Escola também é lugar para falar sobre saúde mental
Marina Lopes (30 setembro 2019)
Durante todo o mês, a campanha do Setembro Amarelo mobilizou pessoas e organizações do setor público e privado na conscientização sobre a prevenção do suicídio. Entre as medidas preventivas apontadas por especialistas, a educação e o diálogo são apontados como caminhos para tirar o assunto da invisibilidade, o que reforça o papel da escola como um espaço estratégico na promoção de saúde mental. Como um ambiente privilegiado que concentra a maior parte da população jovem do país, ela pode ser uma grande aliada no compartilhamento de informações, na redução de riscos e até mesmo na detecção precoce de sinais que demandam atenção.
Apesar do tema ainda ser visto como tabu dentro de algumas instituições, dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) apontam que de 10% a 20% das crianças e adolescentes apresentam algum tipo de transtorno mental e comportamental. Um estudo com jovens de 7 a 14 anos que vivem na região sudeste do Brasil constatou que um a cada oito estudantes apresenta algum tipo de distúrbio psiquiátrico que justifica a necessidade de um acompanhamento especializado.
“Chegamos a um ponto em que todo mundo está se dando conta de que se vamos trabalhar com saúde de crianças e adolescentes, também temos que trabalhar com as escolas”, afirma o psiquiatra especialista em infância e adolescência Gustavo Estanislau, que coordena o projeto Cuca Legal, iniciativa ligada ao Departamento de Psiquiatria da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) com foco na promoção de saúde mental e a prevenção de transtornos mentais em ambientes de ensino.
Para o médico, um dos benefícios de levar esse debate para o ambiente escolar é a possibilidade de tratar saúde mental sem estigmas. “Dentro da escola eu posso falar do ponto de vista de prevenção universal. A partir do momento em que podemos intervir cedo, essas intervenções ficam cada vez menos complexas, menos medicamentosas e trazem benefícios para o rendimento do aluno dentro da escola e também na sua vida pessoal”, menciona.
Se o aluno demonstra algum tipo de risco, como relatar agressão, pensamentos de morte, mencionar uso de algum tipo de droga ou apresentar cortes no braço, isso deve ser registrado e passado adiante
Embora o psiquiatra chame atenção para o fato de que a escola não é o lugar para o tratamento de crianças e adolescentes, ele menciona que algumas posturas são essenciais para todo educador. “Uma coisa básica é o professor ficar atento. Ele precisa estar com os olhos abertos para detectar sinais que demandam atenção.” Mas o que fazer com essas informações? A partir da sua experiência em atividades de formação, Estanislau diz que os educadores, que já tem uma tarefa árdua, não devem se sentir sobrecarregados ou pressionados a intervir em uma situação. Enquanto algumas pessoas têm um estímulo natural para isso, outras já podem contribuir com o simples fato de levar uma informação adiante ou encaminhar um caso para o atendimento especializado.
“Se o aluno demonstra algum tipo de risco, como relatar agressão, pensamentos de morte, mencionar uso de algum tipo de droga ou apresentar cortes no braço, isso deve ser registrado e passado adiante. Esse tipo de informação denota que ele tem uma necessidade que não é pedagógica”, orienta o psiquiatra, que é um dos organizadores do livro Saúde Mental na Escola, que traz dicas, exemplos e conteúdos teóricos em linguagem acessível para educadores que desejam se aprofundar mais no assunto.
A força do compartilhamento
Na Escola Estadual Amélia Passos, localizada no município de Santa Cruz de Minas (MG), foi a partir da leitura dos cadernos de produção textual dos alunos que professora Laila Cristina de Sousa identificou a demanda de conciliar o aprimoramento de habilidades linguísticas e habilidades de lidar consigo mesmo e com realidades internas (psicológicas) e locais (problemas escolares, financeiros e familiares). “Eu comecei a perceber a necessidade de dar espaço durante minha aula para motivar os alunos a aprender o conteúdo e a trabalhar com a leitura de textos que também permitissem falar sobre nossas emoções”, conta.
Após compartilhar com os alunos a sua própria história de superação e de como o esporte foi importante para a sua saúde mental durante o período de tratamento para a depressão, a professora relata que a turma do ensino médio também começou a sentir confiança em dividir suas questões diante da vida, das lutas e dos desafios. Dessa experiência surgiu o projeto alfabetização e educação socioemocional “LaçoLetrando”, que tem a proposta de fortalecer vínculos por meio da leitura e da escrita.
“Através de cadernos de produção de texto, eu comecei a ver que haviam demandas bem mais complexas do que os relatos de identificação com sentimentos ligados ao humor depressivo. Comecei a ver questões de jovens que estavam sofrendo abusos e várias outras situações que fugiam da minha capacidade de ouvir e auxiliar”, menciona. Diante desse cenário, ela diz que buscou orientação da supervisora e deu início a um trabalho de articulação intersetorial com a prefeitura do município de Santa Cruz de Minas para encaminhar estudantes para a avaliação de uma equipe especializada, que inclui psicólogos e assistentes sociais.
