Não usava. E eu não vejo razão para classificações aqui. Isso não é relevante para essa discussão ou para o público que está lendo a revista.

ÉPOCA – Por que ele dizia que queria se matar?
Corso – Ele não falava que queria se matar. Ele falava que era impossível viver, que não se sentia com forças para viver, o que é um pouco diferente de ter vontade de morrer. Ele tinha uma vontade de desaparecer, de que algo cessasse a dor constante que ele sentia.

Época - Há quanto tempo ele estava nessa internação domiciliar?
Corso – Começou dois meses antes do suicídio.

ÉPOCA – Vocês sabiam que havia risco de suicídio, você e a família estavam cuidando dele, mas ao mesmo tempo havia um outro enredo se desenrolando a partir da internet, dentro de um mundo virtual. Como é isso?
Corso – Este foi o erro, o engano. Subestimar o papel da internet. Eu uso a internet, mas eu não a habito, eu não moro dentro da internet. Tem gente que mora.

ÉPOCA – Ele morava dentro da internet?
Corso – Ele habitava nela. Não vamos achar que a internet é uma coisa ruim a priori. Ele construiu a obra dele na internet, a troca de músicas que resultou no disco interessante que ele fez foi graças à internet. A internet pode ser extraordinariamente interessante, ela possibilita encontros que não estavam colocados antes. É o paraíso dos solitários, das pessoas tímidas. Tem proporcionado a construção de laços entre pessoas distantes. Agora, por outro lado, a internet possibilita também o contato de outro tipo de coisa que nunca aconteceria sem ela. A internet não criou nenhum tipo de doença mental, todas elas pré-existiam. Mas ela possibilita o incremento de certas morbidades por uma possibilidade de compartilhar e, a partir disso, criar uma identidade. Um exemplo é o que acontece com a anorexia, uma doença gravíssima, muitas meninas morrem disso. Antes da internet, uma não encontrava a outra. Com a internet o que elas conseguem? Trocam idéias sobre a anorexia não no sentido da auto-ajuda, mas da manutenção da patologia. E da glamourização dela. Encontram alguém que as apóia em permanecer nessa atitude doentia, a construir uma identidade a partir dela. Outro exemplo: imagina um sujeito pedófilo numa cidadezinha no interior onde provavelmente ele era o único pedófilo. Antes ele era uma aberração aos olhos da comunidade e dele mesmo. Na medida em que ele consegue compartilhar isso com outras pessoas na internet e descobre que há um monte de gente como ele, isso faz com que tenha coragem de se pensar enquanto grupo. Não como doente, mas como um estilo. A internet possibilita uma série de coisas extraordinárias, mas também uma série de coisas doentias.

ÉPOCA – E como isso funciona no caso do suicídio?
Corso – A internet tem de tudo, mas ela ainda é muito fraca e medíocre no seu conteúdo. Com exceções, ela é muito tola, não tem profundidade para quase nada. Ela é o livro de areia que o (Jorge Luis) Borges imaginou, mas sem profundidade, onde uma página não tem nada a ver com a outra. Vale lembrar que, no conto, ele ficou horrorizado e abandonou o livro. É isso que não devemos fazer. Um dos problemas da internet é também que a nossa geração não está lá da mesma maneira, não tem uma geração anterior a que está na internet. Ainda não há uma tradição ali dentro, a internet é raramente habitada por pessoas com um pouco mais de maturidade. Os jovens estão muito sós nesse mundo virtual, meio entregues à própria sorte. Então, além de empobrecedor, o ambiente é também mais frágil e mais perigoso pela falta de adultos.

