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terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Sobreviventes enlutados por suicídio: a boa experiência de acolhimento em Venâncio Aires-RS

Comitê divulga cronograma dos encontros de sobreviventes enlutados por suicídio

 

Enfermeira Patrícia Antoni fala sobre as ações realizadas pelo comitê

Enfermeira Patrícia Antoni fala sobre as ações realizadas pelo comitê
Foto: Taís Fortes/Folha do Mate)
Os integrantes do Comitê Municipal de Prevenção dos Suicídios de Venâncio Aires definiram um calendário com as datas em que serão realizados os encontros de sobreviventes enlutados por suicídio. A atividade, que começou a ser colocada em prática pelo grupo no ano passado, quando dois eventos foram realizados, terá sequência neste ano, com reuniões bimestrais.

A terceira edição está agendada para a próxima quarta-feira, 10, no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) II, localizado na rua Visconde do Rio Branco, número 517, no Centro. A atividade ocorre das 17h30min às 19h30min. “No ano passado, realizamos dois encontros, um em setembro e outro em novembro, para termos a experiência de como seria. Decidimos fazer o cronograma para este ano, para que as pessoas possam se organizar”, explica a coordenadora do comitê, a enfermeira Patrícia Antoni.

Ainda de acordo com ela, o grupo decidiu seguir com a realização do evento porque acredita que essa seja uma importante estratégia para alcançar as pessoas que foram impactadas pela perda de alguém por suicídio. “Um plano para este ano é trabalhar mais com os sobreviventes enlutados. É um projeto voltado à prevenção”, acrescenta.

“O luto por suicídio é bem mais difícil e prolongado, porque ele envolve sentimentos de culpa, raiva, tristeza, busca por motivos para isso ter acontecido e dúvidas sobre o que poderia ter feito para impedir.”

Acolhimento

O objetivo do comitê ao realizar os encontros é oferecer aos sobreviventes enlutados por suicídio um espaço de acolhimento, pertencimento, conversa aberta e sem tabus nem julgamento, para a troca de experiências, garantido sigilo e respeito aos participantes. “O grupo é uma busca espontânea de pessoas que querem participar porque estão dispostas a falar”, observa Patrícia.

Para qualificar ainda mais os eventos, integrantes do comitê que têm interesse em participar dos encontros estão participando de uma formação on-line oferecida pelo Centro de Valorização da Vida (CVV).

Para a coordenadora do comitê, chegar até os sobreviventes enlutados por suicídio é importante porque, em algumas situações, esse assunto se torna um tabu dentro da própria família. “Ser um sobrevivente é um fator de risco”, salienta. Por isso, o grupo busca oferecer um espaço que sirva como uma rede de apoio entre as pessoas enlutadas por suicídio, além de oferecer atendimento de saúde mental especializado.

Cronograma

• Os encontros serão realizados nos dias 10 de fevereiro, 14 de abril, 9 de junho, 11 de agosto, 13 de outubro, 8 de dezembro. O local e o horário dos encontros serão definidos após a última atividade e serão divulgados nas redes sociais do Comitê de Prevenção dos Suicídios.

Outras ações

A partir da metade deste ano, os integrantes do Comitê Municipal de Prevenção dos Suicídios de Venâncio Aires também pretendem realizar encontros de formação para quem atua nas Estratégias Saúde da Família (ESFs), principalmente as agentes comunitárias de saúde. A intenção é capacitar esses profissionais para que eles façam buscas ativas com as famílias que perderam alguém por suicídio. “Oferecer estratégias para saber como abordar o assunto”, explica Patrícia.

No ano passado, o comitê começou a realizar ações interiorizadas em parceria com as equipes volantes do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Social. Foram duas edições, uma em Vila Palanque e uma em Vila Mariante. Na oportunidade, foram abordados assuntos relacionados à prevenção do suicídio, por meio de uma escuta sensível, sempre com o foco da valorização da vida. Neste ano, a atividade terá continuidade e deve acontecer em mais localidades.

Para este ano, o órgão também pretende realizar um seminário de prevenção ao suicídio aberto para a comunidade. Essa já era uma proposta pensada para ser desenvolvida no ano passado, mas que precisou ser adiada por causa da pandemia de Covid-19.

No fim do ano passado, teve início em Venâncio o projeto ‘Saúde Mental em foco: acolher é Prevenir’. A ação será realizada durante 12 meses e busca trabalhar a prevenção do suicídio e da automutilação com servidores de diferentes áreas. No fim da iniciativa, se pretende preparar uma cartilha com estratégias para acolher e tratar o risco de pacientes que procurarem pela rede de atendimento oferecida pela Prefeitura.

“Quando falamos sobre nossos sentimentos, podemos lidar com eles”

O diálogo é considerado uma importante maneira para que as pessoas consigam lidar com os sentimentos, em especial os que envolvem o luto. Em relação a isso, a psicóloga Zamara Amorim Silveira, que atua na Vigilância Epidemiológica e no Centro de Atendimento de Doenças Infecto-Contagiosas (Cadi) de Venâncio Aires, relata que é importante que as pessoas que foram impactadas por suicídio tenham um espaço para falar sobre esse sentimento.

