terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Texto simples, que fala do essencial...

A morte que precisa ser falada
Paulo Gleich
O suicídio deve ser discutido, pensado, desmistificado como questão humana e social

Era criança e acompanhava minha mãe em suas compras, quando avistamos uma pequena multidão na calçada. Ao perceber do que se tratava, afastou-me de lá, dizendo que não olhasse naquela direção. Depois, explicou-me: um homem estava no topo de um prédio, ameaçando se suicidar. Respondeu como pôde a minhas perguntas, mas isso não me impediu de ficar dias obcecado com aquilo. Quem era ele? Por que pularia? O que acontecera depois? Nunca mais passei por ali sem lembrar daquele dia.

A curiosidade que tomou conta de minha mente infantil não é diferente da que o tema desperta nos adultos, que apenas a disfarçam melhor. A morte é uma das maiores obsessões do ser humano. Por isso nos preocupamos com a saúde, pensamos no que será dos filhos quando faltarmos, passamos devagar por um acidente para tentar ver o que houve. Com o suicídio não poderia ser diferente – inclusive, gera ainda mais curiosidade porque tentamos entender o que leva alguém a tirar a própria vida.

O suicídio já foi assunto da filosofia, da literatura, das artes, das religiões. Hoje, no senso comum, é relacionado a quem padece transtornos mentais – em bom português, é considerado "coisa de louco". Essa ideia (que é falsa, diga-se) traz um sério problema: aumenta o tabu sobre um assunto complexo e humano em sua essência. Somos a única espécie que tem consciência da finitude, e também a única que pode conscientemente acabar com a própria vida.

Pensamentos sobre suicídio são muito mais comuns do que se poderia imaginar. Porém, pouco se fala desses pensamentos por medo e vergonha. É tão difícil para a maioria das pessoas falar disso que, geralmente, quando conseguem, fazem uso de eufemismos, como "pensar em fazer bobagem". Essa dificuldade em falar mais abertamente sobre o suicídio não é apenas por ser um tema delicado e que assusta, mas porque ele é tratado como algo tabu, ao qual não se pode chegar perto nem pelas palavras.

A campanha Setembro Amarelo, cujo objetivo é a prevenção do suicídio, tem como lema Falar é a Melhor Solução. Concordo: proibir de falar sobre um assunto – qualquer que seja ele – acaba apenas fazendo com que ganhe mais força no pensamento. Falar, porém, diz respeito não apenas às pessoas que pensam em suicídio, para as quais poder conversar sobre isso pode trazer grande alívio. O suicídio precisa ser mais público, mas não nas páginas policiais, onde apenas satisfaria nossa curiosidade mórbida. Precisa ser discutido, pensado, desmistificado como questão humana e social.

O Ministério da Saúde divulgou recentemente, em virtude dessa campanha, um documento com dados sobre o suicídio no Brasil. Isso é importante para ajudar a identificar populações vulneráveis (como os idosos e os indígenas) e, assim, melhorar as estratégias de prevenção e apoio. Um grande mérito do documento, porém, é tratar o suicídio como um fenômeno complexo, que não pode ser explicado por uma única razão – como, por exemplo, transtornos mentais. Assim, talvez aqueles que padecem por pensar em suicídio – e que não constam nas estatísticas – possam, com menos temor e vergonha, procurar ajuda para falar sobre o que lhes angustia.

NOTA: o Janeiro Branco já está em atividade, com milhares de pessoas empenhadas em promover a saúde mental. 

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/paulo-gleich/noticia/2017/09/a-morte-que-precisa-ser-falada-cj86d2yjz00fm01pdj4jwigln.html

2 comentários:

  1. Excelente texto abordando a temática suicídio e comunicação!
    Parabéns e fica sempre o alerta ligado.

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    1. Grato pelo comentário, Sidnei!! Estejamos alertas e lutando pela vida (a nossa e a dos outros)!!

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