sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Governo de Goiás define ação preventiva ao suicídio

Projeto-piloto, em Chapadão do Céu, terá equipes especializadas para acolher e acompanhar pessoas com histórico de tentativa de autoextermínio e automutilação, além de seus familiares

Maria José (6 outubro 2021)

O Governo de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO), iniciou uma ação ampla e integral com o propósito de diminuir a alta incidência de tentativas de suicídio no Estado. Todas as notificações de tentativas de autoextermínio e automutilação serão cuidadosamente analisadas para acolhimento do paciente, assim como dos seus familiares.

Assim, essas pessoas serão orientadas, monitoradas e devidamente encaminhadas aos serviços de saúde disponíveis no  seu município, como a Atenção Primária à Saúde, uma das portas de entrada da Rede de Atenção.

Inicialmente, a ação será desenvolvida, como projeto-piloto, em Chapadão do Céu, no Sudoeste do Estado, dotado de uma Atenção Primária muito estruturada, com uma equipe multidisciplinar atualizada e sensibilizada para o atendimento das necessidades de saúde de sua população.

O diretor do Centro Estadual de Orientação e Monitoramento em Saúde e do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Goiás (Ciatox), Fabrício Montes, afirma que  a iniciativa será desenvolvida, posteriormente, em todos os demais municípios goianos.

Suvisa e Sais

A iniciativa compõe uma das atividades efetivadas pela SES-GO para prevenção do suicídio. Ela é desenvolvida pela Central de Orientações (Cori) e pela Coordenação de Vigilância e Violência e Acidentes (Viva) da Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa), da Gerência de Saúde Mental da Superintendência de Saúde Mental e Populações Específicas (Susmep), e pela Coordenação da Redes de Atenção à Saúde da Superintendência de Atenção Integral à Saúde (Sais).

Fabrício Montes informa que, na prática, o atendimento à pessoa envolvida em tentativa de suicídio será realizado pela SES-GO como atividade complementar às ações já desenvolvidas pelos municípios.

O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e o Sistema de Registro de Dados de Intoxicações dos Centros de Informação e Assistência Toxicológicas (Datatox) são os instrumentos utilizados para as notificações.

Por meio dessas notificações, a Cori vai entrar em contato com os pacientes e seus familiares para que sejam orientados e encaminhados para atendimento mais próximo de sua residência. Tais pessoas serão monitoradas a fim de assegurar que estejam sendo acompanhadas adequadamente, evitando novas tentativas de automutilação e autoextermínio.

“A partir dessa ação contínua, realizada de forma integrada por profissionais habilitados, pretendemos atenuar o drama vivenciado por muitas famílias goianas”, pontua Fabrício.

Ela destaca que o suicídio representa um grave problema de saúde coletiva, que vai muito além do processo saúde-doença, sendo considerado um problema de determinantes sociais que demandam ações intersetoriais. Ao se considerar que as tentativas ocorrem de forma gradual, quando não identificadas, encaminhadas e monitoradas, elas tendem a reaparecer até tornar-se ato consumado.

Fique de olho

-  Para cada tentativa de suicídio documentada, existem outras quatro que não foram registradas
-  A repetição de tentativas é um indicador de risco para a consumação do suicídio
- São registrados mais de 13 mil casos de suicídios todos os anos no Brasil
- Cerca de 96,8% dos casos de suicídio são relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar, está a depressão, seguida de transtorno bipolar e abuso de substâncias.

Fonte: www.saude.go.gov.br/noticias/13822-governo-de-goias-define-ampla-e-integral-acao-preventiva-ao-suicidio

 


quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Reflexões importantíssimas de além mar!

A importância de parar de ‘viver como se o suicídio não existisse’

No Dia Mundial da Saúde Mental, importa referir que, todos os dias, em média, três pessoas morrem para o suicídio em Portugal. O que se pode fazer para ajudar a mudar este panorama?

Maria Moreira Rato (maria.rato@newsplex.pt)

Aos 23 anos, prestes a completar 24, Sofia Santos Nunes havia completado o curso de Psicologia há um ano. Apesar de saber que o divórcio dos pais aconteceria inevitavelmente, não pensou que o mesmo pudesse ter consequências tão drásticas. «O meu pai tinha depressão, não estava a ser acompanhado apesar de eu ser psicóloga clínica. E, por mais que insistisse, tinha muita reticência a tratamento psicológico e psiquiátrico também», explica a jovem.

Além disto, quando perdeu a mãe, em 2017, o homem «começou a desenvolver um luto patológico». Apesar de sempre ter sido muito ansioso, a situação agravou-se com esta perda e, quase simultaneamente, a separação ocorreu, pois a progenitora de Sofia entrou com um processo de divórcio porque esta concluíra o percurso no Ensino Superior. «Ele assinou os papéis do divórcio durante o dia e suicidou-se à noite. Foi uma lição de humildade para mim enquanto pessoa e psicóloga porque, quando as pessoas têm as mãos fechadas, é difícil ajudá-las. Isto deixou a minha mãe numa situação complicada», confessa, lembrando que, ainda que existissem divergências entre o casal, o pai geria um estabelecimento na área da restauração.

«Ele devia ter ido abrir o café porque a minha mãe entrava muito mais tarde do que ele e, curiosamente, estava muito calmo nos dias anteriores, como se estivesse preparado para uma nova vida. Só não pensámos que fosse para outra dimensão», diz, explicando que, ao contrário daquilo em que pensaram, em primeira instância, o adulto de 56 anos nunca chegou a dirigir-se ao negócio que dirigia. Muito pelo contrário: foi para casa da mãe e pôs termo à vida.

«Foi aí que começou a nossa jornada do ‘Porquê?’. Tinha trabalhado com a ideação suicida como profissional, mas nunca tinha olhado para esta área dos sobreviventes, das pessoas que perderam alguém para o suicídio», admite, lamentando que o padre que contactaram recusou celebrar a missa. O motivo? «Isto ainda é encarado como um pecado, uma escolha livre, mas é provocado por uma doença mental. Nunca ninguém diz, por exemplo, que um ataque cardíaco é pecado».

Procurando respostas para inúmeras perguntas, partiu para Santiago de Compostela, na Galiza, passou por um processo de psicoterapia, viajou até à Colômbia e fez «muitas coisas para trabalhar este luto». «Percebi que quando partilhava aquilo que sentia, a dor tornava-se mais leve. Não nos podemos esquecer de que cerca de 50% dos casos de suicídio não são reportados, são as tais causas de morte inespecíficas. Quando a minha avó morreu por causas naturais, toda a gente falava dela e dos bons momentos. Quando o meu pai morreu, quase que se evitava falar dele porque, de repente, parecia que só existia a causa de morte», refere a jovem adulta que, hoje, tem 27 anos, e refere-se ao facto de, em termos estatísticos, o suicídio ser raramente denominado devidamente, acabando por ser encapotado.

Esta posição é corroborada pelas docentes universitárias Rita Alexandra Manso Araújo, Zara Pinto-Coelho e Felisbela Lopes que no artigo ‘Representações do suicídio na imprensa generalista portuguesa’ escrevem que «o fenómeno do suicídio poderá estar sub-representado e o problema ‘deverá ser bem mais grave na Europa, e muito particularmente em Portugal, do que atualmente reconhecido’. Por contabilizar ficam, segundo os autores, as mortes por causa desconhecida e as mortes violentas de intenção indeterminada, para além de ‘suicídios mascarados’, como as mortes por acidente ou por overdose».

Se pesquisarmos os «óbitos por algumas causas de morte», na plataforma PORDATA, em 1960, o primeiro ano registado, o valor das mortes ocorridas por suicídio situava-se nos 0,8%. Em 1979, atingiu o 1%. O valor mais elevado, 1,2%, registou-se nos anos de 2004 e 2014.

Em 2005, 0,8% – percentagem mais reduzida do que aquela que foi apurada em anos recentes – das mortes registadas ocorreram por suicídio e o jornal Público, num artigo de 13 de março do ano passado, de Roberto Dores, noticiava que o suicídio no Alentejo tem a taxa mais alta no mundo, sendo que esta mortalidade atingia 24 em cada cem mil habitantes.

Em 2017, a taxa de mortalidade mais elevada registou-se no Chipre, na Grécia e em Malta. Em 2016, a título de exemplo, suicidaram-se 1450 pessoas (1092 homens e 358 mulheres), sendo que Portugal colocava-se em 20.º lugar da lista dos países com mais suicídios na União Europeia.

Em 2019, último ano com apuração de dados veiculada, o suicídio representou 0,9% dos óbitos. Ainda que não se conheça o impacto da pandemia de covid-19 naquele que é considerado, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), um «ato de deliberadamente se matar a si mesmo» – que inclui nos fatores de risco para o suicídio as perturbações mentais, como a depressão ou a esquizofrenia, o abuso de bebidas alcoólicas, e algumas doenças físicas, como perturbações neurológicas, cancro, e infeção por VIH-Sida. A OMS estima que, anualmente, haja cerca de um milhão de suicídios no mundo, é possível ter algumas luzes através da leitura de ‘Suicide in Portugal: spatial determinants in a context of economic crisis’.

Na investigação liderada pela investigadora Paula Santana, conclui-se que se verifica uma forte associação entre o suicídio e os períodos de elevada instabilidade económica. Por exemplo, o seu aumento, em território nacional, coincidiu, por vezes, com os resgates financeiros a Portugal do Fundo Monetário Internacional (em 1983 – de 0,9% em 1982 para 1% no ano seguinte. Em 2011, era de 1%, sendo essa proporção igual desde 2007). Santana percebeu igualmente que, em municípios com maior privação socioeconómica, o risco de mortalidade é 50% mais elevado.

‘É possível viver outra vez’

Foi na sequência da experiência pessoal aliada ao conhecimento académico e profissional, bem como à pesquisa autónoma, e da perceção dos fatores anteriormente referidos que Sofia Santos Nunes decidiu criar a associação Sobre Viver Depois do Suicídio, dada a conhecer ao grande público neste verão. 