ÉPOCA – E o que podemos fazer? Nós vivemos numa espécie de esquina histórica. Os pais de hoje pertencem à geração que só conheceu a internet depois de adultos. Seus filhos habitam a internet desde a infância. Os pais vêem os filhos dentro do quarto, sentados, sozinhos, digitando no computador, e ficam tranqüilos porque não poderiam estar mais seguros: dentro de casa e sozinhos. Mas naquele momento os filhos estão no mundo, sujeito a pedófilos e perversos de todo o tipo, e sem pai nem mãe. Mesmo os pais que conhecem os riscos estão impotentes porque não dominam os códigos desse mundo virtual. Provavelmente quando essas crianças e adolescentes forem pais, esse gap geracional, pelo menos no sentido da internet, não vai mais existir. Mas hoje, agora, o que podemos fazer?
Corso – Eu resolvi dar essa entrevista para que se comece uma discussão sobre isso. Não acredito em controle, acho que a internet é incontrolável. É algo como tentar proibir o papel. É inócuo, inútil, estúpido. Mas ela está aí e a gente vai ter de inventar formas para lidar com isso. Acho que o único jeito é a velha teoria de sempre. Se você quer cuidar de seus filhos, fique perto deles, tenha consciência do abismo que separa as gerações na forma de se relacionar com esse meio de comunicação. Procure dialogar com eles sobre o que ocorre também em seu mundo virtual. Para a nossa geração não está ocorrendo nada sério ali, mas para os mais jovens amores, destinos e até a vida e a morte podem estar sendo decididos na internet. Essa diferenciação entre o real e o virtual não é tão radical para eles. Há um portal em que eles transitam, lá onde nós somente vemos uma linha divisória, uma parede. É como a TV. A TV pode ser muito nefasta se ela for a única via de acesso ao conhecimento de uma criança. Mas se ela ficar diluída com a escola, com os pais, ela é um estímulo a mais. Quem vai ficar mais exposto à internet é quem tem menos laços reais com o mundo, quem constrói laços prioritariamente virtuais. O Vinícius estava num momento de muita fragilização com o mundo. Então ele se voltou para a internet. Embora ele também sofresse na internet, nos grupos de discussão. Não era uma vida fácil nem no mundo virtual. Mas a internet é um bom mundo para quem tem problemas com o corpo. O corpo não está ali, ali é só a palavra. Para quem é só corpo a internet não funciona.

ÉPOCA – Por que você acha que alguém faz um site de suicídio, com métodos para tirar a própria vida? É possível construir um perfil desse tipo de pessoa?
Corso – É gente doente que exerce sua morbidez, seu sadismo. Eu acredito que deve ter algum grau de sinceridade nessa negatividade do mundo. O problema é que eles não sabem com quem estão falando. Não têm consciência da fragilidade das pessoas. Esse é o drama da internet. Acho que nenhum adulto conseguiria chegar para um adolescente e dizer, cara a cara: a vida não vale a pena, te mata. A internet tem um valor moderno importante que é a abolição das diferenças. Todo mundo tem o mesmo peso lá dentro. Então as opiniões mórbidas, idiotas, têm um peso muito grande também. Não há uma hierarquia de informação, vale tudo. Acho que estamos num período inicial da internet, que talvez seja o período mais pobre, onde você pode encontrar uma opinião séria ao lado de grandes besteiras. Para certos medíocres é um paraíso, porque lá é o único lugar em que sua voz é ouvida. Por exemplo, para cada site careta, mal escrito, falando que drogas trazem problemas, você encontra uma centena de depoimentos glamourizando as drogas. Ou seja: você perde de goleada. Talvez a questão seja entrar na internet para dizer o que achamos sobre algumas questões, com uma linguagem e um conteúdo consistente. Precisamos aprender a usar a internet, habitá-la. Talvez a gente tenha de andar nessas ruas escuras. Talvez este seja um movimento necessário. Talvez não dê para esperar pela geração seguinte. Talvez tenhamos de entrar para ajudar quem está lá. A nossa falta de saber técnico de entrar não desqualifica toda a outra sabedoria que a vida nos deu para sair destas ciladas mais banais que a internet coloca. Na verdade os discursos sobre estas coisas são muito bobos, são filosoficamente muito pobres. Você não encontra um (Albert) Camus falando sobre suicídio. Só encontra idiotas falando sobre suicídio. Aliás, a gente poderia perguntar para esses sujeitos: “já que a morte é tudo de bom, por que você não se mata antes?” Acho que essa pessoa faria bem menos falta ao mundo do que o Vinícius.

