sábado, 18 de julho de 2009

O papel dos médicos na prevenção do suicídio entre os jovens: relato de uma experiência

Prevenção do suicídio entre os jovens:
os médicos podem fazer a diferença
Scott Poland




Uma onda de suicídios

Três adolescentes cometeram suicídio em dois meses, no outono de 2007, em uma pequena cidade do meio oeste norte-americano. Este grande número de ocorrências em um curto período de tempo pode ser considerado uma onda de suicídios. Em resposta à este fato, a comunidade voltou sua atenção para as diretrizes elaboradas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Tais diretrizes enfatizam que nenhuma entidade ou agência de saúde pode, de maneira isolada, interromper uma onda de suicídio entre jovens e que os adolescentes são mais susceptíveis a este comportamento do qualquer outro grupo etário. Foi organizada uma força tarefa, composta por representantes das escolas, médicos, clérigos, policiais e profissionais de saúde mental em resposta a esta onda de suicídios e um encontro foi organizado. Nesta ocasião, uma famosa pediatra do local caiu em prantos ao explicar que todas as três vitimas adolescentes haviam estado em seu consultório por causa de indisposições físicas pouco tempo antes de terem falecido em razão do suicídio. Este fato não é raro; o fato de pacientes adultos visitarem seus médicos antes de cometerem suicídio é uma conclusão comum na literatura. Esta realidade levanta algumas questões cruciais a respeito do papel dos médicos na prevenção do suicídio:
  • Quais são os sinais que os médicos devem procurar?
  • Quais são as informações que os médicos devem considerar durante uma consulta e que perguntas deveriam ser feitas?
  • Quais são os passos a serem tomados mediante caso ele suspeite que um paciente adolescente apresenta risco de suicídio?
Incidência de suicídio

O suicídio, dependendo do estado da federação ou município, é a segunda ou terceira causa de óbitos entre adolescentes nos Estados Unidos. As taxas de suicídio variam em cada estado da federação e são expressas pelo número de mortes a cada 100.000, em cada grupo etário, por ano. Os estados do oeste norte-americano apresentam as maiores incidências de suicídio. De acordo com as estatísticas disponíveis mais recentes, o Alasca tem a maior taxa de suicídio (29,8 por 100.000) e o Havaí a menor (5,7 por 100.000) para esta faixa etária, de 15 a 24 anos.

Ao longo do tempo, a incidência de suicídios vem se mantendo relativamente constante entre os jovens que frequentam o ensino médio (High School). Uma revisão dos números do levantamento Youth Risk Behavior Surveillance Survey (YRBSS), realizado pelo CDC em 2007, demonstrou que 28,5% dos 15.000 estudantes norte-americanos entrevistados em todo o país diziam se sentir triste ou sem esperança, 11,3% já haviam pensado em suicídio e 6,9% já haviam tentado se matar durante o último ano (com frequência, nem os pais nem outros adultos faziam a menor idéia de que aquele jovem já havia tentado se matar). O levantamento YRBSS para estudantes do nível médio não perguntou a respeito de ideação suicida, mas as últimas informações disponíveis neste grupo populacional indicam uma elevação de aproximadamente 100% da taxa de suicídio durante a última década, especialmente na morte por enforcamento.

Quais são aqueles sob maior risco de cometer suicídio?

Embora os resultados do YRBSS indiquem que um grande número de jovens apresente este risco, é extremamente difícil identificar de maneira especifica estes indivíduos. Fatores culturais, relacionados com o gênero e com o desenvolvimento são igualmente importantes na determinação deste risco. Uma avaliação recente do contexto familiar e de desenvolvimento identificou os seguintes fatores como indicadores de um risco maior de suicídio:
  • Maus tratos;
  • Relações familiares problemáticas;
  • Problemas de natureza socioeconômica;
  • História familiar de suicídio;
  • Psicopatologia nos pais;
  • Problemas com colegas;
  • História de bullying e vitimização; e
  • Problemas de disciplina ou de natureza legal.
Os problemas relacionados com o gênero – e culturais – também foram identificados:
  • As meninas tentam o suicídio três vezes mais que os meninos;
  • O óbito por suicídio é três vezes mais frequente entre meninos do que entre meninas;
  • Os americanos nativos são o grupo com maior risco, seguidos pelos meninos de etnia branca;
  • As meninas de etnia hispânica são as que mais apresentam ideação suicida, mas não de óbitos; e
  • A taxa de suicídio entre meninos negros é a que vem aumentando mais dramaticamente.
A orientação sexual também parece ser mais um fator que contribui para o suicídio entre jovens. Aqueles que apresentaram experiências homossexuais ou transexuais precoces apresentam 17% e 42% mais tentativas de suicídios que seus pares heterossexuais. É importante que se reconheça que a orientação sexual não é uma causa do aumento das tentativas de suicídio, mas a ocorrência destes fatores externos nas vidas destes jovens representa um fator de estresse muito significativo. Estes jovens frequentemente sofrem de assédio, abuso e não encontram apoio em suas famílias ou escolas. A maior parte das escolas secundárias não dispõe de programas de suporte atuantes para estes indivíduos.