«Decidi criar esta ponte que não junta só as famílias como os profissionais e todos aqueles que queiram contribuir para esta causa. Os sobreviventes ficam com muito mais probabilidade de desenvolver depressão, ataques de ansiedade e até de morrer para o suicídio. Há muito mais do que sobreviver: é possível viver outra vez e ter uma vida plena», partilha, reconhecendo que «o luto é muito marcado pelo “e se?”, pela culpa e, portanto, chega a desestruturar a própria pessoa, os amigos e toda a comunidade».
Para combater o estigma associado ao suicídio, Sofia e os restantes membros da associação organizam grupos de apoio, designados de ‘Círculos de Palavra’, no qual, além de amigos e familiares das vítimas de doença mental, «também estão envolvidos psicólogos que perderam pacientes, maquinistas que assistiram à morte de alguém, etc.», desejando alcançar igualmente as forças de segurança.

«E depois temos apoio formal como jurídico, psicológico, psiquiátrico e qualquer pessoa pode ser voluntária. Fazemos eventos e pontos de encontro entre os sobreviventes. Temos a vertente da comunicação, queremos capacitar a sociedade para lidar com o luto. E queremos prevenir que outras histórias tenham este desfecho». Deste modo, a associação juntou-se a universidades e até à Campanha Nacional de Prevenção do Suicídio, uma iniciativa do Programa Nacional para a Saúde Mental/Direção-Geral da Saúde (DGS).

«É necessário falar sobre isto, mas bem, com o vocabulário adequado. Viver como se o suicídio não existisse é permitir que pelo menos três pessoas morram, todos os dias, em Portugal», revela, adiantando que constitui também uma forma de fechar os olhos perante as «cerca de 6 a 10 pessoas que ficam traumatizadas diretamente». É por isso que a Sobre Viver Depois do Suicídio se dedica ao investimento na campanha de sensibilização de jornalistas para esta temática, explicando, a título de exemplo, que «o verbo cometer parece estar associado a um crime, por isso, devemos dizer que alguém morreu para o suicídio».

«E nem sequer se deve dizer algo como ‘foi um ato de coragem ou ato de cobardia’, na medida em que não se pode romantizar o suicídio. É um fenómeno complexo, multifatorial e em cada 9 a 10 casos são provocados por doença mental. As pessoas sentem que não há solução e que os problemas não vão passar», realça, enaltecendo a importância do ‘Prevenção do Suicídio: Manual Para Jornalistas’, documento [produzido pela OMS] onde, entre outras, podemos encontrar as recomendações dadas por Sofia, bem como outras. Apelando a que estes profissionais tenham cuidado com a linguagem utilizada, os autores escreveram tópicos como «não usar os termos ‘suicídio bem-sucedido’, ‘tentativa falhada de suicídio’ ou ‘malsucedida’ por implicarem que a morte é o efeito desejado» ou «não usar o termo ‘epidemia/pandemia de suicídio’ por não ser correto. Apesar de ter o intuito de dar maior importância ao tema, pode ler-se como alarmismo desnecessário».

Se os órgãos de informação seguirem estes passos e «as pessoas abrirem as mãos», Sofia acredita que o processo de entreajuda será muito mais facilmente agilizado. «Tem de haver uma perspetiva de esperança. Se a pessoa tiver uma ideação suicida estruturada ou semiestruturada, acompanhámo-la, mas reencaminhamo-la para serviços específicos. Por outro lado, nos círculos, temos muitas pessoas que estão estabilizadas. Queremos sempre um grupo que parta da esperança e, se houver algum membro muito desestruturado, isto não vai fazer bem ao grupo nem a ele», acrescenta, explicitando que já lidou com membros que dizem coisas como «Não gosto muito da forma como vivo agora» e, com tranquilidade, responde sempre «que ninguém gosta de sobreviver, mas sim viver. No entanto, sobreviver não tem de ser sempre a nossa experiência».

Neste momento, a associação conta com 30 voluntários, mas tem vindo a receber muitos pedidos desde que começou a surgir nos media, tendo até emigrantes portugueses que se encontram nos mais variados pontos do globo a colaborarem com a mesma. Existe um leque de funções distintas, pois «há pessoas que se dedicam à comunicação, algumas à revisão de textos, outras à responsabilidade social» e importa referir que, entre estas, encontra-se quem tenha vivido a depressão, com tentativa de suicídio, e, atualmente, opte por ser uma voz ativa na promoção da saúde mental.

«As pessoas podem contactar-nos por Facebook, Instagram e e-mail. Recebem uma resposta em menos de 24 horas. Se for uma situação muito urgente, reencaminhamos para linhas telefónicas como a Voz Amiga ou a Saúde24» para que as pessoas saibam que, do outro lado, há voluntários e profissionais preparados para fazerem intervenção em crise.

‘Não há problema em perguntar se tem ideias de morte’

Sabe-se que, em média, três pessoas suicidam-se por dia em Portugal. Será que este número continua atualizado? «O número que vejo mais é de 9 a 10 pessoas por cada 100 mil habitantes. No total do ano, dá quase três pessoas por dia, sim», começa por mencionar o psiquiatra Henrique Prata Ribeiro, de 31 anos, autor de crónicas acerca de temas como a ansiedade ou o desinvestimento na saúde mental na ‘Comunidade Cultura e Arte’.

«Estes números têm tido uma tendência ligeiramente decrescente desde 2014, embora os atuais sejam mais elevados do que os da década de 90, por exemplo». O também assistente da unidade curricular de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa realça que «Portugal, apesar de ser o segundo país com mais perturbações psiquiátricas da Europa, só atrás da Irlanda, tem números relativamente baixos de percentagem de suicídios», salientando que «há quem atribua estes números baixos a questões metodológicas na contabilização. Tem é das taxas mais elevadas da UE de suicídio em idosos».

Quem é que demonstra mais ideação suicida? Os pacientes mais velhos, mais novos ou não se pode generalizar? «Aquilo que acaba por ser a minha prática clínica é um bocadinho a tradução dos grandes números. Portanto, já são alguns anos a trabalhar no hospital e a fazer urgências. Lá recebemos pessoas que fizeram tentativas de suicídio e sobreviveram» e, com base no caminho que tem trilhado, o jovem médico percebe que as mulheres tentam mais vezes, enquanto os homens são menos atendidos porque consumam mais vezes.

«Há uma tendência para que, com a idade, haja mais tentativas, mas o suicídio é muito importante na análise das causas de morte nos jovens, porque aparentemente já é a principal causa de morte para as idades compreendidas entre os 10 e os 29 anos», aponta o consultor em saúde mental que nutre interesse pelos direitos humanos e pela Psiquiatria Forense.

Numa entrevista dada à revista Visão, em 2019, o psiquiatra Carlos Braz Saraiva destacou que «o fenómeno tem-se verificado cada vez mais cedo. Agora, em vez de ser aos 55 anos, é a partir dos 45 que começam a aparecer mais casos», sendo que tal se justifica através da «perda de estatuto social, associada à crise económica» que «poderá estar na base do impulso dos chamados adultos tardios».

«Costumo dizer que a Psiquiatria também é física porque, apesar de não conseguirmos ver em pormenor os neurotransmissores em direto, digamos assim, estão a sofrer alterações. Na depressão, por exemplo, há áreas do cérebro que podem chegar a ficar atrofiadas. Ou seja, há alterações neuroquímicas, por vezes estruturais, do cérebro. É físico», elucida o mestre em Medicina pela Universidade de Coimbra que realizou o ano comum no arquipélago da Madeira.

«Quando pensamos em saúde mental, temos de nos focar não só na ausência de doença, mas também naquilo que é o bem-estar da pessoa como um todo e do seu papel na comunidade em que está inserida, sentindo-se útil e percebendo que a sua vida tem propósito», indica, evocando que «o cérebro é um órgão complexo, não conseguimos ter acesso à informação toda, mas as alterações estão a acontecer. A depressão, por exemplo, é muito associada à inflamação cerebral».

«Na maioria dos casos, as causas estão associadas a doença, sendo as mais frequentes a depressão e a doença bipolar. Para consumar o suicídio, no entanto, os principais fatores de risco passam por ser do sexo masculino – apesar de a depressão ser mais presente nas mulheres, os homens usam meios mais letais para porem termo à vida –, o estado civil, ser solteiro ou viúvo, a idade e viver em zonas rurais», expressa, julgando que a campanha internacional Setembro Amarelo, de consciencialização sobre a prevenção do suicídio, que abarca iniciativas formativas, culturais e desportivas, e que é levada a cabo no mês de setembro, com o objetivo primordial de captar a atenção de todos para o suicídio, tem dado frutos em Portugal.

«Uma das questões mais abordadas na área do suicídio é o facto de se dever falar sobre o mesmo. Quando alguém está deprimido, não há problema em perguntar a essa pessoa se tem ideias de morte. Já está provado, em vários estudos, que isso até é protetor porque pode ajudar a prevenir o suicídio e não aumenta a probabilidade de que esse passo seja dado», sintetiza o autor da obra ‘Urgências Psiquiátricas’, lançada pela editora Lidel em 2018, na ótica do qual «estas iniciativas são boas porque mostram às pessoas que há ajuda disponível, canais que podem utilizar e isso é muito importante, tal como saberem que há mais pessoas que já passaram pelo tipo de pensamentos pelos quais estão a passar». Por outro lado, ainda que não conheça nenhum estudo que infira uma causalidade direta, costuma afirmar «que os antidepressivos previnem suicídios – por curarem as pessoas da depressão. Muitas das vezes, são injustamente diabolizados».

Portugal encontra-se em quinto lugar, no universo da OCDE, dos países onde estes fármacos são mais prescritos, mas o médico observa que «ao longo dos anos, tem sido feito um trabalho da retirada das benzodiazepinas da medicação crónica. São os chamados ansiolíticos».

Refletir sobre o Baixo Alentejo

Sabe-se que o Alentejo é a região que regista as taxas de suicídio mais elevadas, sendo que urge conhecer os contextos social e cultural em que tal fenómeno decorre. Para elaborar a tese de mestrado ‘Representações do Suicídio no Alentejo’, Joana Costa inquiriu 271 adultos residentes nos distritos de Portalegre, Évora e Beja, questionando-os acerca daquilo em que o suicídio os faz pensar e sentir, confrontando-os igualmente com perguntas sobre as pessoas que se suicidam. Assim, «dos dados recolhidos (…) conclui-se que os alentejanos têm a representação de que o suicídio se encontra associado a perturbações psicológicas e fortes emoções negativas (…) No que respeita à imagem que têm das pessoas que cometem suicídio, divergem entre a coragem e o egoísmo».