ÉPOCA – Você diz que subestimou o papel da internet. Mas sabendo o que sabe hoje, se tivesse um paciente exatamente igual ao Vinícius, o que você poderia fazer?
Corso – Eu acho que um psicanalista, às vezes, tem de andar de mão com o paciente no inferno. Só que eu não sabia da totalidade desse inferno. Acho que se eu soubesse eu teria ido lá junto. Teria vivido nessa comunidade. Era preciso ter entrado, ou eu ou a família dele, nesses sites, nesses chats. Era preciso ter ido atrás dele. Nós achávamos que ele estava bem cuidado. Que naquele momento de crise mais aguda ele estava sob a nossa influência. Mas tinha um inimigo na trincheira que a gente não enxergou.

ÉPOCA – Esse tipo de pessoa manipula que tipo de sentimento num adolescente?
Corso – De uma forma simplificada, banal e rasteira, a idéia de suicídio é uma idéia de negação do mundo. É fácil, portanto, tentar vender a idéia de aliar o suicídio a uma recusa radical do mundo. E essa recusa radical do mundo é em si um pouco simpática. Desse mundo que está aí fora, que não fui eu que fiz, eu não quero saber. Ele está todo errado. Eu recuso ele em bloco, eu vou-me embora. Dessa idéia inicial, que tem um aspecto até um pouco contestatório, interessante, para um passo mórbido, não há muita distância. É isso que começa a fascinar alguns jovens. E acontece num momento da vida em que para crescer é preciso sair do olhar dos pais. Além disso, não vivemos um bom momento civilizatório. Há uma geração que está se criando sem utopia e sem religiões. É complicado. As religiões dão razões para estar no mundo, critérios do modo correto de fazê-lo, embora o preço seja uma alienação muito grande. As utopias também. Mas a ausência delas pode ser bastante dura para um adolescente. Um adolescente se dá conta da sordidez e da dureza do mundo e praticamente não encontra muitas razões para entrar na arena. Uma psicanalista francesa, Françoise Dolto, falava da adolescência como “complexo da lagosta”, porque estes animais soltam a carapaça para poder crescer e secretar uma nova carapaça. Enquanto isso ocorre eles estão vulneráveis, desprotegidos. O adolescente é mais ou menos assim. Há um momento da vida que para poder crescer a gente perde as defesas momentaneamente até constituir novas. E é nesse momento de enorme vulnerabilidade que este “por que não se mata” é escutado como uma grande sugestão. O que é dito nesses sites é que vale a pena morrer. E o que nos mantêm vivos às vezes é mais tênue do que a gente imagina. O que nos mantêm vivos é uma rede de pessoas que dependem de nós e que a gente depende delas. Uma rede amorosa, afetiva, de compromisso. Essa rede de suicídio é uma outra rede, que diz que não precisa estar aqui. Ela faz um contraponto a este coletivo que diz “viva”. É um coletivo que diz “morra”. O Vinícius precisou de ajuda para se suicidar. E essa voz foi muito sedutora.

ÉPOCA – Você acha que ele gostaria desse CD lançado no mundo real?
Corso – Eu tenho certeza. Ele tinha toda uma dinâmica de busca de reconhecimento e é isso que o CD significa. Postumamente ele conseguiu o lugar no mundo real pelo qual tanto brigava.

ÉPOCA – Ele deixou o CD como legado?
Corso – Creio que esse mérito é dos pais dele. O CD não estava organizado. Eu mesmo tinha algumas músicas no meu computador. Foi o pai que organizou o CD e o fez com a ajuda de alguns amigos. Este CD é um re-encontro do pai dele com ele e acho bem corajoso o que ele está fazendo. A resposta mais comum nesses casos é a depressão e o apagamento, o esquecimento do filho. Eu vi tantos casos em que os filhos são cortados das fotos, como se nunca tivessem existido, como se estes pais nunca tivessem passado por isso. Acho que é uma atitude digna, corajosa, bem-vinda para o Vinícius, para os pais, para a música, para todo mundo.

