sábado, 26 de março de 2011

O luto e o modo saudável de auxiliar os sobreviventes de suicídio

O historiador Arnold Toynbee certa vez escreveu: “existem sempre duas partes na morte; a pessoa que morreu e os que sobreviveram”. 

Infelizmente, muitos sobreviventes de suicídio sofrem sozinhos e silenciosamente. O silêncio que os rodeia complica a recuperação e mina suas forças justamente no momento inevitável de se enfrentar o sofrimento.  

Por causa do estigma social que cerca o suicídio, os sobreviventes sentem a dor da perda, contudo sem saber como ou se deveriam expressar isso. O único modo de se recuperar, contudo, é vivenciar o sofrimento. Tal como outras pessoas que perderam alguém que amavam, os sobreviventes precisam falar, chorar e às vezes gritar, para se recuperarem.

Por conta do medo de não serem compreendidos, os sobreviventes se sentem frequentemente abandonados quando precisam desesperadamente de apoio incondicional,  de pessoas que os entendam.

Os sofrimentos percebidos pelos sobreviventes são multifacetados: a dor da perda da pessoa que faleceu;  a experiência de uma morte traumática, súbita, inesperada; a perplexidade, a solidão em face do luto, acrescido do fato de que raras pessoas costumam estar dispostas a compreender-lhes a dor que sentem.

Como se pode ajudar?

Para se ajudar um amigo ou um membro da família que passou pela experiência da morte por suicídio de alguém amado, será apresentado a seguir um guia de como é possível se ter cuidados preocupações em ações verdadeiramente positivas.

Aceite a intensidade da dor

O sofrimento que se segue a um suicídio é sempre complexa. Os sobreviventes não “superam isso”. Porém,  com apoio e compreensão, eles podem se recuperar em face desta realidade.

Não se surpreenda com a intensidade do sofrimento deles.  Aceite que eles estão a enfrentar emoções fortes, como a culpa, o medo e a vergonha – sentimentos, todos eles, bem mais intensos que aqueles outros, vivenciados em outros tipos de morte.

Seja  paciente, compassivo e compreensivo.

Ouça com o coração

Dar assistência a sobreviventes de suicídio significa buscar romper o silêncio. O auxílio se inicia com a sua disposição de tornar-se um ouvinte ativo.

A sua presença e o seu desejo de escutar sem críticas ou julgamentos são ferramentas preciosas. O desejo de ouvir é a melhor ajuda para quem precisa falar.
Pensamentos e sentimentos do sobrevivente podem assustar e ser difíceis de compreender. Não se preocupe com o que você deve dizer. Concentre-se apenas nas palavras que estão sendo partilhadas.

O seu amigo pode repetir a mesma história sobre a morte vezes sem conta. Ouça atentamente, sem demonstrar enfado. Compreenda que esta repetição faz parte do processo de recuperação do seu amigo. Apenas escute e compreenda. E lembre-se que você não precisa ter as respostas para as perguntas dele. Ouvir é o que basta.

Evite explicações simplistas e frases feitas

Frases feitas (clichês) podem constranger profundamente um sobrevivente de suicídio, seja por tentar amenizar o sentimento de perda, de maneira equivocada, seja por fornecer soluções simplórias para situações muito difíceis.

Não são nada construtivos os comentários como“O tempo curará todas as feridas” ou “Pense nas coisas boas da vida”ou “Você tem que ser forte e pensar nos que ficaram”. Pelo contrário, magoam e tornam o processo do luto mais complicado.

Evite fazer julgamentos ou dar explicações simplistas sobre a ocorrência do suicídio. Não cometa o erro de dizer que a pessoa que se suicidou “não estava consciente; não sabia o que estava fazendo”, pois equivale a dizer que “o ente amado” do sobrevivente estava “louco”,  complicando ainda mais a situação.

Os sobreviventes de suicídio precisam de ajuda, mas precisam contar com os seus próprios recursos para tentar entender o que aconteceu. A procura pessoal de significado e compreensão da morte é o que realmente importa.