Em ‘Cultura Suicida no Alentejo’, Sónia Cândido esclareceu que «estima-se que morrem, em Portugal, por suicídio cerca de 18 pessoas por cada 100.000 habitantes, sendo que no Baixo Alentejo, a taxa média de suicídio, na última década, é de 30,2». A autora acrescentou também que «a fraca perceção de suporte social assume uma elevada significância no fenómeno suicida do Alentejo, sendo que esta variável explica 82,3% da variância da ideação suicida e 74,4% da variância dos resultados da Desesperança». Já na obra ‘Alentejo Prometido’, o investigador e escritor Henrique Raposo esclareceu: «O Norte de Portugal, que representa 35% da população, sofreu 43 suicídios em 2009, 48 em 2010 e 38 em 2011. O Alentejo, que conta apenas com 7% da população, sofreu 144 suicídios em 2009, 113 em 2010 e 105 em 2011. A diferença é avassaladora».

Os últimos dados oficiais, publicados em 2017 pelo Instituto Nacional de Estatística, mostram que, nesta região alentejana, há 54,2 mortes por suicídio por 100 mil habitantes, opondo-se às 22,4 no restante território. O fenómeno abrange, principalmente, os homens (43,6 óbitos por 100 mil habitantes no Alentejo; 17,4 no resto do país).

Existe uma predisposição cultural para a conduta suicida na população do Alentejo e, para além desta característica psicológica, a desertificação, o isolamento, a pobreza e a falta de sentido para a vida constituem os fatores promotores para causar a própria morte de forma intencional. Curiosamente, ao contrário daquilo que defendia o sociólogo Émile Durkheim, teórico do suicídio no século XIX, parece que os laços sociais não estão mais protegidos em ambiente rural.

Se recuarmos até ao estudo da investigadora Paula Santana, conseguimos entender que, tendo por base o mesmo, percecionamos que esta região do país apresenta um dos PIB per capita mais baixos da União Europeia. Em 2008, o PIB per capita no Alentejo foi de 11.6 mil euros. Este valor, especificamente no Baixo Alentejo, era de 10.5 mil euros. Tal contrasta com os 24.847 mil euros, no mesmo ano, do PIB per capita de todo o território nacional. Estes números podem ser encontrados em ‘Alto Alentejo. Caracterização Socio-económica’, da autoria de Conceição Leitão.

Concordando com estes fatores, Henrique Prata Ribeiro assume que existe «um desinvestimento crónico na área da saúde mental» que afeta Portugal de Norte a Sul, mas, no Baixo Alentejo, «grande parte da população preenche todos estes critérios», porém, em determinadas situações, «a religião acaba por ser um fator protetor porque, durante muitos anos, na cultura judaico-cristã, o suicídio era punido. O Alentejo é uma região tipicamente comunista e, culturalmente, poderá haver um peso menos importante da religião».

Quem sempre lidou de perto com este fenómeno é Luísa (nome fictício), de 48 anos, que nasceu na Alemanha mas veio para Portugal com apenas cinco anos. «Viemos para Moura, em Beja, porque o meu pai era do Alqueva e, quando tinha 10 anos, para Lisboa. O meu avô era de Olhão, no Algarve, mas nunca o conheci». Tal aconteceu porque o homem suicidou-se quase há 70 anos. «Os meus familiares romantizam um bocadinho a questão do suicídio e para mim não faz sentido. Aquilo que me contam é que ele apanhou tuberculose e, como era altamente contagiosa, não a queria transmitir a ninguém».

Uma das filhas do homem é a mãe de Luísa, hoje com 78 anos, mas a sofrer devido à doença bipolar há muito. «A primeira imagem de que me lembro, de uma tentativa de suicídio da minha mãe, foi quando tinha cerca de 5, 6 anos. Tínhamos saído todos para uma festa e ela foi parar ao hospital. Fizeram-lhe uma lavagem ao estômago, veio para casa».

Todavia, a patologia viria a agravar-se cada vez mais. «Os meus pais eram donos de uma pastelaria e tínhamos um quarto para fazer sestas. Ela, para tentar novamente, pegou num cinto e não me recordo de muito mais porque gritei e o meu pai apareceu logo», declara, em retrospetiva, dizendo que um dos dois irmãos, atualmente com 52 anos, começou a ter comportamentos diferentes quando cumpriu o serviço militar.

«Inicialmente, achou-se que ele tinha esquizofrenia e, depois, entendeu-se que tem bipolaridade, mas muito mais extrema do que a da minha mãe. Nunca tive ideação suicida. E tenho outro irmão, de 59 anos, que também nunca teve», expõe a terapeuta holística, especificando que a última tentativa de suicídio da progenitora ocorreu há dois anos. «Estava em casa. Tirei fotografias para ter provas. Chamei a polícia e os bombeiros e eles vieram, mostrei-lhas e ela negou que tinha tentado. Habituei-me a lidar com isto. O meu pai faleceu há muitos anos, mas não noto que ela tenha ficado pior, a doença continua grave como sempre».

Depois de um AVC e de um cancro da mama, Luísa nota que a idosa tem estado mais calma. «Não é que quase todas as semanas não diga que se vai matar, mas parece-me que já não tem força para tal», repara, adiantando que esta chegou a contactar a Segurança Social fazendo uma queixa de maus tratos, alegando que não tinha um quarto digno para dormir ou comida suficiente para se alimentar. «Vieram técnicos confirmar tudo e perceberam que não correspondia à verdade. Disseram-lhe que não pode fazer queixas sem fundamento porque é crime. Temos de ter sangue frio para reagir».

«O meu irmão é casado e, de vez em quando, a minha cunhada liga-me porque ele desaparece, fecha-se na arrecadação, pega nas caixas dos medicamentos... Ele é seguido em Psiquiatria, enquanto a minha mãe nega a pés juntos que precisa de ajuda», constata, declarando que já passou com ambos pelas urgências de Psiquiatria e com «o Serviço Nacional de Saúde ajuda com medicamentos para ‘desenrascar’», mas não achou que o impacto na vida dos doentes fosse muito maior do que esse.

«A minha mãe não consegue ter uma conversa positiva, vive com o negativismo. O meu irmão não fala com ela. Ele não conta, mas há algum trauma que ele teve com ela, alguma situação que ele viu e, automaticamente, afasta-se. Quando a minha mãe foi operada, ele nunca foi vê-la. Nem quando teve o AVC», declara, lastimando que a progenitora encare o neto de 21 anos, com quem vivem, como «alguém que não presta».

«Os familiares destas pessoas têm de procurar apoio e não se esquecerem deles mesmos. Pedir ajuda não tem mal nenhum e não é sinal de fraqueza: muito pelo contrário», começa por finalizar. «A campanha Setembro Amarelo tem pouca divulgação e, infelizmente, vou dizer isto com muita tristeza, mas o ser humano está cada vez mais egoísta, julga e critica constantemente. Não entendo o porquê».

Fonte: https://sol.sapo.pt/artigo/748865/a-import-ncia-de-parar-de-viver-como-se-o-suicidio-nao-existisse-

domingo, 10 de outubro de 2021

Serviços de saúde mental sofreram interrupções em 60% dos países das Américas em 2021, diz OMS

Diego Suárez, do El Comercio de Perú/GDA* (10 outubro 2021)

LIMA — Há um ano, Carissa Etienne, diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), emitiu uma mensagem forte: a pandemia da Covid-19 estava causando uma crise de saúde mental nas Américas em uma escala nunca vista antes.

Hoje, quando se comemora a luta global contra esses tipos de doença, as perspectivas continuam preocupantes. No entanto, não é tarde para tomar as medidas necessárias e evitar que a pandemia deixe uma marca indelével na saúde mental da população.

Impacto significativo

Estudos nacionais da Argentina, Brasil, Canadá, México, Peru e Estados Unidos documentaram altas taxas de transtornos psicológicos, ansiedade e depressão na população em geral. Da mesma forma, uma pesquisa realizada pela empresa Ipsos nos países mencionados, assim como na Colômbia e no Chile, revelou que, em média, 12% dos adultos sofreram uma deterioração significativa de sua saúde emocional e mental.

Em relação aos menores de idade, a ansiedade e a depressão representam quase 50% dos transtornos mentais em crianças e jovens entre 10 e 19 anos na América Latina e no Caribe, segundo o levantamento “Situação Mundial da Infância 2021” do Unicef (fundo das Nações Unidas para a infância e a juventude). Deve-se notar que, antes da pandemia, mais de uma em cada sete crianças e adolescentes no mundo sofria de transtorno mental e 46 mil cometiam suicídio anualmente. Hoje, a situação se agravou, indica o relatório.

Aumentos no uso de álcool e de substâncias também foram relatados. Da mesma forma, registros de telefonemas para linhas diretas, relatórios policiais e outros prestadores de serviços indicam um aumento nos casos relatados de violência doméstica, particularmente abuso infantil e violência contra as mulheres.

As condições de saúde mental causam grandes deficiências nas Américas. Um terço de todas as deficiências por doença na região se deve a problemas de saúde mental — afirma Renato Oliveira e Souza, chefe da Unidade de Saúde Mental da região na Opas.

Mas, apesar desses números, o investimento dos governos continua insuficiente. Segundo o especialista, estima-se que os países das Américas destinem apenas 2% de seus orçamentos totais de saúde pública à saúde mental, e quase 61% desse montante é direcionado a hospitais psiquiátricos, que muitas vezes são locais de desrespeito aos direitos humanos.

A isso devem ser adicionados dois outros grandes problemas, que ocorrem desde antes da pandemia. O primeiro é a lacuna de tratamento (a porcentagem de pessoas que precisam de cuidados, mas não são tratadas): para algumas condições de saúde mental e de uso de substâncias, essa lacuna chega a quase 80%. O segundo é a carência de pessoal especializado: estima-se que haja 10,3 trabalhadores em saúde mental para cada 100 mil habitantes.

