quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Suicídio x câncer

"É no primeiro ano a seguir ao diagnóstico de cancro [câncer] que as pessoas se suicidam mais"

O risco de suicídio aumenta um ano após o diagnóstico de cancro, segundo revela um estudo norte-americano publicado na revista CANCER, da Sociedade Americana de Cancro

Vanda Marques (14 jan 2019)

O risco de suicidio é duas vezes superior em doentes com cancro [câncer] do que a população em geral, revela a psiquiatra Lúcia Monteiro. Por isso, os resultados de um estudo, publicado na revista da American Cancer Society, a Cancer, que revela que os pensamentos suicidas aumentam após o primeiro ano do diagnóstico de cancro, não é surpresa para os especialistas. A investigação indica ainda que é determinante avaliar este risco nos doentes recentemente diagnosticados.

As conclusões baseiam-se numa análise de 4.671 989 doentes e concluíram que 1.585 cometeram o suicídio cerca de um ano após a descoberta da doença. Os doentes que correm maior risco são os que sofrem de cancro nos pulmões e no pâncreas. 

A psiquiatra Lúcia Monteiro, da Unidade de Psiquiatria do IPO, concorda com estes resultados e revela que foi criado um grupo de trabalho multidisciplinar com esse objetivo: "avaliar o risco e sobretudo, implementar medidas intrahospitalares de prevenção do suicídio nos nossos doentes." A diretora do Núcleo de Oncologia Psicossocial IPOLFG explica porque é que este fenômeno ocorre e que o acompanhamento dos doentes é fundamental.

É verdade que, ao fim do primeiro ano, é quando os pacientes ficam mais deprimidos e com mais pensamentos suicidas?
 
Todos os estudos nesta área confirmam que o risco de suicídio nos doentes oncológicos é superior ao da população geral, provavelmente duas vezes superior. Se pensarmos que o cancro é a segunda causa de morte por doença no mundo ocidentalizado, o problema torna-se francamente preocupante.

Confirma-se ainda que é durante o primeiro ano a seguir ao diagnóstico de cancro que as pessoas se suicidam mais (o risco é maior). Acreditamos que esta será também a realidade na população portuguesa embora não tenhamos dados objetivos.  A morte por suicídio é muitas vezes omitida pelas famílias e iludida nos registros medico legais e estatísticas da saúde. Estes estudos afiguram-se  particularmente difíceis de replicar no nosso país.

Porque é que os doentes com cancro se suicidam?

Poderemos considerar fatores de risco de 3 naturezas: epidemiológicos, oncológicos, psicossociais. Têm maior risco de suicídio:

- os doentes sexo masculino, 3ª idade (> 65 anos), raça branca, não-casados (solteiros, divorciados, viúvos)

- os doentes com cancro pulmão, estômago, pâncreas e cabeça/pescoço; os doentes em fase avançada ou metastática da doença  (tumores com pior prognóstico e menor taxa de sobrevivência); os doentes com dor persistente e mal controlada (mais frequente na doença avançada)

- a depressão é a principal causa de suicídio na população geral. No doente com cancro reduz  os seus recursos adaptativos e acentua o sofrimento psicológico; afeta a resposta ao a imunidade e a resposta biológica aos tratamentos, mas também a motivação e a adesão ao plano de cuidados. Em consequência ultima, aumenta exponencialmente a desesperança e o risco de suicídio.
Outros fatores psicossociais de risco são o isolamento e deficiente suporte social, os consumo patológico de álcool ou outras substâncias, história de doença mental ou tentativas de suicídio prévias (do doente ou na sua família).

O que é mais importante para prevenir o suicídio nos doentes com cancro?

É fundamental o treino dos profissionais - sobretudo dos médicos - em comunicação, saber dar más noticias. A forma como se dá a notícia do diagnóstico de um cancro ou se explica o que há a fazer na fase avançada de doença, condiciona decisivamente o estado emocional do doente, as suas expectativas para o futuro e o seu empenho em continuar a viver.

Importante informar o doente e a família sobre o tipo de cancro e o seu prognóstico, o plano de tratamentos e as suas sequelas, ajudar a pessoa a ter expectativas realistas e adaptar-se a uma nova realidade de doença crónica (e não imediatamente mortal e dolorosa).

Reforçar a disponibilidade da equipe e a abertura para estratégias terapêuticas alternativas e personalizadas – a pessoa sentir-se-á acompanhada e protegida mas mantendo a autonomia e a dignidade.

Importante evitar que problemas transitórios de adaptação à doença evoluam para síndromes psiquiátricos graves ou situações sociais de maior risco.

Se nas consultas iniciais o doente apresentar stress elevado, insônia, ansiedade antecipatória, desânimo e pessimismo , problemas familiares ou dificuldades sociais deverá ser de imediato referenciado para acompanhamento psicossocial específico – consulta de psicologia ou psiquiatra e/ou avaliação social.

A depressão major e a ideação suicidária são situações de urgência em oncologia.

As equipas oncológicas – médicos, enfermeiros, terapeutas – devem estar sensibilizados para a perigosa associação cancro e depressão, saber comunicar com o doente deprimido e detetar sintomas depressão e ansiedade patológica; de imediato referenciar este doente ao médico psiquiatra de ligação/ psicooncologista).

Na crise suicidária são mandatórias a vigilância clínica do doente, o claro aviso à família e cuidadores, a intervenção psicossocial imediata e enérgica com tratamento antidepressivo e ansiolítico, psicoterapia breve e focada, avaliação do suporte social e comunitário; se necessário, internamento hospitalar protetor.

No IPO Lisboa criámos recentemente um grupo de trabalho multidisciplinar/task force com a missão de avaliar o risco e sobretudo, implementar medidas intra-hospitalares de prevenção do suicídio nos nossos doentes.

NOTA: fizemos a adaptação do presente artigo jornalístico ao português do Brasil para facilitar a leitura

Fonte: https://www.sabado.pt/vida/detalhe/o-primeiro-ano-a-seguir-ao-diagnostico-de-cancro-que-as-pessoas-se-suicidam-mais

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