ÉPOCA – Perder um paciente deve ser terrível. É uma sensação de fracasso?
Corso – É uma sensação completa de fracasso, que coloca em xeque tudo o que a gente pensou e estudou. A gente segue falhando, mais do que gostaria, mais do que aprende a admitir. Então é mais uma derrota. Mas nem todas as derrotas são tão catastróficas como essa. E quando isso acontece a missão não terminou, porque temos que cuidar de quem ficou. A gente está arrasado, mas o jogo não acabou.

ÉPOCA – Como foi viver essa situação?
Corso – Foi pior depois. Eu tenho um ar-condicionado no cérebro para questões de emergência. Depois é que vem o rebote. Eu tinha de suportar, eu tinha de ajudar os pais. Se eu estava arrasado, imagina como eles estavam. Eles também estavam destruídos, mas numa outra potência. Eu tenho uma filha da idade do Vinícius e consigo me colocar no lugar deles, consigo imaginar o tamanho do rombo que essa morte deve ter feito. E há um grau de responsabilidade nisso. Era eu que estava ali. E eu falhei.

ÉPOCA – Mas há um limite...
Corso – Sim, há um limite, há uma onipotência. A gente não pode ganhar todas, curar todos. Mas era eu que estava lá quando a coisa não funcionou. E isso é duro. Se os pacientes não são um número, isso é muito duro. O Vinícius era um paciente diferente. Como ele era extraordinariamente inteligente, ele dizia coisas desconcertantes, que nem todas as pessoas conseguem nos dizer. Então fazia uma marca. Era um desafio analisar o Vinícius. Como é que você consegue passar o valor da vida para um sujeito muito inteligente, sem ser piegas? Eram discussões praticamente filosóficas sobre o valor da vida. Eu tenho saudades dele. Durante meses eu pensava no Vinícius todos os dias. Em algum momento do dia me vinha algo que ele tinha falado.

ÉPOCA – Em algum momento deu vontade de desistir de ser analista?
Corso – Sim. E não só por causa dele. Um analista é um sujeito que tem de ter uma dose extra de resistência à frustração para suportar sua própria impotência. É muito difícil mudar as pessoas. Mesmo quando elas precisam desesperadamente disso.

ÉPOCA – E por que você nunca desistiu?
Corso – Por que ainda não senti que inventaram algo melhor que a psicanálise. Tem aquela frase do (Winston) Churchill que eu gosto muito, em que ele diz que a democracia é a pior forma de governo excetuando todas as outras. Pois a psicanálise é a pior forma de terapia excetuando todas as outras. Se os nossos resultados são parcos, eles ainda são melhores que todos os outros, são mais humanos. A verdade é que a gente vive num estágio curioso da civilização. A gente tem conquistas tecnológicas extraordinárias, avanços, mas as ciências que cuidam do homem são muito precárias nas suas ferramentas de análise, de resolução de problemas no âmbito pessoal.

ÉPOCA – Mudou seu jeito de lidar com a internet?
Corso – Mudou. Eu tenho tentado aprender com as minhas filhas e com meu genro a entrar mais, saber como é esse mundo e como ele funciona. Mudou muita coisa. Eu tenho de conviver com um buraco dentro de mim, como com qualquer perda que a gente tem. Os psicanalistas apanham bastante. E algumas cicatrizes são para sempre.

Mário Corso
Psicanalista, casado, tem duas filhas e 48 anos. Nasceu em Passo Fundo, Rio Grande do Sul. É professor e membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa). Publicou Monstruário (Tomo Editorial) e Fadas no Divã (Artmed), em co-autoria com sua mulher, a psicanalista Diana Corso.

Revista Época - Entrevistas da Semana
09/02/2008 | Edição nº 508

Foto: Silvio Ávila/ÉPOCA

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81582-9556,00.html

sábado, 1 de agosto de 2009

Quando o suicídio deve tornar-se notícia?