— Aconselhamos que o orçamento para saúde mental seja de no mínimo 5% ou 6%, mas depende das necessidades de cada país. O importante não é apenas aumentar o investimento, mas também que os recursos cheguem à comunidade, ou seja, integrar os serviços de saúde mental à atenção básica, que é o primeiro contato da pessoa com os serviços gerais de saúde — explica Oliveira e Souza.

Serviços interrompidos

Não há dúvida de que a pandemia aumentou o número de pessoas com novas doenças mentais ou agravou condições pré-existentes, como esquizofrenia, tendências suicidas ou vícios. No entanto, também fez com que os serviços de saúde mental e apoio psicossocial parassem de funcionar temporariamente ou tivessem seu pessoal reduzido. Segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), esses tipos de serviços sofreram interrupções em 60% dos países das Américas em 2021.

— Quando analisamos o estado dos diferentes serviços de saúde durante a pandemia, os atendimentos de saúde mental são os que receberam o maior impacto. Eles foram encerrados, como parte de medidas de proteção pública, ou muitas vezes os profissionais que ali trabalhavam foram transferidos em resposta rápida à emergência da Covid-19. A realidade é que, quando os serviços de saúde mental são mais necessários, eles têm o pior desempenho. É verdade que existem boas iniciativas para combater esse problema, como a grande expansão dos serviços por meio da internet ou do telefone, mas também sabemos que não atingem a todos — diz Oliveira e Souza.

Uma mudança completa

É provável que a pandemia da Covid-19 tenha efeitos adversos duradouros sobre a saúde mental e o bem-estar das pessoas e que continue a exercer pressão prolongada sobre os serviços especializados. Para o especialista da Opas, é essencial que os países priorizem a saúde mental agora, não apenas para responder aos problemas atuais, mas também para evitar que continuem ou piorem.

— É necessário que os países mudem seus sistemas de saúde mental, que muitas vezes são baseados em hospitais psiquiátricos. Os serviços precisam ser voltados para a comunidade. A situação melhorou, existem mais serviços comunitários de saúde mental, mas a cobertura ainda é muito baixa. Há um trabalho muito grande que temos em andamento com os países para garantir uma grande expansão dos serviços de saúde mental à comunidade —, declara Oliveira e Souza.

Alcançar essa meta também implicaria em quatro eixos principais: liderança política de alto nível e investimento adequado (cada dólar investido em saúde mental produz um retorno de quatro dólares); uma abordagem intersetorial (incluindo estados, sociedade civil, instituições acadêmicas, etc.); avanços na integração da saúde mental em todos os serviços de saúde, promoção e prevenção nas demais áreas da saúde e sociais; e uso das lições aprendidas durante a pandemia para investir em novas tecnologias.

Suicídios alto nas Américas

Quando a Opas avaliou seu Plano de Ação de Saúde Mental 2015-2020, observou um progresso notável em áreas como a redução da função dos hospitais psiquiátricos e o desenvolvimento de programas de prevenção. No entanto, a taxa regional apresentou números muito negativos.

Na região, quase 100 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano. Entre 2000 e 2019, a taxa de suicídio por idade nas Américas aumentou 17%, enquanto a taxa global e as taxas para todas as outras regiões da OMS diminuíram.

— O aumento da taxa regional de suicídio é um fator importante que nos fará dar maior ênfase à colaboração técnica com os Estados-membros, no sentido de aumentar o apoio aos seus planos nacionais de prevenção do suicídio. A redução dos suicídios é realmente uma área em que estamos piorando como região e temos que nos esforçar mais —, afirma Oliveira e Souza.

A Opas destaca que entre as principais medidas de prevenção do suicídio estão a limitação do acesso a meios para cometer suicídio (como a armas de fogo), identificação precoce, manejo e monitoramento das pessoas afetadas por pensamentos e comportamentos suicidas, bem como promoção de habilidades socioemocionais.

Embora seja verdade que ainda há muito trabalho a ser feito e pouco a comemorar no Dia Mundial da Saúde Mental, é de extrema importância fazer um apelo à união e à eliminação das desigualdades. Saúde mental de qualidade é um direito humano.

*O Grupo de Diarios América (GDA), ao qual pertence O GLOBO, é uma rede de veículos líderes em seus países fundada em 1991, que promove os valores democráticos, a imprensa independente e a liberdade de expressão na América Latina através do jornalismo de qualidade.

Fonte: https://oglobo.globo.com/saude/bem-estar/servicos-de-saude-mental-sofreram-interrupcoes-em-60-dos-paises-das-americas-em-2021-diz-oms-25230601

sábado, 9 de outubro de 2021

Outros olhares sobre o suicídio e sua prevenção

O que leva alguém a desistir da vida e cometer suicídio?

“Os cristãos são chamados a entregar suas vidas para Deus, e a decisão de quando devem morrer pertence somente a Ele”

Natural de Nova Venécia (ES), o pastor Hernandes Dias Lopes é bacharel em Teologia no Seminário Presbiteriano do Sul em Campinas (SP). Doutor em Ministério no Reformed Theological Seminary, em Jackson, Mississippi, nos Estados Unidos, ele também é conferencista e escritor. Os cristãos são chamados a entregar suas vidas para Deus, e a decisão de quando devem morrer pertence somente a Ele. “Não matarás” (Ex 20: 13) proíbe o homicídio, o suicídio e os pecados vinculados à violência. Esse mandamento atesta que a vida humana é sagrada.

Nas Escrituras, há seis relatos de suicídios: Abimeleque (Jz 9: 54), Saul (1 Sm 31: 4), o escudeiro de Saul (1 Sm 31: 4-6), Aitofel (2 Sm 17: 23), Zinri (1 Rs 16: 18) e Judas (Mt  27:5).

Mas o que determina se um cristão ganha ou não acesso ao céu? Para falar sobre os mitos e verdades acerca desse tema, a Comunhão ouviu o pastor da Primeira Igreja Presbiteriana em Vitória, o reverendo Hernandes Dias Lopes.

Suicídio ainda é tabu?

Sim, pois ele ainda não é tratado como deveria ser, ou seja, com transparência, e é exatamente por isso que se constitui em um risco tão grande para a sociedade.

É claro que já estamos avançando, pois em alguns países o tema vem sendo tratado de forma preventiva, mas no Brasil ainda temos uma estatística maquiada, constrangimentos para tratar do assunto na mídia.

O próprio Governo precisa encarar isso como um problema social e enfrentá-lo sem máscaras. Estou certo que de ainda temos um longo caminho pela frente; quanto mais se falar sobre o assunto, melhor.

Quem tenta o suicídio sempre tem algum distúrbio mental?

Duas escolas tratam dessa matéria: a sociológica e a psiquiátrica. A escola sociológica acredita que não. E eu também penso assim! Nós não podemos afirmar, por exemplo, que Getúlio Vargas tinha distúrbio mental.

É possível que a pessoa tenha plena saúde mental, mas em determinado momento da vida sofra determinadas pressões ou seja acometida por doenças de outra ordem para que venha a cometer suicídio.

As causas para esse atentado contra a vida são várias, tais como: a depressão e o isolamento, a bipolaridade, a perda de um relacionamento significativo, sentimentos passionais, violência doméstica, drogas, motivações de cunho religioso, entre outras. Por essa razão, não podemos concluir que todas as pessoas que cometem suicídio têm distúrbios mentais.

Quem pretende se matar dá sinais?

É provado estatisticamente que mais de 80% das pessoas que cometem suicídios deram claros sinais de que iriam fazê-lo. Isso quebra o mito de que “quem fala em suicídio não se mata”.

A verdade é o contrário! Os sinais precisam ser encarados como gritos de socorro. Nós precisamos estar atentos às pessoas que deixam pistas em suas falas – por exemplo, “Não aguento mais”, “Minha vida está sem sentido”, “Eu queria morrer” – ou ainda em seus comportamentos, como tomar uma dose exagerada de remédios, provocar cortes nos pulsos ou outros ferimentos.

Tem algumas pessoas que ficam flertando com a janela ou demonstram desinteresse pela vida. Tudo isso são sinais que podem ser facilmente monitorados.

A depressão continua sendo a principal motivação para o suicídio?

Ainda hoje a depressão é tratada como a principal causa do suicídio, mas o que considero mais relevante explicar é que esse assunto, especialmente no meio evangélico, é muito mal interpretado, pois há dois extremos. O primeiro, vindo por um escritor e pregador conhecido como T. L Osborn, diz que depressão é “demônio”.

Então, imagine, uma pessoa depressiva também tendo que carregar o peso de que está possessa ou sendo instigada por Satanás. O outro extremo vem de uma linha mais conservadora, de um escritor chamado Jay Adams, que acredita que depressão não é doença, mas que a pessoa está em pecado.

Quem subscreve essas ideias acha que a cura é só pela Palavra, por não aceitar que a depressão seja uma doença, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) entende. Mas ela é uma doença e precisa ser tratada como tal, com medicamentos, terapia e fé.

É bem verdade que uma das causas da depressão pode estar relacionada a problemas demoníacos e a pecados escondidos, como Davi retrata nos Salmos 32 e 51. Mas um crente cheio do Espírito Santo também pode ficar deprimido, assim como pode ter um problema renal, câncer, gastrite e outras doenças.

Após a suspeita ou confirmação de uma pessoa com pensamentos suicidas, como a família e os amigos devem proceder?

Primeiramente é preciso investigar as causas. É uma depressão?  Crise financeira? Uma dependência química? Ou seria o rompimento de um namoro, noivado ou casamento repentinamente?

São várias as motivações, mas no momento em que a causa é identificada é preciso que se tomem ações imediatas para o acompanhamento da pessoa, como indicação ao psiquiatra, terapia, uso de medicamentos. A medicina é uma bênção de Deus.

Mas só isso não basta! A pessoa também precisa cuidar da sua alma, buscando ter fé e esperança. A depressão, fundamentalmente, tem cura, porque Deus restaura a alma (Sl 42:27). Vale lembrar que a depressão é cíclica, ou seja, tem começo, meio e fim.

