sábado, 20 de janeiro de 2018

Palavras que salvam

Recém-formada, psicóloga salva rapaz em ponte e se emociona

                                 Graciane Sousa (gracianesousa@cidadeverde.com) 19 de janeiro de 2018

A imagem de uma mulher dando os braços em gesto de acolhimento e em seguida um abraço expressam bem o sentimento de gratidão por ter salvo uma vida. Ela é a psicóloga Thais Linhares que teve hoje um dia diferente ao impedir que um jovem se jogasse de uma ponte em Teresina. Emocionada,  a recém-formada em Psicologia conta que passava pelo local e, ao perceber o que estava acontecendo, parou para ajudar.

"Estava passando, vi a situação e procurei colocar em prática as técnicas que aprendi na faculdade. Graças a Deus, tive um bom êxito, pois não é fácil quando uma pessoa está em uma crise de suicida. É muito complicado até a gente conseguir manter a confiança. Graças a Deus, ele conseguiu essa confiança em mim, conseguiu passar a perna e deu tudo certo", disse emocionada a psicóloga.



O diálogo até conseguir salvar a vida do rapaz durou cerca de 20 minutos. Anteriormente, policiais militares já tinham tentado convencer o jovem a não se jogar da ponte, mas as negociações não avançaram.

O caso, que poderia ter tido um desfecho trágico, ocorreu na manhã desta sexta-feira (19), na Ponte Anselmo Dias, na zona Sudeste de Teresina.


O momento em que o rapaz resolve atravessar a mureta e caminha em direção à psicológa foi aplaudido por quem acompanhava o resgate. Thais Linhares conta que viu "a necessidade de ajudar" e pretende continuar acompanhando a situação do jovem.

"Foi um desafio porque pela primeira vez eu participei de algo tão chocante. Graças a Deus, tive êxito. Vou tentar acolher da melhor forma possível e encaminhá-lo aos órgãos competentes porque a ética da minha profissão vai para toda a vida", ensina a psicóloga.

Ajude a salvar vidas

Em Teresina, existem algumas instituições que atuam no apoio emocional e prevenção do suicídio. Uma delas é o Centro de Valorização da Vida (CVV) que atende voluntário e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email, chat e voip 24 horas todos os dias. Informações sobre o atendimento pelo número 188.

Fonte: https://cidadeverde.com/noticias/264337/recem-formada-psicologa-salva-rapaz-em-ponte-e-se-emociona
Crédito da foto: Wilson Filho

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Alerta! Automutilação pode acontecer dentro de sua casa

Crianças e adolescentes disfarçam machucados, mas estão se cortando para fugir de angústias emocionais.

Virgínia Martin - 10/1/2018 

A cena pode parecer comum: jovens usando camisas de manga comprida em pleno calor ou adolescentes com os braços enfaixados. O que poucos sabem é que por “de baixo dos panos” existe uma dor silenciosa, manifestada em mutilações pelo corpo. Trata-se da automutilação sem intenção suicida, um comportamento destrutivo e sorrateiro que tem se estendido pela população do país.

No Brasil, os estudos sobre automutilação ainda são escassos. A saúde pública brasileira ainda não se deu conta da importância de analisar esse fenômeno, já considerado um problema de saúde pública em outros países, como Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Austrália.

Existem vários métodos usados por quem pratica a Automutilação Sem Intenção Suicida (ASIS): queimadura, corte, bater alguma parte do corpo, arranhão, machucar feridas já existentes, quebrar um osso e amputar um membro. Os dois últimos são vistos como casos mais graves, em decorrência de surto psicótico. O método mais predominante no mundo, inclusive no Brasil, são cortes em alguma região do corpo, geralmente, nos braços, pernas e barriga. Infelizmente, a maioria dos pais sequer percebe que os filhos estão se cortando com lâminas de barbear, canivetes ou outros objetos cortantes.