Seja compassivo

Deixe seu amigo expressar livremente os sentimentos dele sem qualquer receio de crítica. Ouça e busque aprender algo a partir de sua experiência. Não dê instruções ou explicações de como ele deve se comportar. Nunca diga: “Eu sei como você se sente”. Não sabe. Pense no seu papel como alguém que “caminha ao lado”, não “atrás“ ou “à frente”.

Familiarize-se com o imenso conjunto de emoções que os sobreviventes de suicídio experimentam. Permita que o seu amigo sinta todo o sofrimento, tristeza e dor que ele estar experimentando no momento. E reconheça que as lágrimas são a expressão apropriada e natural associada à perda.

Respeite a necessidade do luto

Você, talvez, seja a única pessoa próxima dos sobreviventes. Na condição de amigo atencioso e discreto, faça valer a sua presença e demonstre a disposição de acolher e ouvir, pois este simples gesto é a base para o processo de recuperação. Permita que os sobreviventes se expressem, mas sem forçá-los. Provoque, levemente, a conversação, mas saiba esperar a reação. Aguarde um sinal positivo deles em se expressarem mais abertamente e demonstre estar disposto a partilhar seus pensamentos e sentimentos.

Pode ser a única pessoa que está próximo dos sobreviventes, como amigo atencioso. A sua presença física e o fato de ouvir de forma permissiva podem criar o alicerce para o processo de recuperação. Permita que os sobreviventes falem, mas não os force. Às vezes, pode dar uma sugestão e esperar. Se receber um sinal do que precisam, deixe-os perceberem que está lá para os ouvir, e quando, eles quiserem podem partilhar os seus pensamentos e sentimentos.

Compreenda a singularidade da dor do suicídio

Lembre-se que o sofrimento dos sobreviventes de suicídio é único. Ninguém sente a morte de alguém que amou exatamente da mesma maneira. É possível falar com outras pessoas, que também passaram por situações idênticas, sobre algumas fases semelhantes, mas todas as pessoas são diferentes e passaram por experiências de vida singulares.

Porque a experiência do luto é única, seja paciente. Todo processo do luto tem o seu ritmo próprio;deixe que seu amigo vivencie o seu luto no tempo próprio. Não critique o comportamento dele. Lembre-se que a morte por suicídio de alguém próximo e vinculado afetivamente é uma experiência muito dolorosa. Como resultado dessa morte, a vida do seu amigo se encontra em lenta reconstrução.

Esteja atento aos feriados e datas comemorativas

Para os sobreviventes de suicídio, as ocasiões especiais como os feriados, os aniversários e outras datas comemorativas podem se tornar momentos difíceis. Estas ocasiões enfatizam a ausência da pessoa que faleceu. Respeite essa fase em que tão intensamente se manifesta a dor da perda,  previsível nestes momentos ainda marcados pelo processo de luto. Nunca tente diminuir essa dor, seja por que meios.

Referindo-se ao falecido

Use o nome da pessoa que faleceu quando falar com os sobreviventes de suicídio. Ouvir esse nome pode ser reconfortante, pois é um meio de se confirmar que esta pessoa especial, que tanto significou na vida deles, está viva na lembrança de muitos.

Incentivo à participação em um grupo de apoio

Os grupos de apoio ou de ajuda mútua são uma das melhores maneiras de ajudar os sobreviventes de suicídio. Num grupo os sobreviventes podem conversar com pessoas que uma experiência similar. Neste ambiente acolhedor todos se sentem à vontade para contar suas histórias da maneira como se sentem melhor.  Ajude um sobrevivente a buscar um grupo de apoio, pois isso lhes fará muito bem.

Respeite a fé e a espiritualidade

Os sobreviventes poderão, em algum momento, comentar sobre seus sentimentos de fé e espiritualidade. Se a fé faz parte da vida deles deixe-os expressar isso da maneira que achar mais correta. Se eles estiverem indignados com Deus, encoraje-os a falar sobre o assunto. Lembre-se que ter raiva, mesmo que dirigida à divindade,  demonstra haver um vínculo com o sagrado. Não faça julgamentos, seja um amigo compreensivo e atencioso.

