domingo, 22 de março de 2009

Morticínio nas escolas: o que há por trás?

Xaro Sánchez 18/03/2009

Psiquiatra no Hospital de Mataró (Catalunha, Espanha) e artista plástica.

Idéias de suicídio + ódio em altas doses, em adolescentes e jovens com livre acesso a armas de fogo, é uma combinação letal. Esta é a conclusão a que chegaram os principais estudos, em sua maioria provenientes da literatura científica norte-americana. Não é por acaso o interesse dos Estados Unidos neste fenômeno: é o país onde tais ocorrências são mais comuns. De todo modo, há poucos estudos – talvez em razão de que estas chacinas não aconteçam com muita frequência – e na maioria das vezes são mais suscetíveis à uma abordagem epidemiológica e sociológica do que uma mera relação de causa-e-efeito. Surpreende-nos, todavia, diante da gravidade dos fatos, que as “mentes” destes adolescentes não tenham sido estudadas a fundo. É evidente que muitos acabam suicidando-se e outros morrem na mão da polícia (também quase como uma forma de suicídio) e isso acaba dificultando a coleta de informações mais conclusivas. Porém, alguns outros acabam detidos, podendo-se, assim, mapear sua trajetória anterior, conversar com pessoas que os conheciam, etc, o que configura a autopsia psiquiátrica. O fato é que hoje não dispomos do perfil ou dos perfis do quadro de anormalidade psicológica destes jovens. Seria possível fazer este mapeamento ao associar-se corretamente os diferentes aspectos da conduta humana, normal e desviante, caso não se caia, é preciso acentuar, em armadilhas ideológicas, devendo-se recorrer, primordialmente, a investigações científicas.

Tomando a questão desde a raiz, o que se sabe sobre o assunto? Como aponta o primeiro parágrafo, os sintomas fundamentais e mais evidentes, ainda que em realidade devam ser considerados apenas como a ponta do iceberg, são: ter idéias de suicídio, isto é, haver pensado profundamente em querer morrer e ter considerado até mesmo a possibilidade de matar-se, juntamente com um intenso rancor e ressentimento contra a escola, professores e colegas, sentimentos que se vinculam ao local em que estuda o homicida, mas que podem ainda espalhar-se atingindo toda a sociedade. Este sentimento gera uma imperiosa necessidade de vingança, difícil de evitar.

Tudo isso é proveniente da informação obtida das advertências que precedem à matança. Estas informações expressam com contundência e sem qualquer resquício de dúvida, o argumento de que os outros são o motivo de sua frustração e que aniquilá-los é fazer justiça. Planejam também o suicídio posterior – deixam cartas escritas ou virtuais – e não agem impulsivamente, pois estabelecem um plano que é detalhado e informado, em mais de 50% dos casos, a pessoas à sua volta, que em sua maioria não levam isso a sério e quando o fazem não é o bastante para sinalizar que o quadro apresentado vá culminar em uma tragédia real. Tudo se passa tal como no suicídio: muitos pensam que se alguém diz que vai se suicidar é porque não irá fazê-lo. Esta é uma falsa idéia, demonstrada há muito tempo pelos suicidólogos. Pelo contrário, tanto as ameaças de suicídio como neste caso, a comunicação do plano estabelecido, são fatores de máximo risco, isto é, de alta probabilidade de que possam ser consumados.

Uma vez tomada a decisão de matar, tal idéia os mantém reconfortados: descobrem o objetivo de sua existência depois de tanto sofrer. E por terem quase certeza de que eles mesmos acabarão morrendo, o sentimento do medo em relação às consequências dos seus atos não se manifesta concretamente, pois se isso ocorresse funcionaria como um freio.

Em torno de 25% deles suicidam-se imediatamente ou nos trinta dias subsequentes. Por isso é considerado tal fato um tipo de homicídio-suicídio (ou suicídio ampliado, em espanhol), o que inclui: a) esposos que matam suas esposas; b) pais que assassinam toda a família; c) adultos que matam em local público e d) mães que matam a seus filhos. Nos três primeiros subtipos os homicidas são praticamente sempre homens.