O debate sobre saúde mental na escola e a articulação intersetorial, segundo ela, trouxe resultados significativos que podem ser percebidos no clima escolar. “Eles estão se sentindo mais estimulados e fortalecidos”, destaca. Na melhora da relação entre eles, os alunos também começaram a observar que poderiam ajudar colegas que passavam por situações semelhantes. Dessa iniciativa, surgiu o projeto Amélia Influência, que funciona como uma espécie de clube em que os próprios estudantes compartilham suas questões e promovem ações para fortalecer outros colegas.
O que a escola pode fazer?
“Promover espaços de troca entre os pares faz com que os alunos não se sintam tão diferentes. Eles percebem que existem outros colegas na mesma situação, que passam pelos mesmo problemas que eles”, avalia a pedagoga e especialista em psicopedagogia Ana Rita Bruni, que também é professora do Cesmia (Curso de Especialização em Saúde Mental da Infância e Adolescência).
O professor, mesmo que tenha uma formação diferenciada, não é um psicólogo. A escola também não é uma clínica terapêutica, mas um olhar diferenciado e cuidadoso deve ser levado em consideração
A disseminação de informações confiáveis também é essencial na hora de desconstruir estigmas e falar sobre saúde mental na escola. Além de discutir o assunto com os alunos, Bruni destaca que é interessante que as instituições promovam momentos de formação, discussão e trocas de experiências entre os professores, que podem compartilhar seus desafios e situações de alerta presenciadas na sala de aula. “A necessidade de fazer treinamentos e capacitações não significa que todo mundo vai sair por aí dando diagnóstico, mas os professores precisam entender as diferenças [entre diferentes transtornos] e quais sinais os alunos podem manifestar que indicam algo em desacordo com o funcionamento padrão”, pontua a pedagoga especialista em psicopedagogia. “O professor, mesmo que tenha uma formação diferenciada, não é um psicólogo. A escola também não é uma clínica terapêutica, mas um olhar diferenciado e cuidadoso deve ser levado em consideração.”
De acordo com ela, em função dos casos cada vez mais frequentes que são observados na sala de aula, as escolas têm se demonstrado mais interessadas tratar aspectos da saúde mental. “Elas precisam aprender a lidar com isso e estão mais abertas em busca de informações assertivas. A escola é o ambiente onde o adolescente passa a maior parte do seu tempo. É nesse ambiente que ele vai começar a manifestar essas questões.”
Da sala de aula para a comunidade
A percepção de que o clima escolar estava pesado e o aparecimento de inúmeros casos de automutilação entre estudantes da Escola Municipal Maria Dias Trindade, localizada em um povoado rural de Paripiranga (BA), levaram o professor José Souza dos Santos a desenvolver um projeto para trabalhar saúde mental na escola. “Primeiro eu conversei com psicólogos para entender como eu deveria proceder. A partir daí, elaborei estudos de caso sobre tristeza, depressão e outras situações que poderiam ajudar os alunos a identificar alguns sinais e saber como poderiam pedir ajuda”, conta o educador que foi destaque no Desafio Diário de Inovações 2019.
Com o engajamento dos alunos, o projeto começou a ganhar força. Foram desenvolvidas pesquisas e ações que poderiam ajudar na prevenção da saúde mental. A convite do professor, uma psicóloga também participou de uma roda de conversa com os alunos para esclarecer dúvidas e trazer orientações. “Começamos a trabalhar com a criação de panfletos, infográficos e a produção de um curta metragem para compartilhar informações”, cita.
Ao perceber que também era preciso desconstruir estigmas sobre transtornos mentais com a comunidade, o educador mobilizou a turma para distribuir materiais informativos e orientativos em uma feira livre que acontecia perto da escola. O trabalho com as famílias também foi um ponto fundamental na hora de trazer esclarecimentos sobre a depressão e ainda tratar da importância de cuidar da saúde mental. “Eu moro no interior da Bahia. Aqui, a informação sobre depressão ainda paira na cabeça das pessoas. Muitos não conseguem ver como uma questão de saúde pública”, observa o professor.
De acordo com ele, o trabalho desenvolvido na Escola Municipal Maria Dias Trindade começou a inspirar outros colégios da região, que antes tratavam o tema como tabu.“Como educador, também precisamos lidar com o currículo oculto da escola. Algumas coisas não conseguimos ver, mas podemos sentir no dia a dia. O histórico familiar do aluno e a vida dele também interferem na aprendizagem.”
Fonte: http://porvir.org/escola-tambem-e-lugar-para-falar-sobre-saude-mental/
Excelente açâo Abel Sidney
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