Os sobreviventes podem também questionar a própria religião, por sentirem que a mesma afetou negativamente suas vidas. Pode ter lhes sido ensinado que as pessoas que acabam com a sua própria vida irão parao inferno. A sua tarefa não é debater teologia, mas ouvir e aprender. Em qualquer situaçãoa sua presença e o seu desejo de escutar sem críticas são o meio mais seguro de auxiliar.


Os amigos e a família de alguém que se suicidou não deve sofrer sozinhos e em silêncio. Como meio de ajudá-los pode-se tentar juntar outras pessoas, que saibam acolher e ouvir, para que eles atravessem o período de luto e dor bem acompanhados, de modo a amenizar o trauma.

A experiência da dor do luto tem origem no amor que temos pelas pessoas. Os sobreviventes de suicídio passarão por esta experiência e precisam mesmo vivenciar o luto. É importante lembrar, no entanto, que a tarefa de auxiliá-los em sua recuperação não é fácil. Você poderá ter que dispor de mais tempo, de mais carinho e atenção. Mas tudo isso valerá a pena, pode acreditar!

Revisão e adaptação: Abel /Sidney

11 comentários:

  1. Quero me matar. MAs penso na minha familia. Nao sei como fazer para deixa-los em paz pois sei que morrer e o melhor pra mim.

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    1. O SUICÍDIO CAUSA UM GRANDE IMPACTO NAS PESSOAS QUE ESTÃO PRÓXIMAS DE VOCÊ. RESPEITE O Q DEUS DIZ NOS 10 MANDAMENTOS "NÃO MATARÁS" VC TEM QUE SE AMAR, PARTICIPAR DE GRUPOS SOCIAIS COMO: IGREJA, FESTA, REUNIÃO, ESCOLA. NÃO FAÇA ISSO JAMAIS, ISSO É FALTA DE AMOR, CONTIGO E TODA SUA FAMÍLIA. CONVERSE MAIS, VAI NAS MISSAS, PROCURE UM PSICÓLOGO, OU SEJA, SEJA FELIZ. DEUS LHE ABENÇOE E GUARDE DESSA IDEIA HORRÍVEL.

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    2. Grato, anônimo, pela sua participação. Tens razão, de acordo com as suas crenças e valores, muito respeitáveis!

      Abraço,
      Abel

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  2. Companheiro/a, é lamentável que neste instante penses assim - que o melhor é matar-se...

    Por vezes, é certo, achamos que não há mais saída; que não temos outra alternativa etc.

    A experiência daqueles que sobreviveram às ideações suicidas, lutando de alguma forma (nada a ver com heroísmos!), percebem que após o período de turbulência segue sempre uma etapa de refazimento, de revisão de interesses, desejos e propósitos.

    Estas pessoas, felizmente, estão por aí para contar suas histórias de insistência, de superação - e embora não se sintam especiais ou super-heróis, elas conseguem hoje experimentar as pequenas vitórias e a certeza da escolha certa.

    Lute e ao pensar em sua família, tenha uma única certeza: a de que para eles a sua vida é muito importante e, caso você desista de permanecer ao lado deles, a perda será, sem dúvida, trágica e acarretará a todos muitas dores.

    Busque ajuda, rompa com o círculo de restrições que você talvez esteja impondo a você mesmo/a. Abra-se para novas oportunidades e horizontes.