A imprensa deve noticiar suicídios?

Plínio Bortolotti

Na segunda-feira, uma leitora questionou por qual motivo O POVO não divulgara um caso de suicídio acontecido em Fortaleza, no sábado anterior (6/11). Respondi que o jornal tem por diretriz não divulgar suicídios ou fazê-lo da forma o mais discreta possível, devido à influência negativa que isso pode ter sobre algumas pessoas, segundo atestam especialistas no assunto. A leitora não se conformou, respondeu não haver influência pior do que as notícias sobre crimes, vistas todos os dias nos jornais. Nunca havia parado para refletir sobre o assunto e resolvi fazê-lo durante a semana, com ajuda de estudiosos do assunto.

Exemplo

O psiquiatra Danúzio Carneiro, coordenador do Ambulatório de Psiquiatria Infanto-Juvenil do Hospital Geral de Fortaleza, reconhece que a divulgação de suicídios tende a ''criar exemplo''. Lembra que, à época da publicação, na Alemanha, de O sofrimento do jovem Werther (1774), de Johann Wolfgang Goethe, no qual o ''herói'' se mata devido a um amor frustrado, uma onda de suicídios espalhou-se entre jovens, fato atribuído à influência do livro. Danúzio diz que estudos de epidemiologia mostram que um suicídio pode influenciar outro, ''principalmente entre jovens''. Mas o psiquiatra também destaca ''o direito da sociedade ser informada'', considerado por ele ''um aspecto essencial da cidadania''. Por isso, em caso de publicação de notícias sobre suicídios, ele recomenda que o fato seja contextualizado, de modo a levar à reflexão e à ''aprendizagem psicossocial'', sendo também obrigatório ao jornal ''abster-se dos aspectos sensacionalistas''.

Informação e educação

Para o médico Francisco Simão, diretor técnico-científico da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), a linha do jornal está ''corretíssima'' ao não divulgar suicídios, evitando criar uma ''síndrome de imitação''. Mas, em ''situações atípicas'', o médico acha que a imprensa pode fazer um ''trabalho informativo e educativo''. Simão também vê diferença entre a divulgação de suicídios e crimes. Para ele, o suicida está ''no limite da tensão'', por isso, muito suscetível a exemplos negativos.

Fábio Gomes de Matos, professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFC, coordenador do Programa de Apoio à Vida do Hospital das Clínicas (núcleo de prevenção ao suicídio), concorda que a divulgação deve ser evitada. Ao ser perguntado se não haveria nenhum modo de a notícia ter algum tipo de efeito positivo, ele responde com uma proposta. Para o professor, ''a atitude mais sensata'' seria a formação de um fórum para discutir o assunto, sugerindo a participação de especialistas, da imprensa e de pessoas envolvidas direta ou indiretamente com ''casos concretos'' que acontecem. A partir desse debate poder-se-ia pensar ''novas diretrizes'' em relação aos ''vários aspectos sobre o assunto'', argumenta.

Leitora

O fato a motivar a pergunta da leitora, citada no início do texto, foi o suicídio de um jovem dentro do shopping Aldeota Expansão. No mesmo lugar, já haviam ocorrido mais dois suicídios (2000 e 2004), e ainda outro (2001), em outro local do mesmo edifício. Quando fazia o levantamento para compor esta coluna tomei conhecimento de outra situação em que suicídios vêm se repetindo. Na cidade de Independência, nos últimos seis meses, houve quatro suicídios e outras cinco tentativas, entre jovens. Autoridades policiais e da saúde pública, preocupadas com o fato, buscam explicação na tentativa de entender o que está acontecendo.

Como agir?