Atenção aos sinais de suicídio

Uma pesquisa internacional demonstrou que uma das estratégias mais eficazes para redução do suicídio deve incluir a informação dos sinais de depressão aos médicos e redução do acesso às armas. Por causa disso, um número cada vez maior de escolas médicas está fornecendo informações abrangentes a respeito da prevenção do suicídio para seus alunos. O ensinamento destes sinais de alerta é considerado um “treinamento guardião”, que assegura que o comportamento suicida será levado a serio de forma que as intervenções apropriadas devem acontecer. Este treinamento também enfatiza que este trabalho deve ser realizado em equipe e que nunca se deve manter o conhecimento de um comportamento suicida em sigilo.

De acordo com os estudos de autópsia, 90% dos casos de jovens falecidos por razão de suicídio apresentam pelo um transtorno mental detectável. Entre estes, os mais comuns são os transtornos de humor, os transtornos de conduta, o abuso de substancias e a ansiedade. Os guardiões devem estar atentos dos riscos associados a estes transtornos e ensinar a identificá-los. Também é importante que os guardiões estejam atentos aos principais eventos precipitadores que podem levar um jovem a por em prática seus planos suicidas. Os principais eventos precipitadores, em ordem de importância, são graves discussões com os pais, término de romances, problemas de disciplina ou legais, humilhação e perda. Os sinais de alerta para os médicos são:
  • Declarações verbais ou por escrito a respeito da morte, de morrer ou de não querer viver;
  • O fascínio pela morte ou pelo ato de morrer;
  • Presentear bens desejados e estimados ou fazer um testamento; e
  • Modificações dramáticas no comportamento ou na personalidade, tais como negligenciar a aparência e isolamento dos amigos e família.
Fatores de proteção contra o suicídio

Os fatores que indicam proteção para o risco de suicídio são:
  • Acesso aos serviços de saúde mental;
  • Relações positivas com a escola;
  • Famílias estáveis;
  • Envolvimento religioso;
  • Falta de acesso à armas letais;
  • O reconhecimento da importância de procurar auxílio de um adulto;
  • Boas relações com seus pares; e
  • Ter capacidade de resolver problemas e superar dificuldades.
Estes fatores protetores podem ser agrupados em internos e externos. Os primeiros incluem a capacidade de lidar com o estresse, tolerância à frustração, crenças religiosas e a ausência de psicose. Entre os fatores externos destacam-se o apoio social, as relações terapêuticas positivas e a responsabilidade com os outros e com animas de estimação.

Rastreamento de depressão

O rastreamento de depressão é uma intervenção geral que foi realizada entre um grande numero de estudantes secundaristas. Os programas que são mais amplamente aceitos são o Signs of Suicide (SOS) e o TeenScreen, desenvolvidos pelas Universidades de Harvard e Columbia. Ambos os programas têm dados de pesquisa bastante esperançosos e demonstraram uma correlação entre o aumento do comportamento de buscar auxílio de um adulto e a redução das tentativas de suicídio. Este fato é especialmente importante, pois os estudantes suicidas frequentemente comentam com seus colegas a respeito de seus planos, mas demoram em buscar auxilio de um adulto ou de um profissional. Os dois programas partem do princípio de que os estudantes responderão sinceramente as perguntas a respeito de suicídio. De fato, esta também é a experiência deste autor em mais de 30 anos de trabalho com jovens suicidas. A limitação dos programas de rastreamento de depressão é que o jovem pode não ser um suicida quando foi aplicado o questionário, mas se acabar se tornando posteriormente. Contudo, estes programas ensinam os alunos aonde devem ir para procurar ajuda para si próprio (ou para um amigo) caso se tornem suicidas posteriormente.

O que fazer se você suspeitar que um jovem é um suicida?