A crise financeira e o desemprego estão associados ao aumento de casos de suicídios em 2016. Como a Igreja pode dar suporte às pessoas que estão sofrendo os impactos dessa turbulência?

Via de regra, as pessoas mais carentes não se suicidam por causa de ausência do dinheiro, pois elas já estão acostumadas a lidar com a crise e com as dificuldades do dia a dia. Quem mais sofre são os ricos, pessoas que têm alto poder aquisitivo e que, de repente, perdem tudo. Muitos que viveram no luxo acham que não sabem viver sem ele e acabam cometendo o suicídio.

A questão do desemprego acelera o processo, pois a pessoa passa a lidar com o sentimento de angústia e de vergonha por não conseguir sustentar a família. A Igreja tem papel importante nesse processo, com a pregação da Palavra, reforçando que a provisão vem de Deus e que Ele é o mesmo em tempo de crise.

Além disso, também pode ajudar no atendimento às necessidades mais urgentes. No meio cristão, todos temos que nos ajudar.

A Bíblia nos ensina que nada pode separar um cristão do amor de Deus e que podemos ter a garantia da vida eterna a partir do momento em que verdadeiramente crermos em Cristo. O suicídio pode separar um cristão do amor de Deus?

Se eu falasse que sim, estaria contradizendo o texto. Nada é nada! O grande ponto dessa pergunta, que é a dúvida de muitos, é: se eu me suicido, posso ser salvo? O suicídio não é uma coisa simples. Ele é um atentado contra a autoridade de Deus. Só o Senhor é o autor da vida e só Ele tem o poder de tirar a vida. Quando alguém comete suicídio, está usurpando o direito que só pertence ao Pai. A Bíblia diz que ninguém vive para si mesmo e morre para si mesmo. Nós pertencemos a uma família, a uma igreja. Por isso, quando ceifo a minha própria vida, estou cometendo um ato totalmente egoísta. No entanto, afirmar que todo suicida vai para o inferno não tem base na Bíblia, porque a tese de que todo suicida é um Judas Iscariotes não é verdadeira. Judas não foi para o céu porque não era convertido.

Olhe a vida de cada um desses homens citados na Bíblia que agiram como ele. Eles viviam no pecado, e o suicídio não foi a causa de sua condenação, mas a consequência. Dessa forma, afirmo que é possível um crente sofrer algum distúrbio mental ou uma depressão severa e chegar ao ponto de tirar a sua própria vida.

Mas algumas denominações acreditam piamente que a salvação não se perde. Uma vez salvo, salvo para sempre. Nós não temos competência de nos assentar na cadeira do Juiz e lavrar a sentença de condenação dessa pessoa. Só Deus a conhece, e o julgamento cabe a Ele.

Como o senhor vê iniciativas como o “Setembro Amarelo”, o Centro de Valorização da Vida e a nova ferramenta lançada pelo Instagram para prevenção e aconselhamento?

No meu livro “Suicídio: Causas, Mitos e Prevenção”, trato dessa questão e acho louvável iniciativas como essas. É preciso que a igreja use o púlpito e a Escola Bíblica para conscientizar e aconselhar.

E que outras instituições promovam debates, para desmistificar e ajudar quem precisa. Se a grande mídia não aborda o tema com responsabilidade e camufla os fatos, como poderemos agir previamente e tratar desse grave problema? Esconder os números não é saudável nem eficaz. E ignorar os sinais de quem grita por socorro é um erro fatal.

Considerações finais

Se você está sofrendo com algum drama pessoal neste momento ou está desencantado com a vida, saiba que há esperança no amor de Deus e na família. Existem recursos legítimos para você sair desta fase ruim e que devem ser usados como bênção da providência de Deus. Valorize relacionamentos saudáveis, busque ajuda, rompa o silêncio, retire essa casca grossa que encobre suas feridas e aceite ser tratado com a graça de Deus.

Fonte: https://comunhao.com.br/hernandes-dias-lopes-suicidio/


Pandemia de Covid-19 provoca aumento global em distúrbios de ansiedade e depressão

Lucas Rocha e Leonardo Lopes da CNN São Paulo (9 outubro 2021)

A pandemia de Covid-19 provocou o aumento global em distúrbios como a depressão e a ansiedade. É o que revela um estudo publicado no periódico científico The Lancet nesta sexta-feira (8). Segundo a pesquisa, foram 53 milhões de novos casos de depressão e 76 milhões de ansiedade em 2020.

Os números representam altas de 28% e de 26%, respectivamente, no período analisado. Entre os grupos mais afetados estão as mulheres e os jovens. Países mais atingidos pela pandemia também tiveram os maiores aumentos nos registros desses distúrbios.

Autor principal do estudo, o pesquisador Damian Santomauro, da Universidade de Queensland, nos Estados Unidos, ressaltou que, mesmo antes da pandemia, os sistemas de atenção à saúde mental na maioria dos países apresentavam falhas históricas como a falta de recursos e de organização para a oferta de serviços.

Segundo o especialista, as descobertas do estudo destacam a necessidade do fortalecimento dos sistemas de saúde mental para absorver a demanda crescente dos transtornos de depressão e ansiedade em todo o mundo.

“Promover o bem-estar mental, direcionar os fatores que contribuem para a saúde mental precária que foram agravados pela pandemia e melhorar o tratamento para aqueles que desenvolvem um transtorno mental devem ser fundamentais para os esforços para melhorar os serviços de apoio”, afirmou o pesquisador em um comunicado.

Para a psicóloga Karen Scavacini, da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), a ampliação no acesso pela população de serviços gratuitos especializados em saúde mental é essencial para o acompanhamento da tendência de alta dos distúrbios.

Precisamos ter um olhar de políticas públicas para encontrar soluções que alcancem o país como um todo. Desde o fortalecimento dos CAPS [Centros de Atenção Psicossocial], com o auxílio aos profissionais e ampliação das equipes que atuam nesses serviços. Vamos ter uma demanda maior que precisa ter o atendimento”, afirmou.

Sobre o estudo

O estudo publicado na Lancet avalia os impactos globais da pandemia no transtorno depressivo maior e transtornos de ansiedade, quantificando a prevalência e a carga dos transtornos por idade, sexo e localização em 204 países e territórios em 2020.

Os pesquisadores realizaram uma revisão sistemática da literatura para identificar dados de pesquisa populacional publicados entre 1º de janeiro de 2020 e 29 de janeiro de 2021. Usando uma ferramenta de meta-análise, os dados de estudos foram usados ​​para estimar as mudanças na prevalência dos distúrbios de acordo com os diferentes indicadores populacionais.

A análise indicou que o aumento da taxa de infecção por Covid-19 e a redução do movimento de pessoas foram associados ao aumento da prevalência dos transtornos, sugerindo que os países mais afetados pela pandemia em 2020 tiveram os maiores aumentos na prevalência dos transtornos.

Na ausência da pandemia, as estimativas do modelo sugerem que teria havido 193 milhões de casos de depressão (2.471 casos por 100 mil habitantes) globalmente em 2020. No entanto, a análise mostrou 246 milhões de casos (3.153 por 100 mil habitantes), um aumento de 28% (mais 53 milhões de casos). Mais de 35 milhões dos casos adicionais foram em mulheres, em comparação com cerca de 18 milhões em homens.

Em relação à ansiedade, as estimativas sugerem que teria havido 298 milhões de casos de transtornos associados à condição (3.825 por 100 mil habitantes) em todo o mundo em 2020, se a pandemia não tivesse acontecido. A análise indica que houve uma estimativa de 374 milhões de casos (4.802 por 100 mil habitantes) no ano passado, um aumento de 26% (mais 76 milhões de casos). Quase 52 milhões dos casos adicionais foram em mulheres, em comparação com cerca de 24 milhões em homens.

Saiba onde procurar ajuda especializada

A especialista da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio afirma que além do investimento nos serviços de saúde, é preciso garantir que a população saiba como ter acesso ao atendimento.

Para ela, ainda existe uma perspectiva estigmatizada dos distúrbios da mente como fraqueza ou loucura. Além disso, o acesso ao tratamento também pode ser prejudicado diante da falta de conhecimento da disponibilidade de serviços gratuitos ou com preços acessíveis.

Para driblar essa dificuldade, ela criou o site Mapa da Saúde Mental, que permite a consulta de locais que oferecem esse tipo de atendimento.

“Precisamos diminuir os preconceitos, mostrando que a saúde mental não é frescura e que existe tratamento disponível. Além de reduzir o estigma da figura do psiquiatra e do psicólogo, que ainda estão muito ligadas à loucura ou a algo que é impossível de se pagar, e ajudar com que as pessoas conheçam os serviços existentes”, disse.

O site Mapa da Saúde Mental, também conta com uma lista de serviços voltados especificamente para as mulheres, incluindo atendimentos voluntários ou com preços acessíveis, de forma online e presencial, em todas as regiões do Brasil.

O Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) conta com um projeto e serviço chamado “Apoiar”, que realiza o atendimento online para pessoas de todas as idades. Em 2020, foram atendidas 1.532 pessoas em todo o Brasil.

“Nesse grupo, temos muitos jovens e adolescentes que realizam psicoterapia online, com a participação de mais de 500 terapeutas voluntários. O que temos visto é que o isolamento foi pior do que a pandemia para eles. O afastamento dos amigos e da escola tornou os adolescentes muito desmotivados para a vida”, afirma Leila Tardivo, coordenadora do projeto e professora do Instituto de Psicologia da USP.

O que explica o impacto maior sobre as mulheres

A sobrecarga de trabalho, a mediação de conflitos familiares e o aumento da violência doméstica são fatores que fazem com que o fardo da pandemia pese mais para as mulheres em relação aos homens. Segundo Scavacini, isso pode explicar também a maior incidência de distúrbios como depressão e ansiedade entre elas.

“O acúmulo de atividades que a mulher teve durante a pandemia explica uma boa parte dos casos de distúrbios. Desde ter que dar conta dos filhos na aula online, o próprio trabalho online e das coisas de dentro de casa, tudo ao mesmo tempo. Esse foi um fator da exaustão feminina e da falta de apoio”, afirma.

