São Paulo e Ceará lideram casos de suicídio de agentes da segurança pública
Levantamento sobre suicídio de policiais identificou aumento de 140% nos casos de 2017 para 2018; das 67 vítimas no ano passado, 50 eram militares
O suicídio de agentes da segurança pública em todo o país aumentou 140% de 2017, quando houve 28 casos, para 2018, quando o número chegou a 67. O levantamento foi divulgado nesta terça-feira (27/8) pelo GEPeSP (Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção) e engloba profissionais da Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. Também houve aumento do número de homicídios seguidos de suicídio: em 2017, eles representavam 8% do total e no ano passado chegaram a 16%.
Em números absolutos, São Paulo e Ceará são os estados onde aconteceram mais casos em 2018: 15 e 9, respectivamente. Com relação ao chamado comportamento suicida, ou seja, se considerarmos as tentativas de suicídio, Rio de Janeiro ultrapassa o Ceará com 13 casos, sendo 4 consumados e 9 tentados.
Os militares são as maiores vítimas, correspondendo a 50 casos. Desses, 80% envolviam praças (17 soldados, 15 sargentos e 9 cabos). Alagoas é o estado com maior taxa de suicídio de PMs, com 5 mortes a cada 10 mil policiais. “Esse dado nos ensina que precisamos analisar com cautela a magnitude das mortes por suicídio entre policiais, considerando a variação das taxas segundo o tamanho da população”, alerta Dayse Miranda, doutora em Ciência Política, professora e pesquisadora na área de Violência e Políticas Públicas, e coordenadora do GEPeSP. Mato Grosso do Sul apresentou taxa de 3,4 mortes a cada 10 mil policiais e o Ceará chegou a 3,3.
A base de dados do GEPeSP é inédita e traz recortes bastante específicos, como por exemplo, o perfil do agente de segurança pública que se suicida – homens, 75% são casados e com média de idade de 39 anos -, locais onde mais acontecem essas mortes, – em casa durante a folga – e o meio mais utilizado que é arma de fogo, que aparece em 52 dos 67 casos.
“Nós fizemos esse levantamento com informações que os pesquisadores que compõem o grupo coletaram junto a categoria. A nossa intenção é lançar luz em um assunto tão urgente e provocar esse debate sobre como as estatísticas são falhas quando falamos sobre o tema, que ainda é um tabu, infelizmente. E são números que podem nos trazer possibilidades de criar políticas públicas no sentido de reduzir esse cenário alarmante”, explica Dayse Miranda.
Um estudo da Ouvidoria das Polícias de São Paulo divulgado em fevereiro deste ano já apontava uma tendência desse aumento observado nacionalmente. Na ocasião, a Ponte conversou com uma voluntária do CVV* (Centro de Valorização à Vida), que trabalha na prevenção do suicídio, e ela destacou a constante exposição da policial à violência e a cobrança de um alto rendimento em situações como essa como possíveis gatilhos.
“Existe a pessoa militar e existe a pessoa por trás da farda. Fora daquele papel tem um ser humano com fragilidades, angústias e dores. Por muitas vezes, a sociedade espera que ele seja um super-humano forte o tempo todo. Quanto mais se exige dessa pessoa ter autossuficiência, mais as fragilidades a atingem”, explicou a voluntária Elaine Macedo.
No boletim do GEPeSP há também a apresentação de um modelo multifatorial que problematiza justamente as razões para que alguém tire a própria vida e sinaliza justamente a “vitimização direta ou indireta” do agente da segurança. “Há estudos que apontam o estresse pós-traumático em pessoas submetidas à violência. O suicídio é o ponto final muitas vezes de um quadro que vem se arrastando, se somando a uma série de outras coisas. O policial quando vai para a rua sabe das ameaças. Mas ainda assim não está livre disso e é obrigado a lidar com a morte, com o risco para ele, com a perda de um colega em alguma situação”, explica Dayse Miranda, coordenadora do GEPeSP.
O boletim aponta seis fatores motivacionais que mais foram citados nos casos: problemas de saúde mental (10), conflitos conjugais e de relacionamento amoroso (4), relacionamento interpessoal na família (4), consumo abusivo de álcool (2), humilhações verbais por colegas e superiores (2) e envolvimento criminal (1). “Esses dados devem ser analisados com cautela. Mas de 50% do total de 53 suicídios declarados não apresentaram motivações. O quantitativo apresentado é constituído por múltiplas respostas. Um caso pode apresentar mais de uma motivação. Há casos de suicídio em que a vítima estava sofrendo de depressão, mas também trazia em seus relatos experiências de humilhações verbais cometidas por seus superiores segundo familiares e amigos”, aponta estudo.
Em texto para o portal de notícias Yahoo, em março deste ano, Martel Alexandre del Colle, 28 anos, policial militar e hoje aspirante a Oficial da PM do Paraná, faz um relato que expressa com exatidão alguns aspectos trazidos pelo estudo. Martel conta como uma série de frustrações diante de uma estrutura engessada, perseguições, sabotagens vindas de dentro da corporação diante de tentativas de realizar um trabalho honesto, fizeram com que ele decidisse se matar. Foi o apoio da família que o impediu.
“Fui para o hospital da polícia e de lá fui para um internamento que durou 40 dias. Se eu tinha alguma dúvida de que a minha luta estava certa, ela acabou dentro do hospital. Lá encontrei muitos policiais emocionalmente destruídos por terem sido o policial ideal. Alguns contavam dos batismos que, basicamente, são execuções que eles tiveram de realizar como forma de teste quando eram novos na polícia. Segundo eles, era necessário ir até uma favela e matar alguém para mostrar que eles seriam policiais de coragem. Outros policiais estavam com a família destruída. De tanto fazerem coisas de que se arrependem e voltarem para casa sem poder contar nada”, diz trecho do depoimento.
*O atendimento do CVV é gratuito pelo telefone 188 e também on-line pelo portal do CVV.
Fonte: https://ponte.org/sao-paulo-e-ceara-lideram-casos-de-suicidio-de-agentes-da-seguranca-publica/
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