sexta-feira, 23 de julho de 2010

Em tempo: evento na Fiocruz debateu suicídio e imprensa

Preconceito dificulta discussão sobre suicídio

Igor Cruz (em 26/05/2010)

Como parte das comemorações pelos 110 anos da Fiocruz, o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) promoveu, no dia 25/5, o seminário “Suicídio na Imprensa: entre informação, prevenção e omissão”, que contou com a participação de especilistas no assunto e profissionais de imprensa. Foram convidados para a discussão o editor de Saúde do jornal O Globo, Antônio Marinho; o jornalista e professor da PUC-Rio, Arthur Dapieve; o pesquisador e coordenador do Grupo de pesquisa de prevenção do suicídio do Icict, Carlos Eduardo Estellita-Lins; a editora de Saúde do jornal Extra, Flávia Junqueira e o professor da Unicamp e presidente da Comissão de prevenção do suicídio, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Neury José Botega, reconhecido como um dos mais proeminentes pesquisadores sobre o tema no país.

O diretor do Icict, Umberto Trigueiros, deu início às discussões e ressaltou a importância da abordagem do tema para o instituto. Para ele, a iniciativa abre um leque para se trabalhar a informação e a comunicação no que diz respeito a todo sofrimento humano, ao entrelaçar o olhar da sociedade com o olhar da mídia. “Isso é algo que estamos construindo ao longo do tempo. Temos um 'Observatório de Saúde na Mídia', que investigou, inicialmente, a epidemia de dengue e, hoje, pesquisa outros temas. Daqui a um tempo, o suicídio também poderá ser incorporado ao catálogo de informações e assim poderemos trabalhar do ponto de vista acadêmico, de formação e de programas de saúde”, afirmou.

O jornalista e professor Arthur Dapieve falou sobre sua dissertação de mestrado apresentada em 2006 na PUC-Rio, na qual analisou o que foi publicado no jornal O Globo sobre suicídio, em 2004. A pesquisa revelou que, dentre as 142 matérias publicadas durante o ano de 2004, quase a metade falava sobre a morte (suicídio) de Getúlio Vargas, que completava 50 anos. O jornalista acredita que esse fato pode ter inflado o número de matérias sobre suicídio. Outros resultados apontaram 29 menções sobre atentados terroristas. “O mais curioso nisso tudo é que neste tipo de matéria (ato terrorista), às vezes, o suicida sequer era contabilizado entre as vítimas”, salientou.

Para Dapieve, além da divulgação e abordagem do suicídio na imprensa, outro problema é a subnotificação dos casos na imprensa. Segundo ele, as estatísticas do Ministério da Saúde sobre suicídios em 2004 apontaram 96 casos, enquanto que os jornais haviam registrado apenas um. “A imprensa realmente tem preconceito em divulgar notícias sobre suicídio, mas deve-se lembrar que os preconceitos da sociedade também se refletem nas práticas do jornalismo. Acredito que romantizar os suicídios não ajuda muito, mas também não noticiá-los é um problema sério. O que devemos buscar é um equilíbrio entre esses dois pilares”, explicou.

O pesquisador e coordenador do Grupo de pesquisa de prevenção do suicídio do Icict, Carlos Eduardo Estellita-Lins, ressaltou que o debate sobre suicídio está situado em um entrecruzamento de posturas e atitudes. Para ele, a divulgação dos meios de se cometer o suicídio e a omissão de fatos são problemas graves que envolvem a questão. “Deve-se lembrar que a omissão também é o falar demais, a fala descontextualizada, não somente o silêncio”, ponderou.

O editor de Saúde do jornal O Globo, Antônio Marinho, revelou que há como se fosse uma lenda dentro das redações em relação à divulgação de notícias de suicídio. “Não é porque não queremos falar, é porque não tratamos do assunto, de fato. Aí eu pergunto, mas quem inventou isso? Ninguém. É uma coisa que está meio definida”, explicou. “No jornal, falamos do assunto quando há um ataque suicida, normalmente na editoria Internacional, ou quando há uma caso de eutanásia, mas não se discute o porquê do ato”, completou. Para o jornalista, a mídia precisa aprender a discutir o tema, porque na verdade nunca houve uma tentativa.

Já Flávia Junqueira, do jornal Extra, revelou que quando se aborda o suicídio é muito mais pelo estrago que o ato causou do que pela discussão do motivo. Outro fator apontado pela jornalista é que a linha editorial do jornal pode decidir sobre a divulgação, ou não, de notícias sobre suicídio . “No Extra, como se trata de um jornal popular, procuramos apontar o viés positivo das notícias. Então, falar de suicídio se torna complicado”, revelou.

Por fim, o professor da Unicamp e presidente da Comissão de prevenção do suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Neury José Botega, fez uma apresentação com base nos dados do Sistema de Informações de Mortalidade do DataSUS, do ano de 2008. De acordo com Botega, foram notificados mais de 9 mil casos de suicídios no Brasil naquele ano, o que corresponde a quase 25 mortes por dia. O pesquisador explicou que deve-se tomar cuidado ao se falar sobre o número de casos, pois em saúde pública se trabalha com coeficientes para cada 100 mil habitantes ao longo de um ano.

“No que diz respeito a suicídios, é um número pequeno em escala mundial. Por outro lado, como o Brasil é um país muito populoso, mesmo coeficientes relativamente pequenos produzem um número de mortes considerável”. Botega também ressaltou o problema da subnotificação de casos. Segundo ele, os números registrados oficialmente podem variar e estima-se que este número seja 20% maior do que o oficial.

De acordo com o pesquisador, algumas intervenções podem ser realizadas, como campanhas de conscientização da população em geral e também campanhas voltadas para grupos de risco (pessoas que sofrem de doenças mentais). Como exemplo, Botega citou um manual lançado pelo Ministério da Saúde voltado para profissionais das equipes de saúde mental e também um manual da ABP voltado para profissionais de imprensa. Neste sentido, o pesquisador acredita que nenhum país, por mais evoluído e desenvolvido, consegue, de imediato, sanear a população do suicídio, mas muitas pessoas que estão sob o risco de cometer o suicídio podem e devem receber ajuda.

Fonte: http://www.fiocruz.br/icict/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1763&sid=84

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