Avaliando o assunto cheguei ao seguinte juízo: se acontece um suicídio isolado, o assunto diz respeito apenas à família, cuja privacidade tem de ser respeitada. Mas se os casos começam a repetir-se, principalmente se acontecem em um local específico, ou começam a atingir com mais intensidade determinados segmentos (jovens, moradores de uma cidade, ou de um bairro, por exemplo), o assunto passa a ser de interesse público, portanto, a imprensa deve cobri-lo, contribuindo para ajudar a buscar soluções para o problema. Essas são as ''situações atípicas'' das quais fala o médico Francisco Simão. Os cuidados que os meios de comunicação devem tomar com essas notícias estão bem explicitados nas declarações do psiquiatra Danúzio Carneiro, às quais nada teria a acrescentar. Uma boa proposta para entender melhor o assunto e se buscar a melhor forma de agir, faz o professor Fábio Gomes de Matos.

Não quero com esses argumentos contestar as assertivas dos especialistas, fundamentadas em estudos e observações próprias da área na qual atuam. Mas entendo que, em jornalismo, poucos assuntos podem ser analisados genericamente, a partir de ''imperativos categóricos'', sem a análise do fato concreto. O mesmo dilema acontece em relação aos seqüestros. A imprensa deve noticiar ou não quando o caso ainda está em andamento? As notícias põem ou não em risco a vida do seqüestrado?

Abordagem

O diretor de Redação, Carlos Ely, diz que a ''cultura'' de não divulgar suicídios, ou fazê-lo somente em casos ''muito específicos'', é antiga no O POVO - medida também adotada pela maioria dos jornais. Ele diz que o jornal aborda o tema do ponto de vista da saúde pública, como foi na reportagem publicada no caderno Ciência & Saúde, edição de 21/11/2004. Quanto aos casos concretos relatados acima, o diretor diz que o jornal vai cobri-los, mas que se discute na Redação a melhor forma de divulgar o assunto.

http://www.opovo.com.br/opovo/ombudsman/pliniobortolotti/535603.html

Suícidio e saúde pública

Suicídio como problema de Saúde Pública: a polêmica do silêncio e desinformação

Claudia Meirelles

De todos os tipos de problemas na Saúde Pública, o suicídio é o que ocupa um espaço menor na mídia. Fala-se pouco ou quase nada sobre o assunto. Prevalece o entendimento que noticias sobre suicídio podem precipitar a ocorrência de novos casos, por imitação ou mimetismo, processo pelo qual a noticia serve de inspiração para repetição do ato.

Não falar ou evitar referências ao assunto, insere o suicídio no submundo dos tabus, prestando um desserviço ao país, na medida em que o princípio da precaução não deveria justificar a omissão deliberada de dados e estatísticas.

Essa postura excessivamente cautelosa da mídia desmobiliza um aparato que a sociedade só teria condições de acionar se devidamente informada e conscientizada a respeito do problema do suicídio no país.

O silencio alimenta a passividade e em saúde pública, melhores resultados aparecem com ações e apoios da mídia.

O suicídio é mascarado nas estatísticas oficiais, principalmente quando não há lesão externa. É responsável por cerca de 6 % das mortes por “causas externas”, atingindo na sua maioria jovens do sexo masculino.

O Ministério da Saúde possui um departamento responsável pela “Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio”, ligado à Coordenação Geral de Saúde Mental do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde e divulgou alguns números oficiais, como o aumento do comportamento suicida entre jovens de 15 e 25 anos, com impactos e danos às famílias, instituições e sociedade.

O Centro de Valorização à Vida (CVV) é um importante aliado na área de prevenção, através de um trabalho voluntário, que tem se espalhado rapidamente pelo país e ganhado apoio de órgãos públicos.

Um trabalho rico, movido pela solidariedade, dedicação e compromisso com o conflito alheio, desprovido de preconceitos (...)

Fonte: http://www.itu.com.br/colunistas/artigo.asp?cod_conteudo=6810

Adolescência e suicídio em pesquisa da Fiocruz

Depressão, agressões e negligência são as maiores causas de suicídios

Luciana Abade, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - Pelo menos seis em cada 100 adolescentes em idade escolar na rede pública da região metropolitana de Porto Alegre já planejaram suicídio. O uso de drogas pelos amigos e o pequeno número de amigos próximos aumentam em, respectivamente, 90% e 66% o planejamento suicida. Esses adolescentes sentem-se incompreendidos pelos pais, negligenciados pelos mesmos quando trata-se do desempenho escolar e costumam ser agredidos por familiares ou colegas.