    Estamos aqui. Receba o nosso abraço amigo.
    Abel

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  3. Cheguei a essa página procurando orientações para o luto que vivencio, juntamente com minha família. Meu sobrinho, filho da minha irmã, se suicidou há 5 dias. Meu sofrimento é atroz, por ver minha irmã sofrer tanto, por eu mesmo estar sofrendo e pelo sofrimento da minha mãe (avó dele, que sofre duas vezes, por perder o neto e por ver o sofrimento da filha). E logo no primeiro comentário, de 2011, vejo uma postagem de alguém que pretendia se matar. Espero que não tenha cometido esse ato. Estou deixando esse post aqui apenas para que, se alguém estiver pensando em suicidar-se, eu imploro, não o faça. Tenha calma, sua dor vai passar. Procure ajuda, grite por ajuda, tente por favor, não cometer esse terrível ato. A dor de quem fica é atroz, pungente, inexplicável. Meu pai já faleceu, e nem a morte do meu pai foi tão terrível de suportar como está sendo a morte do meu sobrinho. O ato do suicida pode ao seu modo de ver, aplacar o sofrimento que este sente, mas destrói as pessoas que ficam de uma tal maneira que jamais pensei ser igual. Por favor, se estiver pensando nisso, não o faça, eu imploro. Pense nos outros. Tenha compaixão. A compaixão, o perdão, o amor tem uma função gigantesca: não deixará ninguém sofrer e aplacará a própria dor que você sente agora, fazendo tudo melhorar. É o caminho pra cessar tua dor. O suicídio só multiplica a dor no mundo. Paz no coração de todos...

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    1. Grato pelo depoimento e pelas reflexões oportunas. E, principalmente, agradecemos o apelo feito aos que desejem suicidar-se. Que estes pensem nos que ficam, pois aos que ficam "a dor é atroz, pungente, inexplicável".

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    2. Inexplicável é a dor da família de um suicida, o sofrimento parece a uma fratura exposta que sangra a todo momento. Busca-se constantemente entender algo que parece surreal. Meu companheiro suicidou-se a alguns meses, para mim ele morreu hoje, a dor é a mesma que senti quando atendi aquele telefonema que destruiu minha vida. Eu que sempre tive projetos,sonhos, me vejo todos os dias catando meus cacos que ficaram pelo caminho. É muito dificil e as vezes me falta força para pensar em seguir, é como se eu estivesse vagando pela vida, sem rumo, sem futuro. Me sinto numa montanha russa emocional, não sei descrever meus sentimento, em um dia a dor me paralisa, me cega, no outro peço a Deus que me ajude a conviver com essa dor, já que desistir de entender que algo tão absurdo como esse aconteceu, já desisti de buscar respostas, simplesmente elas não existem ... aceitar? impossível.Meus sentimentos a vc e sua família, de alguém que sabe o que estão passando, queria dizer que "tudo isso vai passar", e o "tempo vai curar" frases feitas que escutei e escuto todos os dias, mas não seria verdade, conselho? tentem sobreviver. vivendo um dia de cada vez.

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    3. Tomei a liberdade de adaptar este texto em um outro blog, destinado especificamente aos "sobreviventes de suicídio".

      http://sobrevivendoaosuicidio.blogspot.com.br/2013/01/depoimento-de-uma-sobrevivente.html

      Sou grato a você, anônima e corajosa pessoa que nos ofereceu este depoimento, que será útil aos que estão passando pela mesma difícil situação.

      Sigamos firmes, a despeito das dores e vazios. Deus nos ampare.

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  4. Perdi minha noiva ela cometeu suicídio mas antes delá se matar ela me ligou e por uma briga eu não atendi a ligação, isso está me matando pq eu poderia ter evitado acredito que seja minha culpa é quero morrer por isso.

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    1. Henry, não se sinta culpado por um fato que ocorre todos os dias com milhões de pessoas, que são as desavenças mais do que previsíveis entre casais...

      Se tudo fosse entrar em crise por ter brigado com o seu cônjuge ou namorado/a seria impossível convivermos a dois tão grande seria a paranoia!!

      Não se culpe, enfim. Ela, infelizmente, por n motivos, já trazia os próprios desequilíbrios e tomou a decisão mais equivocada. Era uma pessoa talvez impulsiva, talvez caprichosa, talvez vingativa... Não sabia lidar com as próprias emoções.

      Reavalie sua posição e siga adiante vivendo!!

      Se quiser conversar mais, me escreva: abelsidney@gmail.com

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