terça-feira, 25 de junho de 2019

A frequência da automutilação entre os adolescentes deveria acender um "alerta permanente"...

Casos de automutilação são frequentes no público adolescente e acendem alerta

Especialista diz que contágio pelas redes sociais ajuda a explicar o fenômeno da violência autoprovocada

Greyce Bernardino (23 junho 2019)

Cortar a própria pele, bater em si mesmo, arranhar-se ou queimar-se. Este tipo de comportamento traz problemas e questões que vão muito além da pele. A  automutilação tem sido cada vez mais frequente entre crianças e adolescentes e acende um alerta aos familiares.

Para o psicólogo clínico da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e coordenador do projeto de extensão Qualidade de Vida Acadêmica (QVA): promoção de saúde mental no contexto universitário, Éverton Calado, o contágio pelas redes sociais - há jovens que publicam as lesões na internet e páginas que incentivam a prática - ajuda a explicar o fenômeno da violência autoprovocada, na qual se incluem a automutilação e as tentativas de suicídio.

"Pesquisas confirmam esse crescimento, mas quanto a uma explicação causal ainda estamos tateando em meio a muitas hipóteses. O excesso de virtualização da vida em uma sociedade aceleradamente mutante, é uma delas; a queda e a falta de referências simbólicas, a crise moral das instituições, o hiperindividualismo e a escalada da intolerância são outras. Arrisco dizer que nossa preocupação seria entender o porquê de tamanho sofrimento psíquico no mundo contemporâneo, do qual a prática do "cutting" é uma manifestação por vezes preferencial do jovem e adolescentes", explicou.

O especialista também alertou sobre os sintomas do comportamento que, por vez, pode ser a válvula de escape para dores emocionais. "Precisamos entender sintomas como expressões, algo sendo dito, mostrado, o que implica haver alguém capaz de escutar, acolher essa confissão de sofrimento. A automutilação é resultante de uma angústia, um tanto quanto inominável, incompreensível, para qual serve de escape e alívio, através da dor física. As feridas emocionais vestem-se em comportamentos de se cortar, se bater, se queimar, se escarificar etc., o que vem se tornar a uma experiência estranhamente prazerosa, de satisfação, porque é compensatória", pontuou.

Éverton Calado afirmou, ainda, que a automutilação tem um efeito de contágio, o que explica em parte como a escola surge como um dos principais cenários de sua ocorrência.

"Existe uma associação clara entre esses fenômenos, mas não se trata de uma explicação definitiva pela qual alguém se machuca sempre em função de ter sofrido bullying, embora isso apareça com frequência. Carecemos de dados epidemiológicos, de mais pesquisas acerca da autolesão que tem ares de epidemia, e somente agora as autoridades estão atentando para isso", disse.

"Sem dúvida, a escola tem um papel crucial não somente na identificação e na evitação desses comportamentos, mas na prevenção destes e isso é muito mais desafiador, pois convoca o principal agente desse processo: a família do jovem e do adolescente, cuja presença e apoio - ou sua falta - são determinantes para que o problema "estoure" na escola, mas não tenha sido engendrado naquele ambiente", completou o psicólogo.

"Alívio momentâneo"


Leonardo* - nome fictício usado para proteger a identidade - disse que a prática da automutilação servia como um alívio momentâneo. O estudante, de 22 anos, começou a se mutilar em 2013, mas garante que a prática ficou no passado. "A automutilação era uma forma de cano de escape, pois quando eu me cortava, aliviava tudo. Era dessa forma que eu atingia o meu ponto de paz", frisou.

O jovem disse, ainda, que só veio entender o motivo dos cortes após ser diagnosticado com depressão cerca de um ano depois. "O problema surgiu devido a uma mistura de tudo que eu passei no Ensino Médio, além de passar um tempo sem poder praticar atividades físicas por causa de uma cirurgia. Quando eu percebi que isso era um paliativo, que eu só estava adiando um problema maior, comecei o tratamento, transferindo o cano de escape pra outras coisas", falou.

Ele completou dizendo que os cortes eram feitos geralmente na parte superior dos braços. " A região era a escolhida por não ficar muito amostra. Era só usar uma camisa com manga, que ninguém percebia. Sem falar que evitava ficar sem camisa até mesmo em casa", finalizou

O psicólogo Éverton Calado listou algumas formas de ajuda às vítimas de automutilação. "Na escola ou fora dela, primeira e imediatamente forma é escutar, escutar muito, com respeito, empatia e disponibilidade - e aqui é preciso desmistificar que isso é tarefa ou habilidade exclusiva de especialistas da área, como o psicólogo. Ao mesmo tempo, a família tem de ser comunicada e a rede de apoio e proteção à saúde, acionada: conselho tutelar, unidade de saúde etc., preservar a segurança da pessoa, buscar uma psicoterapia, intervenção psiquiátrica ou na urgência, quando necessários também é essencial".

Lei sancionada

O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou a lei que cria a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio.

O texto foi publicado no Diário Oficial da União no mês de maio.  A lei cria um sistema nacional, com estados e municípios, para prevenção do suicídio e da automutilação e um serviço telefônico gratuito para atendimento ao público.

A publicação ainda determina que a notificação compulsória destes casos deve ter caráter sigiloso nos estabelecimentos de saúde, segurança, escolas e conselhos tutelares.

Nesse contexto, o Governo Federal, por meio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) lançou, em abril, a campanha Acolha a Vida, visando à prevenção do suicídio e da automutilação.

A iniciativa é voltada a todas faixas etárias, com atenção especial para crianças e adolescentes.

Fonte: https://gazetaweb.globo.com/portal/especial.php?c=79417

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