O autor Joiner sugere que o suicídio geralmente não é a primeira escolha do adolescente. Eles preferem desenvolver esta idéia através de experiências provocativas, tais como acidentes, traumatismos, autoflagelação, desordens alimentares e exposição à dor ou sofrimento. Muitos destes comportamentos podem ser levados aos médicos e estes devem estar atentos não apenas às estratégias de tratamento destes comportamentos, mas também ao potencial de agravamento deste paciente. A questão do suicídio deve ser abordada de cabeça erguida. Apesar do questionamento a respeito de suicídio em um paciente jovem causar ansiedade em qualquer profissional, é importante reconhecer que o questionamento a respeito de ideação suicida não planta esta idéia na cabeça do paciente. É importante que se aborde o assunto de maneira confortável e mediante treinamento, leitura da literatura e após consultar outros colegas. Recomenda-se uma abordagem tranquila e cuidadosa, com planos de ação previamente estabelecidos caso o paciente se torne um suicida iminente. Estes planos requerem o conhecimento dos recursos locais de saúde e as recomendações para uma internação à revelia. As três perguntas seguintes ajudarão a determinar quais são os próximos passos a serem tomados para o tratamento e para a supervisão:

  • Você já tentou cometer suicídio alguma vez? (esta é uma pergunta crucial, pois o jovem que já tentou se matar tem um risco maior de tentar novamente em comparação com aquele que nunca tenha tentado.)
  • Você está pensando em cometer suicídio agora? (Os jovens que admitem a ideação suicida no presente são classificados como de alto risco.)
  • Você tem algum plano sobre como você poderia acabar com a sua vida? (Os jovens que têm um plano de suicídio e os meios para executá-lo são considerados com um risco maior. Recomenda-se que eles sejam mantidos sob supervisão até que sejam transferidos para os cuidados de seus pais ou de um terapeuta.)
É importante que se mantenha uma postura neutra, sem julgamentos ou declarações como “isso não pode ser tão ruim assim” ou “você nunca deve fazer isso”. Uma abordagem que auxilia bastante seria fazer com que aquele jovem enxergasse as alternativas possíveis e dar ciência à ele (ou ela) dos recursos disponíveis em sua comunidade (como a linha direta national suicide crisis, 1-800-SUICIDE, por exemplo). PS pacientes podem ser solicitados a assinar um acordo de não agressão, mas não existem dados de pesquisas científicas que comprovem a eficácia destes contratos ou se eles servem apenas para reduzir a responsabilidade do profissional. Contudo, recomenda-se que o contrato seja apenas uma parte da intervenção e não deve substituir nem a supervisão nem o tratamento. Os pais destes jovens devem ser informados a respeito das tendências suicidas de seus filhos, salvo existam indícios de que o paciente esteja sendo vitima de abuso por parte de seus pais. Neste caso, as autoridades competentes e os serviços de proteção devem ser informados. O principal objetivo desta notificação é determinar como cada um pode trabalhar em conjunto para que se obtenha a supervisão e o tratamento necessários. Caso o paciente tenha mencionado seu método particular de suicídio, devem ser tomadas as medidas necessárias para que o paciente não tenha acesso a estes métodos. As armas de fogo continuam sendo a principal forma de suicídio entre jovens. Às vezes, infelizmente, os adultos permanecem relutantes em retirar ou esconder as armas de fogo que possuem mesmo após terem sido informados de que seu filho apresenta risco de suicídio. Um adolescente de Houston comentou em seu bilhete de adeus para seus pais: “por que vocês tornaram tudo tão fácil e deixaram estas armas tão acessíveis?”. É muito importante documentar a notificação feita aos pais; também se recomenda que os pais assinem um formulário que indique que foram notificados a respeito da possível emergência relacionada com o suicídio de seu filho,bem como fornecer informações para referência.

Conclusões

A prevenção do suicídio é uma tarefa muito desafiadora para os médicos. A avaliação dos fatores de risco se baseia em um julgamento clinico após a revisão dos fatores de risco e de proteção e de realizar um questionamento direto a respeito das idéias e atos suicidas. Os médicos desempenham um papel ímpar ao promover o tratamento de saúde mental aos adolescentes de sua comunidade e ao participar dos grupos de trabalho que trazem os líderes comunitários para participarem em um trabalho preventivo. A ideação suicida entre adolescentes frequentemente é situacional e a intervenção dos médicos pode fazer toda a diferença. É de fundamental importância se sentir confortável em abordar o tema de maneira direta quando algo não parece estar correto. Um jovem rapaz que sobreviveu após saltar da ponte Golden Gate declarou que ele não saltaria até que alguém reparasse em sua agitação. Ele andou pela ponte por 45 minutos e ninguém reconheceu seu desespero ou lhe disse nenhuma palavra, então ele saltou. Ele tem sorte e sobreviveu para nos indicar que devemos estar mais atentos e, dessa forma, fazer a diferença. Com relação ao caso da pequena cidade do meio oeste norte-americano, uma vez que os médicos se sentiram mais à vontade com o tema suicídio e foram treinados a respeito do que procurar e que perguntas deveriam fazer, tornaram-se capazes de identificar e ajudar qualquer pacientes sob risco prevenindo a ocorrência de futuros suicídios.

Fonte: http://www.medcenter.com/Medscape/content.aspx?LangType=1046&menu_id=593&id=20844

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