A psicóloga afirma que o aumento dos distúrbios, tanto em mulheres quanto em jovens, também pode ser associado ao abuso de álcool e à consequente elevação dos casos de agressão à mulher registrados durante a pandemia.

De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou, diante do isolamento social, 1.350 casos de feminicídio em 2020 – um a cada seis horas e meia. O índice é 0,7% maior em comparação ao total de 2019.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o aumento da notificação de casos de ansiedade, depressão, medo, tédio e incerteza foi acompanhado da elevação no consumo de álcool. Uma pesquisa feita pela Opas em 33 países e dois territórios das Américas apontou que 42% dos entrevistados no Brasil relatou alto consumo de álcool durante a pandemia.

Os dados foram coletados entre maio e junho de 2020, por um questionário respondido online. Ao todo, mais de 23 mil pessoas com idade acima de 18 anos responderam às questões relacionadas à Covid-19.

O peso da pandemia para os jovens

A pesquisa divulgada na Lancet corrobora os resultados de diversas análises que apontam que a pandemia impacta de forma significativa a saúde mental de crianças e adolescentes.

Segundo um estudo do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), seis a cada 10 jovens relataram ter sentido ansiedade e feito uso exagerado de redes sociais durante a pandemia. Além disso, 51% afirmaram ter sentido exaustão ou cansaço e 40% tiveram insônia ou distúrbios de peso.

Uma outra pesquisa, da Universidade de Calgary, no Canadá, apontou que a depressão e a ansiedade entre os jovens dobraram em comparação aos níveis pré-pandêmicos. A análise revisou 29 estudos com um total de mais de 80 mil participantes em todo o mundo, com idades entre 4 e 17 anos e idade média de 13 anos.

De acordo com os especialistas, o aumento da incidência dos distúrbios em jovens e crianças está associado principalmente ao isolamento social, adotado de forma preventiva à transmissão da Covid-19, a perda de objetivos e metas, devido às incertezas impostas pela pandemia, o afastamento escolar, com o fechamento das instituições, e dificuldades financeiras vivenciadas pelas famílias neste período.

“O jovem ainda está maturando seu sistema emocional. De forma diferente do adulto e do idoso que já têm mais capacidade emocional para lidar com as coisas. Além de estar em uma época em que esse contato social é fundamental para o desenvolvimento, e ser privado disso, o jovem também tem menos ferramentas para lidar com os fatores de estresse”, afirma Karen.

Para o psiquiatra e psicanalista Edson Guimarães Saggese, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o nível do impacto para a saúde mental de crianças e adolescentes com o fechamento das escolas ainda permanece incerto.

“Houve uma perda do contato com os colegas. A escola não é um lugar onde só se desenvolvem atividades didáticas e de aprendizagem, é um lugar de contatos afetivos. Para jovens e adolescentes esses contatos são especialmente importantes por que é uma idade em que as pessoas precisam ampliar o seu mundo, é o momento em que jovens e adolescentes constroem um novo mundo extra familiar”, afirmou.

O papel da escola

A professora da USP, Leila Tardivo, afirma que o retorno às atividades escolares também tem sido um momento difícil para alunos, educadores e gestores do ensino. “Os alunos perderam aula, perderam conteúdo e não têm interesse. Perder perspectivas e projetos de vida é algo muito preocupante. Esse efeito aconteceu de forma intensa entre os jovens”, disse.

Para os especialistas, as escolas são ambientes favoráveis para a abertura ao diálogo sobre as experiências vividas ao longo da pandemia e para a elaboração de sentimentos como o luto, a perda e as frustrações.

É importante fazer grupos de conversa e deixar os alunos falarem. Vamos ouvi-los sobre o que aconteceu e como eles estão se sentindo diante de tudo isso. O sentido da vida cada um tem que ter o seu, mas é possível ajudar dando amparo, apoio, escuta e acolhida para que eles redescubram esse sentido”, afirma Leila.

Como é possível minimizar os impactos da pandemia

Diante de diagnósticos de distúrbios da mente, como a depressão e a ansiedade, a busca por atendimento especializado é fundamental para prevenir o agravamento dos transtornos. Além disso, contar com uma rede de apoio, como familiares e amigos, também contribui para minimizar os impactos nocivos da pandemia de Covid-19 para a saúde mental.

A escuta é uma coisa muito importante, especialmente para mulheres, crianças e adolescentes. Ter um canal de comunicação, ou seja, a possibilidade de falar e alguém escutar. E escutar significa uma coisa ampla: escutar sem preconceito, sem receitas prontas, é algo que valoriza muito”, disse Saggese.

Técnicas de autocuidado também podem trazer benefícios para a saúde da mente. Segundo a psicóloga Karen Scavacini, o primeiro passo é buscar reconhecer quais são os gatilhos emocionais para cada indivíduo. Gatilhos, neste sentido, são as situações que disparam reações emocionais negativas, como a ansiedade, por exemplo.

“É importante identificar o que deixa a pessoa mais nervosa, ansiosa ou triste, e perceber o que muda tanto no corpo, como na emoção ou no comportamento quando ela não está bem. Ela começa a dormir menos, está mais nervosa, ansiosa, com menos paciência? Para cada pessoa isso pode ser diferente”, explica.

A especialista explica que, a partir disso, o próximo passo é buscar compreender o que é feito que pode melhorar ou piorar cada situação. “Por exemplo, melhorar a situação: fazer um exercício físico, tentar ter uma boa noite de sono, tomar um banho relaxante e fazer coisas que lhe deem prazer. Coisas que podem piorar: descontar no uso de álcool, entrar numa rede social e ficar comparando a vida com a de outras pessoas, arrumar briga ou ser mais agressivo, coisas que não são saudáveis”, acrescenta.

Por fim, a psicóloga recomenda o estabelecimento de uma rede de apoio, ou seja, pessoas com as quais se pode contar nas mais diversas situações, seja para ouvir um desabafo, para ajudar com a rotina da casa ou o cuidado com os filhos.

Fonte: www.cnnbrasil.com.br/saude/pandemia-de-covid-19-provoca-aumento-global-em-disturbios-de-ansiedade-e-depressao/

 

Karine Wlasenko Nicolau | UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso -  Academia.edu

"Campanha deveria promover a vida ao invés de falar em suicídio"

A psicóloga e professora da UFMT Karine Wlasenko Nicolau acredita que a campanha do Setembro Amarelo deveria focar mais na valorização da vida ao invés de falar em prevenção ao suicídio. 

O Setembro Amarelo foi criado no Brasil em 2015 por uma iniciativa do CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). A ideia é conscientizar sobre a prevenção ao suicídio e dar visibilidade à causa.

"Temos que cuidar das palavras que a gente usa e o modo como a gente trata a situação. Prevenção do suicídio fica uma coisa muito no ar. Para se prevenir eu tenho que ter alguém que se coloque como potencial suicida, isso é um problema. Temos que tomar muito cuidado para que não seja um disparador", afirma a psicóloga, em entrevista ao MidiaNews

Segundo a Karine, que é doutora em Ciências e Tecnologias em Saúde na área de Saúde Mental, uma forma de combater a depressão e os pensamentos suicidas é se socializar mais. "Se você me perguntar qual é a receita do bolo, seriam as ligações da vida, o compromisso com ela e o não isolamento", disse. "É uma ironia falar isso na pandemia, mas numa pandemia a gente pode se isolar fisicamente e mesmo assim fazer contatos". 

Na entrevista, a profissional falou ainda sobre a necessidade de as pessoas naturalizarem mais a morte, os sinais da depressão e os tratamentos.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews - Qualquer pessoa está sujeita a desenvolver depressão? Há gatilhos ou facilitadores que acionam a doença?  

Karine Wlasenko Nicolau - Teoricamente sim. Qualquer pessoa poderia desenvolver uma depressão, mas isso não é o que acontece individualmente. A depressão se desenvolve no contexto de vida de uma pessoa e não de modo isolado. Envolve o modo como ela vive, se alimenta, se relaciona e especialmente de como ela investe a energia no seu dia. Essa é uma questão bem importante: a organização da vida como um fator. 

Na abordagem terapêutica que eu trabalho a gente entende que haveria tipos de personalidades mais e menos propensas à depressão. Costumamos pensar isso como aquele marcador de incêndio que tem aqui no Centro-Oeste. Ele pode estar com maior risco de “fogo”. Mas uma pessoa com personalidade propensa pode passar a vida toda sem risco de “incêndio”. Enquanto outra pessoa, aparentemente com menor risco, pela situação de vida, pode ser levada a ter um quadro mais grave de depressão. Então, teria uma predisposição, de alguma forma, mas estaria muito mais atrelada às condições de como essa pessoa vive e organiza sua vida e faz as suas ligações e conexões, especialmente as conexões sociais. 

MidiaNews - Como a doença age na mente e no corpo de uma pessoa? 

Karine Wlasenko Nicolau - A gente costuma comparar a depressão com uma tristeza, mas a depressão não é uma tristeza. É um rebaixamento psicoemocional que afeta o organismo de um jeito sistêmico, ou seja, total. Ela afeta as emoções, a movimentação, etc. Não está localizada, não tem como extrair, por exemplo, a depressão de uma pessoa. Ela é um nível de desenergização no sentido de funcionamento, de ter força para tocar a vida. Esse é um traço importante da depressão do ponto de vista psicopatológico. 

MidiaNews - Quais as formas de diagnosticar a doença? 

Karine Wlasenko Nicolau - Na parte da psiquiatria a gente tem o exame clínico, basicamente, e na psicologia também temos muitas testagens utilizadas e validadas para identificar a depressão. A gente pode dizer que existe um diagnóstico formal para a depressão: médico, psicológico e psiquiátrico. Mas a depressão nas pessoas é muito particular. É uma resposta a certas condições psicoemocionais e de vida. Os relatos sobre a depressão ou registros médicos têm muito mais a ver com a necessidade dos profissionais de trocarem informações, do que para atender as pessoas.

MidiaNews - Como é possível sair de um quadro de depressão? 