“Os encontros do comitê são uma forma de oferecer a elas um espaço para dividir as experiências com outras pessoas que vivenciaram essa situação e verem como elas estão lidando com esse luto. É um local sem julgamento”, compartilha. O objetivo do grupo é falar mais sobre esse assunto para que as pessoas busquem ajuda antes de cometer o suicídio.

“Sabemos que o assunto suicídio ainda é um tabu na nossa sociedade. As pessoas têm vergonha e receio de falar sobre isso. Então, as famílias acabam se fechando e não buscam ajuda. Já é difícil podermos falar sobre saúde mental, sobre suicídio é mais ainda”, avalia. Zamara ainda menciona que, no mínimo, entre oito e dez pessoas são impactadas por um suicídio. Ela lembra que o sobrevivente enlutado é qualquer pessoa que de alguma forma foi impactada com a perda, não sendo, necessariamente, um familiar.

Luto

Segundo a psicóloga, não existe uma receita para lidar com o luto, uma vez que cada pessoa vai vivenciá-lo de maneira diferente, com base nas experiências que já teve. “Sempre orientamos que a melhor maneira é falar sobre isso para que possamos trabalhar ele. Não guardar esse sentimento. As pessoas acham que falar sobre isso vai aumentar as sensações negativas, mas muito pelo contrário, quando falamos sobre nossos sentimentos é que podemos lidar com eles. Não que a pessoa não vai sentir saudade daquele ente querido ou ficar um pouco mais entristecido, mas que ela possa seguir em frente com saúde mental”, ressalta.

Nesse sentido, Zamara explica que é importante que as pessoas procurem ajuda de profissionais especializados e de amigos. Ela reforça que é importante que as pessoas próximas de alguém que tenha risco de suicídio fiquem atentas aos sinais. “Um grande mito que existe em relação a isso é que quem fala não faz. Na verdade, quem fala faz sim. Esse é um sinal de alerta bem importante”, destaca.

“Quando o suicídio deixar de ser tabu, provavelmente os casos vão diminuir, porque as pessoas vão ir antes buscar ajuda. É importante incentivar as pessoas a conversarem, para mostrar que isso não é nenhuma fraqueza ou covardia. Muito pelo contrário, ela está em sofrimento porque está lutando há muito tempo com tudo que sente.” Zamara Amorim Silveira, psicóloga

 

Suporte e histórico

Foto: Taís Fortes/Folha do Mate 
• A partir deste ano, a psicóloga Zamara Silveira passará a trabalhar de forma mais específica no acolhimento de sobreviventes enlutados por suicídio e de pessoas que tentaram cometer suicídio, a partir das notificações que chegam até a Vigilância Epidemiológica. O objetivo é estimular a prevenção. Além disso, ela será a profissional responsável por atender as demandas que chegam por meio do Doutor Protege Saúde Mental. “Esse trabalho com os enlutados vai colaborar para que eles se sintam mais à vontade para participar dos encontros”, avalia.

• De acordo com Zamara, quando os casos de suicídio são estudados e acompanhados, se percebe que a grande maioria dessas pessoas que cometeram tiveram algum caso na família. “Sabemos que o histórico familiar é um fator de risco para o suicídio. Por isso, é ainda mais importante abrir esse espaço [dos encontros], para que os sobreviventes enlutados possam ver que isso não é vergonhoso, para que eles consigam lidar com esse sofrimento.”

Fonte: https://folhadomate.com/livre/comite-divulga-cronograma-dos-encontros-de-sobreviventes-enlutados-por-suicidio/

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Enlutado por suicídio

Do blog Psicologia e Prevenção do Suicídio  




Como ajudar um enlutado por suicídio?

Flávia Andrade

O luto é considerado uma reação humana a perda de algo existencialmente significativo, seja um ente querido ou o rompimento de algum laço afetivo, por exemplo.

Donald Woods Winnicott, psicanalista inglês, considerava o luto como um processo de transformação, uma espécie de transição de uma dor psíquica muito profunda, até uma forma de nostalgia. Em outras palavras, a dor intensa da perda, vai, com o tempo de cada um, de cada sujeito, sendo substituída por saudade, por lembrança.

Para Winnicott é necessário e absolutamente saudável, do ponto de vista psíquico, vivenciar o luto, chorar a dor da maneira com que cada um, singularmente, a sinta. Os limites emocionais são absolutamente individuais e, em decorrência, a dor do luto e a maneira de expressar essa dor, também é absolutamente individual. Não cabe portanto, comparar dores ou minimizar a dor do outro, menos ainda julgar essa dor.

No caso de luto por suicídio, justamente pelo que o próprio suicídio representa e invoca em termos de estigmas morais (especialmente os secundários a dogmas religiosos), a dor do luto pode ter alguns agravantes e especificidades.

