domingo, 26 de maio de 2019

Suicídio e o público LGBTI+

Psicólogo fala abertamente sobre o suicídio entre o público LGBTI+

Comecemos da raiz: a primeira coisa que perpassa nossa mente quando nos deparamos com um ser humano que se suicidou, é o seu presumível descontentamento pela vida; a sensação de vazio inexplicável que, inevitavelmente, o transportou para o padecimento melancólico.

Alguns psicanalistas afirmam que o problema advém de uma depressão tão profunda, que chega perfurar a alma e dissipa qualquer esperança que aquele ser poderia ter no amanhã. Tudo isso é muito mais pungente do que uma melancolia niilista e uma ‘falta de sentido na vida’.

No livro Crise suicida, de Neury José Botega, o autor assevera: “Na crise suicida há a exacerbação de uma doença mental existente, ou uma turbulência emocional que, sucedendo um acontecimento doloroso, é vivenciada como um colapso existencial”. Assim, retornando há um passado bem remoto, precisamente em 1895, Freud já preceituava um esboço do que seria esse padecimento melancólico supratranscrito. Em suma, há uma perda total da vida pulsional do sujeito. Utiliza-se assim, a expressão ‘ferida aberta’, para caracterizar o luto e a melancolia.

Nesse sentido, é preciso ser diligente ao tratar deste assunto. As doenças da alma são sempre vistas como triviais, quando na verdade podem ser fatais.

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O suicídio no campo intersubjetivo

– Segundo Botega, a avaliação do risco do suicídio só pode ser concretizada se, antes de qualquer coisa, percebemos que a pessoa diante de nós poderá se matar. Isso é perturbador para todos os profissionais da saúde. Para alguns, beira o aterrorizante.

Saindo um pouco da esfera filosófica e adentrando um campo mais científico, existem várias especificidades e contextos que podem acentuar essa ‘tendência ao suicídio’. Fatores sociais, empíricos, dificuldade de autoaceitação, orientação sexual. Desse modo, quanto tratamos especialmente de LGBTI+, delineamos uma realidade muito delicada, marcada por preconceitos e conflitos.

Muitos LGBTs são rechaçados de casa; tornam-se motivo de zombaria no trabalho e nas ruas, lidam com situações conflitantes, religiosas e até homofobia interna: a famosa ‘vergonha de si mesmo’. Um caso notório e recente, foi de um menino de 15 anos que sofria bullying homofóbico na escola em Huntsville, no Alabama e se suicidou, no último dia 19 de abril. A dor psicológica é individual, mas o suicídio é sempre uma dor plural. Assim, o suicídio é, por excelência, um sofrimento que permanece vivo. Dito isso, não dá para tratar essa assunto como brincadeira ou fase, mas sim com o máximo de escrúpulo e seriedade.

Perguntas

Ante o exposto, conversamos com o psicólogo Felipe Gonçalves, psicoterapeuta pessoal e de casais. Ele está se especializando em Direito homoafetivo e de gênero. Fizemos a ele algumas perguntas pertinentes sobre a temática. O intento é aclarar esse assunto que, infelizmente, ainda é tratado como tabu e permanece submerso.

Em relação ao Brasil dá os primeiros passos acerca da prevenção do suicídio, foi perguntado se Felipe já atendeu muitos LGBts que passam por este dilema.
”Atuo como psicólogo clínico com foco nas questões da sexualidade e da população LGBT, sendo também consultor em diversidades, numa empresa que presta serviços para área educacional e corporativa.  Nos mais variados ambientes, LGBTs ainda enfrentam preconceitos e dificuldades na garantia dos seus direitos humanos básicos. Quando buscam e aderem à psicoterapia, ao longo do processo relatam o desamparo vivido na família, na escola e religião, as inúmeras barreiras no acesso ao mercado de trabalho, enfim, na sociedade como um todo. É quase impossível ser LGBT e não internalizar todas essas mensagens negativas impostas socialmente desde a mais tenra infância. Em meios às lutas, também precisamos elaborar os lutos”.
Assim, acerca de qual seria o maior propulsor do suicídio em LGBTS, Felipe foi enfático: 
“O preconceito contra pessoas LGBTs é algo estrutural em nossa sociedade. A família representa, na maioria das vezes, o primeiro e núcleo de socialização do sujeito. É na família, sejam quais forem os arranjos existentes, que podemos vivenciar experiências de amor, de proteção e cuidado, como também experiências de abandono, desamor e rejeição. A escola também colabora reproduzindo os modelos impostos na sociedade, através da normatividade dos corpos e vivências. A religião também pode contribuir significativamente para a manutenção das crenças de normatividades das identidades de gêneros e/ou orientações afetivo-sexuais. Esses fatores inter-relacionados podem contribuir significativamente desde a ideação suicida ao suicídio”.
Saúde Pública

Mais enfaticamente na década de 1990, considerou-se o suicídio como um problema a ser enfrentado também no âmbito da saúde pública.  Em relação a políticas públicas com ênfase na prevenção do suicídio, Felipe acredita que seria uma medida extremamente importante: 
“As políticas públicas afirmativas para a população LGBT são extremamente importantes para garantia dos direitos e equidade social com os demais grupos. Precisamos convidar as famílias, a escola e a religião para esse debate, possibilitando espaço de escuta, acolhimento e pertencimento. Precisamos rediscutir os modelos de masculinidades tóxicas em nossa sociedade. A vivência dessas masculinidades é um dos fatores que colaboram para o comportamento suicida em homens, pois desde pequenos, são ensinados a não expressarem suas emoções, na famosa crença de “homem não chora”, e portanto, não lida com suas emoções, dificultando a construção de redes de apoio”.
Ademais, segundo livro ‘Crise suicida’, de Neury José Botega. “O comportamento suicida é todo ato pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, a partir do pensamento de autodestruição. Faz isso por meio de ameaças, gestos, tentativa e, por fim, o suicídio”. Dito isso, Felipe foi indagado sobre como identificar quando um paciente apresenta esta ‘tendência ao suicídio’. Ele respondeu: 
“O comportamento suicida caracteriza-se desde a ideação suicida, passando pelo planejamento, tentativa de suicídio e propriamente o suicídio consumado. Existem diversos mitos relacionados ao suicídio que são mantidos em nossa sociedade, o que dificulta na prevenção no cuidado. Os sinais de alertas podem ocorrer tanto através dos comportamentos verbais, como também dos não verbais. O indivíduo pode manifestar, por exemplo, nostalgia e falta de planos, dificuldade em lidar com a esperança, humor depressivo, desapego aos objetos pessoais significativos, isolamento social, comportamentos autodestrutivos, entre outros sinais significativamente relevantes”.
‘Cura gay’

Por fim, sobre o projeto ‘cura gay’ corroborar no aumento da incidência de suicídio em LGBTs, o especialista respondeu: 
“Sim, colaborariam para a incidência de suicídio entre LGBTs.

Primeiramente, não há cura para o que não é doença. Lutamos há anos para despatologização da homossexualidade e das identidades trans. Esses projetos conservadores corroboram no aumento do sofrimento das pessoas LGBTs, o que pode contribuir ainda mais para o comportamento suicida.
A resolução do Conselho Federal de Psicologia n. 1/99 de 22 de março de 1999, diz:
 “Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.” Essas são as normas e condutas que profissionais da Psicologia precisam adotar na atuação ética profissional”.
Fonte: https://observatoriog.bol.uol.com.br/destaque/2019/05/suicidio-psicologo-fala-abertamente-sobre-o-suicidio-entre-o-publico-lgbti

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