sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Lady Gaga e a carta-manifesto escrita a quatro mãos em favor da saúde mental

800.000 pessoas se matam a cada ano. O que podemos fazer?

Em muitos lugares, não existem serviços de apoio à saúde mental, e muitas pessoas com condições tratáveis são criminalizadas. Há muito tempo que se espera uma ação corajosa.

Lady Gaga e Tedros Adhanom Ghebreyesus
9/10/2018

Quando você terminar de ler isto, pelo menos seis pessoas ao redor do mundo terão se matado.

Esses seis são uma pequena fração das 800 mil pessoas que se matarão este ano - mais do que a população de Washington, Oslo ou da Cidade do Cabo. Às vezes elas são famosas, como Anthony Bourdain ou Kate Spade, e viram manchetes, mas são todos filhos ou filhas, amigos ou colegas, membros valiosos de famílias e comunidades.

O suicídio é o sintoma mais extremo e visível de uma emergência maior de saúde mental que, até agora, não conseguimos abordar adequadamente. O estigma, o medo e a falta de compreensão agravam o sofrimento das pessoas afetadas e impedem uma ação mais corajosa, que é tão desesperadamente necessária e que, por muito tempo, tem sido posta de lado.

Um em cada quatro de nós terá que lidar com uma condição de saúde mental em algum momento de nossas vidas, e, se não formos nós os diretamente afetados, provavelmente será alguém com quem nos importamos. Nossos jovens estão particularmente vulneráveis, e o suicídio é, em todo o mundo, a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, representando metade de todas as doenças mentais com início aos 14 anos de idade.

No entanto, apesar da universalidade da questão, nós lutamos para falar abertamente sobre isso ou para oferecer cuidados ou recursos adequados. Dentro das famílias e comunidades, muitas vezes permanecemos em silêncio, por uma vergonha que nos diz que aqueles com doença mental são, de alguma forma, menos dignos ou culpados por seu próprio sofrimento.

Em vez de tratar aqueles que enfrentam problemas de saúde mental com a mesma compaixão que ofereceríamos a alguém com uma lesão física ou doença, nós os afastamos, culpamos e condenamos. Em muitos lugares, os serviços de apoio são inexistentes e aqueles com condições tratáveis são criminalizados - literalmente acorrentados em condições desumanas, isolados do resto da sociedade, sem esperança.

A saúde mental atualmente recebe menos de 1% da ajuda global. O financiamento interno na prevenção, promoção e tratamento é igualmente baixo. Atualmente, todas as nações do mundo são um país “em desenvolvimento” quando se trata de saúde mental.

Esse investimento insignificante não é ruim apenas para os indivíduos, é destrutivo para as comunidades e mina as economias. As condições de saúde mental custam ao mundo US$ 2,5 trilhões/ano, um número que deve chegar a US$ 6 trilhões até 2030, a menos que tomemos providências.

Não podemos mais nos permitir sermos silenciados pelo estigma ou frustrados por ideias preconceituosas, que retratam essas condições como uma questão de fraqueza ou falha moral. A pesquisa mostra que há quatro vezes mais retorno sobre o investimento para cada dólar gasto no tratamento da depressão e ansiedade -  as condições mais comuns de falta de saúde mental - , fazendo com que o gasto seja um grande investimento, tanto para líderes políticos quanto para empregadores, além de gerar economia no setor de saúde.

Chegou a hora de todos nós, coletivamente, atacarmos as causas e os sintomas de doença mental, e cuidar dos que sofrem com isso. Você não precisa ser um artista internacional ou o chefe da Organização Mundial de Saúde (OMS) para causar impacto. Todos nós podemos ajudar a construir comunidades que compreendam, respeitem e priorizem o bem-estar mental. Todos podemos aprender como oferecer apoio aos entes queridos que passam por um momento difícil. E todos nós podemos ser parte de um novo movimento - incluindo pessoas que enfrentaram doenças mentais - para pedir aos governos e à indústria que coloquem a saúde mental no topo de suas agendas.

No Zimbábue, avós estão abrindo o caminho: sentadas em seus banquinhos, elas oferecem sessões de aconselhamento baseadas em evidências, o que está ajudando a derrubar o estigma. No Reino Unido e na Austrália, programas de educação interpares encorajam os jovens a se apoiarem uns nos outros. E a tecnologia móvel está fornecendo novas e empolgantes plataformas para se fornecer serviços e abrir um diálogo saudável.

Desde 2013, a OMS vem trabalhando com as nações para implementar um plano de ação global sobre saúde mental. No início deste ano, a OMS publicou o Atlas Global de Saúde Mental, que fornece informações de 177 países sobre o progresso para atingir as metas do plano. A principal conclusão é que, embora tenha havido algum progresso, precisamos de investimentos significativos para expandir os serviços.

A liderança significativa e sustentada do governo é essencial, e alguns governos já estão começando a dar um passo à frente: desde o do Sri Lanka - onde o governo estabeleceu uma estrutura dedicada de saúde mental e financiou posições para apoiar cuidados de saúde mental nas cidades - até o de Nova York, onde a ThriveNYC (Bem-estar New York City) reuniu líderes locais para construir um plano abrangente de saúde mental.

Esta semana, no dia da Cúpula do Reino Unido sobre Saúde Mental, e no Dia Mundial da Saúde Mental, um painel de especialistas internacionais publicará, no The Lancet, a mais abrangente coleção de pesquisas já produzidas sobre como promover e proteger a saúde mental, e sobre como tratar das doenças mentais. Isso fornecerá a base científica para ampliar a ação global em saúde mental, semelhante ao movimento para o HIV/Aids, adotado pela ONU em 2001. Esse movimento ajudou a salvar milhões de vidas e é uma representação do potencial da ação humana coletiva para enfrentar problemas aparentemente insuperáveis.

Nós dois seguimos caminhos diferentes na vida. Mas ambos vimos como liderança política, financiamento, inovação e atos individuais de bravura e compaixão podem mudar o mundo. É hora de fazer o mesmo para a saúde mental.

Fonte:.www.theguardian.com/commentisfree/2018/oct/09/lady-gaga-mental-health-global-emergency-suicide

Traduziu: Luiz Fernando Dias Pita, professor da UERJ, a quem somos imensamente gratos!

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