É o que mostra pesquisa inédita divulgada pela Fundação Fiocruz, que ouviu quase dois mil adolescentes entre 14 a 17 anos. O comportamento suicida em adolescentes vem sendo alvo de várias pesquisas, mas essa chama atenção por ter focado a fase em que o jovem não apenas pensa, mas já planeja como acabará com a própria vida.

– A adolescência é um periodo na vida muito tumultuado – afirma uma das autoras do estudo, a psicóloga Denise Rangel – Apesar de o senso comum achar um absurdo um adolescente estar pensando em morte, esse é um pensamento comum nessa fase da vida. O problema mora no alto número dos que chegam na fase de planejar o suicídio.

A pesquisa, também assinada pelas psicólogas Lissandra Baggio e Líliam Palazzo, mostra a necessidade de se diferenciar os pensamentos de morte quanto à gravidade e intencionalidade. Nesse sentido o planejamento suicida aproxima-se da tentativa pois, em geral, de cada cinco pessoas que planejam, três efetivamente tentam o suicídio. Segundo a pesquisa, os meninos planejam o suicídio 40% menos que as meninas. O local onde foi realizada o estudo merece destaque. A Região Sul tem uma média de suicídio, 8,1 para cada cem mil habitantes, que é quase o dobro da nacional, 4,6.

O suicídio constitui-se um importante problema de saúde pública. Estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que é a terceira causa de morte no grupo com idade entre 15 e 34 anos. Em todo o mundo, ocorre uma morte por suicídio a cada 40 segundos.

No Brasil, a taxa de mortalidade por suicídio é praticamente nula até os nove anos. De dez a 14 anos, os valores são semelhantes para homens e mulheres, algo em torno de 0,6 por cem mil habitantes. As diferenças entre os sexos começam a partir da faixa etária de 15 a 19 anos. Apesar das mulheres pensarem e planejarem mais, os homens são os que mais acabam com a própria vida.

O sistema público de saúde, no entanto, não está preparado para cuidar dos adolescentes com problema psicológicos. São apenas 101 Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenis cadastrados para fornecer prevenção e tratamento para transtornos mentais em crianças e adolescentes em todo o país. Além de poucos, há problema na distribuição. Os estados de Rondônia, Espírito Santo, Tocantins, Amapá, Acre, Roraima e Amazonas ainda não possuem um CAPSi. Só em 2005 o Ministério da Saúde desenvolveu uma política de prevenção ao suicídio. Os CAPSi são implantados apenas em municípios com mais de 150 mil habitantes.

Gestão ineficiente

Segundo o coordenador do departamento infanto juvenil da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Marcos Mercadante, o país apresenta uma ineficiência gerencial nessa área. E o pequeno número de psiquiatras infantis, são apenas 300 no país, dificulta ainda mais.

– Você não sabe quanto custa tratar uma criança que tenta se matar. Nem quanto custa deixar de tratar. A falta de tratamento acarreta um custo social enorme.

Para Mercadante, em muitos casos, principalmente quando a família é desestruturada, o ideal é internar o adolescente, mas a rede pública não dá condições necessárias.

Segundo as pesquisadoras, a escola, por ser um local onde são reproduzidos os padrões de comportamento e relacionamentos, tem um papel fundamental para a promoção e proteção da saúde dos alunos. E, por isso, é um local privilegiado para a identificação precoce de situações problemáticas.

Mercadante concorda:

– A escola é parceira fundamental. É preciso dar importância para a mudança de comportamento e queda no rendimento escolar. Os adolescentes são muito impulsivos e nessa história, o velho ditado cão que ladra não morre, não cabe.

Fonte: http://jbonline.terra.com.br/nextra/2009/02/20/e200215205.asp