Karine Wlasenko Nicolau - Existe todo um caminho particular para cada pessoa resgatar as suas emoções, especialmente o contato consigo mesmo para sair da depressão. Inclusive com a movimentação física e com o resgate dessa fortaleza, porque a depressão tem a ver com o desligamento dos processos da vida. No entanto, cada um faz esse desligamento de uma forma diferente, esse processo é muito próprio. Isso é importante de ser observado, porque os tratamentos também têm que ser muito voltados para cada pessoa, não pode ser nada muito parecido, muito homogêneo.

Se você me perguntar qual é a receita do bolo, seriam as ligações da vida, o compromisso com ela e o não isolamento. É uma ironia falar isso na pandemia, mas numa pandemia a gente pode se isolar fisicamente e mesmo assim fazer contatos. Então, é nesse movimento de vinculação, de compromisso, de colaboração coletiva que está a saída. Quanto menos a gente colabora coletivamente, mais estamos propensos a ter depressão.

MidiaNews - Podemos falar em diferentes níveis ou estágios da depressão? Como isso funciona? 

Karine Wlasenko Nicolau - Podemos dizer que sim. A gente costuma falar em depressão leve, depressão moderada e depressão grave. Isso tem a ver com os efeitos que esse quadro psicoemocional tem nas pessoas e o quanto a vida dela fica comprometida por conta disso. 

Então, é claro, se pensar na promoção da saúde e na prevenção, a gente deveria estar com o olhar atento para esses momentos e essas ligações com relação à qualidade de vida, para que um quadro de depressão não se aprofunde, não se desenvolva. Com uma gravidade maior dessa doença, a gente também tem maiores dificuldades, inclusive da pessoa procurar atendimento, procurar ajuda. 

MidiaNews - Quais as possíveis formas de tratamento para a doença?

Karine Wlasenko Nicolau - Hoje em dia temos muitas abordagens, tanto na área clínica - mais tradicional -, quanto em práticas integrativas que hoje já fazem parte do Sistema Único de Saúde (SUS) e trabalham com todos os quadros de depressão. Mas o tratamento é algo muito individual. Não podemos dizer que existe um que seria padrão. 

Às vezes a medicação é necessária para que a pessoa consiga sair desse quadro e comece a desenvolver ações que resgatem essas ligações que ela perdeu

Na minha área, que é essa psicologia do corpo, a gente vai trabalhar muito com a questão corporal: a movimentação, a respiração e o exercício físico - importante no quadro depressivo. Há pessoas que mesmo em quadros leves sentem muito cansaço e desmotivação para o movimento físico, mas ele pode ter um efeito muito positivo. 

O mais importante é que a pessoa tem que participar desse processo, não só receber esse tratamento passivamente. Ela deve entender que o quadro em que ela se encontra é uma resposta. Não se pega depressão, se desenvolve um quadro depressivo por algum motivo na vida

MidiaNews - Toda pessoa que tem depressão está sujeita a ter pensamentos suicidas? 

Karine Wlasenko Nicolau - Poderíamos dizer isso por causa desse rebaixamento, desse cansaço, desse desconforto que ela sente, mas isso não é regra, não. Há estudos mostrando, por exemplo, que muitos jovens que fizeram a tentativa [de suicídio] demonstram um impulso que depois não se repetiu. Isso mostra que [o suicídio] tem um caráter impulsivo e nem sempre é decorrente de um quadro depressivo muito grave. Por outro lado, existem outros estudos mostrando uma tendência da pessoa que teve uma tentativa, fazer uma nova tentativa. As coisas são singulares, são muito particulares.

Isso de certa forma mostra que não devemos estigmatizar a coisa toda, do tipo: “Quem está com depressão vai tentar o suicídio”, não, não vai. É relativo, são respostas das pessoas para as vida delas. 

MidiaNews - Campanhas como a do Setembro Amarelo causam efeito? Elas são realmente efetivas? 

Karine Wlasenko Nicolau - O que eu te falo é profissional, mas também pessoal. Pensando em efetividade, eu diria que o Setembro Amarelo deveria ser um mês para a gente promover a vida. Temos que cuidar das palavras que a gente usa e o modo como a gente trata a situação. Então, talvez, em vez de ser um mês de prevenção do suicídio, devesse ser um mês de promoção da vida. Isso faz sentido, porque todos nós precisamos dessa promoção da vida.

Prevenção do suicídio fica uma coisa muito no ar. Para se prevenir eu tenho que ter alguém que se coloque como potencial suicida, isso é um problema. Temos que tomar muito cuidado para que não seja um disparador, principalmente para as pessoas com uma personalidade mais impulsiva, que nem estavam em um quadro depressivo tão grave assim. Às vezes outras patologias psíquicas podem levar a pessoa a pensar em suicídio, mas não necessariamente a depressão. 

MidiaNews - Quando o pensar na morte pode se tornar um risco para a pessoa?

Karine Wlasenko Nicolau - Do ponto de vista cultural, pensar na morte é algo importante, só não precisamos ser fixados nela. Talvez, inclusive, a nossa negação da morte traga tantos problemas em relação às ligações em vida. Devemos pensar na morte como processo da vida. Somos finitos, nenhum de nós é eterno. 

Na nossa cultura parece que a morte é um acidente, mas ela não é. Ela é natural e faz parte da vida. Naturalizar mais a morte pode ser um grande ganho, inclusive para a promoção da saúde mental: é pensar nisso, é lidar com isso, é passar por isso. Principalmente nesse período que estamos vivendo [pandêmico] em que muitas pessoas estão lidando com a morte. É importante que as pessoas passem pelo luto para entrar em contato com uma outra parte da vida

MidiaNews - A que sinais familiares e amigos devem ficar atentos para evitar um possível suicídio? 

Karine Wlasenko Nicolau - Acho que um sinal importante é a mudança. Quando a gente nota muito retraimento, muito cansaço. Eu não pensaria exatamente na questão do suicídio, mas mais na questão da depressão, que é mais visível. No caso do suicídio, em alguns quadros a gente não consegue identificar assim com tanta antecedência. Mas no caso da depressão como sendo um fator, não o único, mas um deles, é observar essa mudança e lembrar que muito da depressão tem a ver com esse desligamento

Buscar sempre o contato dos familiares, não é controlar, mas manter esse contato, o vínculo, manter a conversa aberta. O controle tem um efeito paradoxal que, ao invés de ajudar, atrapalha. 

MidiaNews - Há algum registro de aumento de casos do adoecimento mental durante a pandemia?

Karine Wlasenko Nicolau - Temos uma pesquisa em andamento com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasília, Goiás e com Mato Grosso. São quatro universidades federais do Centro-Oeste reunidas para fazer um mapeamento do panorama de saúde mental com docentes, técnicos e estudantes das unidades. 

A gente está observando que a ansiedade disparadamente é um fator nesse período [de pandemia], em maior número do que a depressão. Os nossos dados devem ser processados ao longo dos próximos meses e a gente deve ter mais informação sobre isso, mas na prévia já observamos que a ansiedade é o grande fator, em termos psicopatológicos. 

MidiaNews - No cenário de pandemia, muitos são os possíveis fatores que geram ansiedade. É possível destacar algum deles como sendo o principal causador? 

Karine Wlasenko Nicolau - Pelo que eu tenho percebido, é a superestimulação nesse período. Todos nós estamos imersos com o mundo virtual. Alguns ainda com sobrecarga na família, pessoas adoecidas, além da expectativa, que é o primeiro ponto da ansiedade. 

A ansiedade como expectativa seria uma coisa interessante quando a gente se abre para uma novidade. Mas quando ela não cessa, a gente passa o dia esperando alguma coisa. 

Uma metáfora da ansiedade seria a suspensão, nós ficamos suspensos esperando algo. Mas já estamos há quase dois anos esperando. Então isso é um gerador de ansiedade. Os estímulos deveriam gerar uma resposta e nem sempre é o que acontece. Por exemplo, quando você observa algum noticiário com uma situação grave ou muito dramática - como a que temos visto -, você não consegue dar uma resposta imediata para aquilo, é só o impacto. 

Fonte: www.midianews.com.br/cotidiano/campanha-deveria-promover-a-vida-ao-inves-de-falar-em-suicidio/407614 


quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Escola de Natal cria canal para alunos comunicarem comportamentos atípicos de colegas

Iniciativa surgiu durante o Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio

Uma escola de Natal criou uma ferramenta onde os alunos podem comunicar à direção quando notarem comportamentos atípicos em colegas. A iniciativa surgiu durante o Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio.

O canal recebeu o nome de “Alerta Amarelo” e foi aberto dentro do aplicativo que os estudantes já fazem uso para fins educacionais. De acordo com o Complexo Educacional Contemporâneo, ele permite uma comunicação direta e virtual sobre ocorrências.

A diretora da instituição, Marianny Andrade Arcanjo, explica que ações relativas ao Setembro Amarelo já faziam parte do calendário escolar, mas "a ideia era permitir que os alunos ficassem à vontade para compartilhar informações que achem relevantes, o que se tornou possível com a ferramenta".

A psicóloga Patrícia Peixoto conta que, por mais que a escola fique atenta aos sinais, alguns são percebidos mais facilmente pelos amigos, como a perda de interesse por atividades extracurriculares, o abandono de amizades e agressividade ou agitação.

“É natural que eles dialoguem entre si e compartilhem informações que, às vezes, não são compartilhadas em casa e vice-versa. Por isso é importante abrirmos canais como esse, para que as pessoas próximas possam comunicar quando notarem que algo está errado”, explica a psicóloga.

Para o aluno Pedro Macedo, de 17 anos, o novo canal fortalece uma rede de apoio entre os alunos. “É muito reconfortante saber que podemos ajudar os colegas e também que todos estão prontos para nos ajudar em caso de necessidade justo no lugar onde passamos grande parte do nosso tempo”, conta.

A campanha nacional de prevenção ao suicídio acontece anualmente, durante o nono mês do ano. Setembro foi escolhido pois, desde 2003, no dia 10, acontece o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio, que foi criado pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) junto à Organização Mundial de Saúde (OMS).