O suicídio em muitos casos deixa uma situação de dor e violência extrema escancaradas. Em alguns casos,os entes da pessoa que se foi se deparam com a cena da morte e isso pode ser devastador. Além disso, o suicídio pode suscitar naqueles que ficam a culpa, a auto-acusação e especialmente o desejo de obter respostas.

É muito comum que haja ainda sentimento de vergonha, o que pode fazer essas pessoas esconderem o fato e se isolarem com suas dores enormes, sem saber o que fazer com elas.

É preciso acolher a dor dos enlutados
principalmente em três aspectos: autorizar a dor, desmistificar a questão da culpa e a questão da vontade de obter explicação, pois, como esclarecem Fukumitsu e Kovacs (2016), muitas vezes, a verdade foi embora com aquele que morreu.

É imperativo assinalar que o suicídio é um fenômeno multifatorial, ou seja, multicausal, e ainda que suscite dúvidas e muitas angústias e perguntas em quem fica, é um ato individual. Seria praticamente inviável responder porque alguém tiraria a própria vida; isto é um processo individual complexo e de muita angústia para se obter uma única explicação.

Um fenômeno como o suicídio é multifatorial e não poderia ser explicado por um acontecimento único e pontual. A construção de uma angústia como a que leva a um ato como esse só pode ser algo de complexidade tal, que não caberia tentar desenrolar o nó perguntando “porque?”

Prevenimos o suicídio enquanto há vida, pois refletir sobre suicídio e sobre morte em geral é pôr em pauta, antes de qualquer outra coisa, a significação e o sentido próprio do viver. Há tempos, os filósofos sabem que a morte não é um tabu, (como passamos a encará-la socialmente), mas sim um tema que nos faz pensar no modo que escolhemos viver. Pensar a morte é refletir sobre a vida. Do mesmo modo, Camus (filósofo argelino/francês) já admitia considerar o suicídio como a questão filosófica essencial. O suicídio, diz Camus, é o que nos faz refletir sobre se a vida vale a pena ser vivida. Nesse sentido, entendemos que decidir o que vale a pena na vida é do âmbito individual, significado e sentido de vida, é algo que cada um busca construir, reinventar e transformar para si, constantemente. E é talvez isso que o suicida deixe de conseguir, em determinado momento; se torna angustiado a tal ponto que não vê mais a oportunidade de reinventar significados para a própria existência. É justamente por isso que podemos entender que o enlutado apenas intensifica o sofrimento ao perguntar porquê? Porque nós talvez jamais entendêssemos os motivos de alguém tirar a própria vida. O suicídio se previne em vida, mas infelizmente, nem sempre é possível evitar totalmente que ocorram.

De acordo com Fukumitsu e Kovacs (2016), os enlutados por suicídio enfrentam, além da dor da perda por morte, a dor da culpa, da vergonha (pelos fatores morais aos quais o suicídio se relaciona) e muitas vezes das autoacusações, uma vez que o enlutado nesse caso pode ser levado a pensar que poderia ter agido de modo a evitar o ato suicida.

Se autoacusar ou procurar respostas pode ter o efeito de apenas aumentar a dor do luto e da perda, que já e imensa. É preciso sim, autorizar o choro, o luto e a despedida, mas sem intensificar atitudes ou dores que só irão machucar ainda mais.

É preciso que os enlutados por suicídio saibam que merecem apoio, afeto e acolhimento para suas dores. E principalmente, que é possível reconstruir sua história e retomar suas vidas, apesar desse processo tão doloroso. Para resumir, quando me perguntam o que dizer a alguém que está enlutado, geralmente respondo que nesses casos pode ser mais necessário ouvir do que falar. E agir de modo a mostrar-se disponível; abraçar, acolher o choro, não julgar. Dizer, com ações, a frase: “onde dói e como posso te ajudar?’

* Flávia Andrade Almeida – Psicóloga clínica e hospitalar, especialista em prevenção do suicídio. Mestranda em filosofia com o tema “Suicídio segundo Michel Foucault". Autora da fan page Psicologia e Prevenção do Suicídio.

Abaixo links úteis e a relação dos grupos de apoio aos sobreviventes (enlutados) por suicídio.

Caso precise de ajuda ligue CVV (Centro de Valorização da Vida) 188 – ligação gratuita em todo o território nacional.

Referências 

CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo . Rio de Janeiro: BestBolso, 2013.

FUKUMITSU, Karina Okajima e KOVACS, Maria Júlia. Especificidades sobre processo de luto frente ao suicídio. Psico (Porto Alegre) [online].2016, vol.47, n.1, pp. 03-12. ISSN 1980-8623. http://DX.doi.org/10.15448/1980-8623.2016.1.19651

WINNICOTT, Donald Woods. Privação e delinquência. São Paulo: Martins Fontes, 2014

Links úteis

Grupo de Apoio aos Sobreviventes do Suicídio (GASS)

Cartilha da Organização Mundial da Saúde - Prevenção do suicídio

Cartilha da Associação Brasileira de Psiquiatria - Suicídio, informando para prevenir

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Fonte: https://jornalggn.com.br/entenda/como-ajudar-um-enlutado-por-suicidio-por-flavia-andrade/