Os suicídios ampliados são muito pouco frequentes ((0,2-0,3/100.000 hab.) e muito menos frequentes são os massivos (definidos por causar morte a mais de 3-4 pessoas em 24h) e menos ainda o morticínio nas escolas (fato que pode atribuir às escolas o conceito de lugares seguros). Os assassinatos em massa mais frequentes são cometidos por homens adultos (com maior incidência nos mais velhos) afetados patologicamente por um conflito vital, que pode ser familiar ou profissional. Tais ocorrências tem aumentado nos últimos anos tanto em incidência quanto em poder letal (número de vítimas por matança), fato de que deveria colocar em alerta os serviços de saúde mental.

Nos EUA, o histórico de morticínios nas escolas pode ser explicado pelo fácil acesso às armas de fogo, porém o fenômeno tem se alastrado pela Europa. A metade destas ocorrências aconteceram nos últimos 10 anos. De 1996 a 2008 foi registrado 44 casos nos EUA, 7 no Canadá, 7 na Europa (3 na Alemanha, 2 na Inglaterra e 2 na Finlândia) e 5 em outros países (Austrália, Índia, Argentina, Iêmen e Filipinas). O número de vítimas foi entre 0 e 33. Porém, mais vítimas por episódio tombam na Europa do que nos EUA e Canadá. Por outro lado, 60% dos homicidas-suicidas norte-americanos são detidos, enquanto que na Europa a proporção é menor, isto é, se suicidam ou morrem mais.

Devido à complexidade de se mensurar o risco de tais fatos em escolas, as limitações éticas, a falta de métodos confiáveis e a pouca clareza acerca das causas subjacentes a estes fenômenos, nos EUA tem se publicado guias de prevenção de uso intraescolar ou para profissionais da saúde mental que trabalham com adolescentes e jovens. Esses guias tem chegado à Europa e no momento em que o G8 está se reunindo para debater a diminuição da violência escolar, valeria a pena atualizar os guias e disseminá-los em todos os países. Nem mesmo nos EUA eles estão sendo usados como deveriam.

Os guias de prevenção do school shooting, como os denominam os norte-americanos, se baseiam em fatores de predisposição individual, familiar, escolar e social que se somam entre si. Quanto mais fatores, maior o risco. Porém, não está determinado devidamente o peso específico de cada um deles. É considerado como risco máximo: o acesso a armas de fogo, ter antecedência de violência, condutas suicidas pessoais ou familiares, irascibilidade e pouco controle emocional, tendência ao isolamento, pouca habilidade para relacionar-se e integrar-se às atividades escolares, pouco apoio familiar ou social, queda no rendimento escolar, experiências traumáticas de perda, humilhação, perseguição ou desprezo (ter sofrido ou ter se submetido a bullying), haver comunicado a intenção ou o plano de causar danos a outrem e haver sido diagnosticado transtorno mental (sobretudo depressão grave, transtornos da personalidade ou psicóticos com sintomas paranóicos). A psicopatia, ainda que se manifeste em alguns casos, não é necessariamente o temperamento que prevalece nos assassinatos em massa nas escolas, muito mais emocionais que frios.

Mesmo que não haja consenso quanto ao grau de implicação das patologias mentais, é impossível imaginar que tão somente uma situação de conflito pessoal possa levar a alguém a tomar uma arma e matar indiscriminadamente em uma escola ou universidade. Em razão disso, esse conflito interior deve ser capaz de romper o estado de inibição natural da agressão e isso somente é possível em pessoas fragilizadas ou incapacitadas emocionalmente, qualquer que seja a causa patológica.

Ilustração: Mueran los otros y yo mismo, de Xaro Sánchez

Tradução: Abel Sidney

Fonte: http://www.lavanguardia.es/lv24h/20090318/imp_53662126965.html

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