Fonte: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2021/09/26/escola-de-natal-cria-canal-para-alunos-comunicarem-comportamentos-atipicos-de-colegas.ghtml

Lei cria programa de suporte emocional nas escolas públicas

Foram sancionadas e publicadas no Diário Oficial ontem as leis que criam o Programa de Suporte Emocional para Crianças e Adolescentes nas Escolas Públicas do Estado e o Plano de Ações Integradas do Estado de São Paulo (Painsp) com o objetivo de promover a assistência técnica e financeira da rede estadual de ensino para melhoria da qualidade da educação básica pública.

O Programa de Suporte Emocional para Crianças e Adolescentes teve origem através do Projeto de Lei da deputada Patrícia Bezerra (PSDB). O programa será vinculado à Secretaria da Educação. A norma já está em vigor e a sua regulamentação caberá ao Poder Executivo.

A parlamentar explicou que na pandemia os problemas emocionais de crianças e adolescentes se agravaram. “Diante da pandemia, os problemas emocionais de muitos adolescentes e jovens se agravaram com o isolamento social, a perda de entes queridos e as aulas interrompidas. Todo esse estresse e insegurança sobre o futuro desses jovens geram o aumento nos sintomas de depressão e ansiedade”, disse.

Ela ressaltou a importância da atenção e cuidados voltados para saúde mental. “Práticas e políticas públicas voltadas para a promoção de saúde mental e prevenção do suicídio são de extrema relevância nesse momento da pandemia, que há mais de um ano e meio impõe tantas restrições e sofrimento a todos, mas em especial a crianças e adolescentes que são mais vulneráveis”, falou.

 Já a lei que cria o Painsp, é de autoria do Executivo e também contará com a Secretaria da Educação para fazer a intermediação com os municípios que precisam dessa assistência. A assistência técnica e financeira será voltada para materiais didáticos, pedagógicos, tecnologias educacionais e educação inclusiva.

Fonte: www.folhadaregiao.com.br/2021/09/25/lei-cria-programa-de-suporte-emocional-nas-escolas-publicas/

Técnica de abordagem diminui suicídios em 23%

Felipe Salustino - Tribuna do Norte (25 setembro 2021)

Setembro é o mês dedicado às campanhas de prevenção do suicídio, período em que ações educativas e debates sobre o tema ganham reforço.  Nesse contexto, o major Diógenes Munhoz, do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de São Paulo, esteve no Rio Grande do Norte na sexta-feira (24) para uma palestra sobre técnicas de Abordagem a tentativas de Suicídio. Ele é o idealizador do curso que leva o mesmo nome e que está presente em 19 Estados brasileiros, inclusive, no RN.

A técnica foi implementada pela primeira vez em São Paulo em 2015, com o objetivo de humanizar o atendimento para situações que envolvem tentativas de suicídio. Durante a abordagem, são utilizados métodos de áreas como psicologia, psiquiatria e neurolinguística, linguagem corporal.

De acordo com o major, no ano passado, os casos onde a técnica foi empregada resultaram em redução de cerca de 23% no número de mortes, no âmbito dos Estados onde a metodologia foi adotada. No Rio Grande do Norte ainda não há dados sobre a questão. O major Cristiano Couceiro é quem é um dos oficiais que trouxeram a técnica para o Estado este ano.

“Fiz o curso na Paraíba em 2019 e formamos duas turmas em 2021: uma em março e outra em junho. Hoje o RN possui 45 especialistas em abordagem a tentativas de suicídio e a próxima meta é compartilhar essas experiências com instituições e o público em geral. Mas isso vai ficar para o começo de 2022”, afirmou o major Couceiro.

Os estudos sobre a técnica humanizada de abordagem ao indivíduo em situações que envolvem tentativas suicidas começou em 2005, conforme explica o major Diógenes Munhoz, que também é psicanalista.

O major do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de São Paulo, Diógenes Munhoz
Curso foi dado a bombeiros do Rio Grande do Norte (foto: Elisa Elsie)

Explica o major Munhoz:

As primeiras linhas dela começaram a ser escritas a partir de 2005, mas só 10 anos depois, em 2015, a técnica nasce como método em São Paulo. É uma abordagem que não faz parte da formação inicial do bombeiro  em nenhuma parte do Brasil. Os resultado que nós temos até aqui são positivos, porque, com essa nova forma de abordagem, o indivíduo é  tratado de maneira mais humanizada. Isso é bom para o próprio profissional que vai atender à ocorrência, porque não se expõe mais a tantos e desnecessários riscos
Militar do Corpo de Bombeiros de São Paulo há 20 anos, o major assumiu, desde o ano passado, a direção da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps). Autor e coautor de variados livros sobre prevenção do suicídio, o major Diógenes Munhoz, além de psicanalista, é Bacharel em Direito, pela Universidade Paulista; engenheiro civil pela Universidade de Guarulhos e Mestre em Ciências Policiais pela Academia Militar do Morro Branco.

Na sexta-feira (22) antes de uma palestra sobre o tema em Natal, direcionada a Policiais Militares, Corpo de Bombeiros e convidados, o major conversou com a TRIBUNA DO NORTE.

O senhor é idealizador  do curso de Abordagem Técnica a Tentativas de Suicídio. Qual o objetivo desse curso?

O objetivo é formar as pessoas para que elas realizem o atendimento à tentativa de suicídio de uma forma humanizada. Nós temos viajado pelo Brasil divulgando essa técnica. Hoje, 19 Estados já replicam a técnica e um deles é o RN. As primeiras linhas da metodologia começaram a ser escritas a partir de 2005, mas só 10 anos depois, em 2015, ela nasce como técnica em São Paulo. Aqui  no Rio Grande do Norte ela é aplicada por alguns oficiais. Um deles é o major [Cristiano] Couceiro.

Como é feita a abordagem humanizada? Que técnicas são usadas?

Uma pessoa que está tentando suicídio está exposta de forma dilacerada ao olhar da morte. A gente tem que servir como 'cobertor' nesse momento. Isso significa acolher e ter uma escuta compassiva, que faça com que essa pessoa, ao desistir do suicídio, volte à prevenção, com tratamentos terapêuticos, psiquiátricos e que tenha a possibilidade de ter uma vida normal a partir daí. As ocorrências relacionadas a tentativas de suicídio são muito complicadas. Elas exigem muito tempo e preparo do profissional, com técnicas de psicologia, psiquiatria, neurolinguística e linguagem corporal. A gente não pode, como há quinze anos, ir para uma ocorrência de suicídio para distrair e avançar sobre a pessoa para resgatá-la. É preciso convencê-la de que, na verdade, a vida é muito mais importante do que a morte.

Quais os resultados que essa técnica já proporcionou?

Os resultados que nós temos até aqui são positivos, porque, com essa nova forma de abordagem, o indivíduo é  tratado de maneira mais humanizada.  Isso é bom para o próprio profissional que vai atender à ocorrência, porque não se expõe mais a tantos e desnecessários riscos.  Ele vai respeitar o tempo e o espaço do indivíduo. A gente chama essa pessoa de 'tentante', e não de suicida. Porque eu não posso falar de humanização e chamar uma pessoa de suicida, que é uma palavra muito pesada. Quando eu caracterizo uma pessoa assim, ela passa a ser suicida pelo resto da vida. Nos casos onde a técnica foi empregada houve redução de cerca de 23% no número de mortes no ano passado, no âmbito dos Estados onde a metodologia foi adotada.

Major, vamos falar um pouco sobre prevenção. O trabalho preventivo é algo que precisa ser enfatizado cada vez mais para que nesses casos de tentativa de suicido, na sua avaliação?

Hoje a prevenção do suicídio é uma área que envolve vários fatores: saúde mental, quebra de preconceito  com tratamentos profissionais, como psiquiatras e psicólogos. Então, a área da prevenção hoje em dia é fundamental.

Quais sinais indicam que alguém está precisando de ajuda especializada?

É preciso ficar atento quando a pessoa começa a mudar comportamentos ou ações que ela sempre gostou de fazer. Isso pode ser um sinal de alerta, mas não quer dizer que são sinais do suicídio. Existem suicídios silenciosos. Se nós falarmos  que toda pessoa que se mata dá sinais, estaremos jogando uma responsabilidade para a pessoa que convive com quem tirou a própria vida, de não ter lido esses sinais.

Mas, de qualquer forma, é importante ficar atento a uma conversa ou a um comentário nas redes sociais, por exemplo?

Sim. Estar atento ao próximo é uma questão de humanização. No caso das redes sociais, geralmente, ela serve como um grito de socorro para pessoas numa faixa etária entre os 14 e 25 anos. Então, é bom estar atento a perfis (nas redes sociais).

Como o senhor avalia os serviços de segurança estaduais do Brasil no trato de casos de potenciais suicidas?

Estamos em extrema melhora. Para se ter uma ideia, nesta semana é a terceira vez que eu viajo para ministrar palestras sobre o assunto e isso demonstra uma preocupação das força policiais, de urgência e emergência, bombeiros e SAMU, de cada vez melhor atender a esse tipo de ocorrência. Acredito que daqui a alguns anos nós vamos poder falar de baixas consideráveis nos índices de tentativas de suicídio no Brasil.

E o que o senhor citaria como algo a melhorar para que os serviços de prevenção do suicídio no Brasil sejam mais efetivos?

Quebra de preconceito, sobretudo. A gente não pode ter preconceito com psicólogo, com psiquiatria ou com terapeutas. Só agindo na prevenção é que a gente vai impactar diretamente na queda das tentativas de suicídio.

Com a pandemia e questões como isolamento, perdas de pessoas queridas e desemprego, o senhor percebe alguma mudança nos perfis de pessoas que tentam suicídio?

Não. Não observamos nenhum tipo de mudança nesse sentido.

Major, o senhor tem uma longa trajetória no Corpo de Bombeiros. Há muitas histórias marcantes em relação aos casos de salvamento que envolveram tentativas de suicídio?

Muitas. Mas o fundamental para mim é que a principal vítima é sempre a próxima. Enquanto eu pensar  assim, a próxima vítima sempre vai estar salva.

Fonte: www.tribunadonorte.com.br/noticia/ta-cnica-de-abordagem-diminui-suica-dios-em-23/521578