– Dou palestras em todo o Brasil sobre o tema Defesa da Infância e passei também a abordar a automutilação. Pesquisei e conclui que mais de 30% dos jovens e adolescentes que se mutilam são evangélicos e estão dentro das igrejas. É comum, enquanto estou falando, ver jovens e adolescentes se levantarem chorando para vir me entregar suas lâminas – alerta Damares Regina Alves, que trabalha como assessora jurídica da Frente Parlamentar em Defesa da Família e Apoio à Vida, no Senado Federal.

Damares conta que, em 2016, foi procurada por um grupo de pais, cujos filhos estavam se mutilando. Outros filhos haviam se suicidado. Ela se surpreendeu com as fotos que exemplificavam as mutilações e o drama de crianças e adolescentes de todas as idades. Sem conseguir mais dormir devido ao forte impacto, Damares trabalhou para fundar o Movimento Brasil Sem Dor, que promove palestras e seminários sobre o tema em todo o país a fim de conscientizar professores, educadores, policiais, conselheiros tutelares, médicos, pais, líderes religiosos entre outros.

– Os pais procuravam o Senado Federal na busca de uma legislação mais rígida para punir quem incita ou ajuda crianças e a se machucarem. E também cobravam a criação de políticas públicas de prevenção e combate a automutilação – lembra Damares.

A partir dessas reivindicações, uma pesquisa foi feita nas escolas da cidade de Brasília. O estudo, elaborado pelo Senado, revelou que, dentre os alunos das escolas pesquisadas, no mínimo, cinco crianças ou adolescentes estavam se mutilando. Após audiências públicas e debates, ficou clara a urgência de uma ação efetiva do governo, que deu origem a Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI dos Maus-tratos de Crianças e Adolescentes, presidida pelo senador Magno Malta.


A cartilha orienta pais e professores, disponível desde dezembro de 2017

A assessora ainda destaca que conheceu mais de 70 grupos de Whatsapp com o nome “Anjos Suicidas”. No ilimitado espaço virtual, crianças, jovens e adolescentes, usam e abusam do aplicativo para contar suas experiências e aprender a como se machucar. Detalhe: muitos pais ignoram que seus filhos estejam naqueles grupos.

– Conversei com muitos adolescentes que confessaram a razão das mutilações. Muitos deles disseram que se cortam em virtude da ausência familiar – destaca.

Quando um indivíduo pratica a ASIS, ele se baseia em uma série de motivações. O pesquisador canadense, Dr. David Klonsk, criou uma escala em que lista 13 motivações citadas pelos entrevistados. Entre elas, as duas mais prevalentes no mundo são: o alívio de uma dor emocional (angústia) e a autopunição. Como não conseguem lidar com a dor emocional, a dor física se faz mais “fácil” de suportar do que a angústia, como se fosse uma “transferência” dessa dor subjetiva para uma mais concreta, no próprio corpo.

Para o dr. Carlos Henrique de Aragão Neto, psicólogo clínico, membro da International Society for the Study of Self-Injury (ISSS), da International Association for Suicide Prevention (IASP) e da Associação Brasileira para Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), é preciso urgentemente elaborar trabalhos científicos de epidemiologia para saber a dimensão do problema, suas características no Brasil e assim desenvolver planos de prevenção e de tratamento que possam alcançar toda a população, não só aqueles que podem pagar por um serviço particular.

– A ASIS ocorre em todas as classes sociais, com todas as raças. Nesse sentido, foi muito importante desenvolvermos uma cartilha por meio da iniciativa da CPI dos Maus-tratos a Crianças e Adolescentes do Senado Federal. Se a distribuição for bem-feita, teremos um material didático para pais e professores sobre o tema – diz o estudioso, também autor da cartilha sobre Automutilação, lançada em dezembro pela CPI.

Nos últimos três anos, dr. Aragão Neto, por observação clínica, viu os casos de jovens com ASIS aumentarem estupidamente. E decidiu desenvolver sua tese de doutorado, relacionando à ASIS com o comportamento suicida.

O motivo é que uma parte desses que praticam ASIS seguirão para o comportamento suicida, caso não sejam ajudados e tratados – lamenta o especialista, com formação em Luto, mestre em Antropologia e doutorando em Psicologia Clínica e Cultura.

Segundo a Drª. Marisa Lobo, psicóloga clínica, pós-graduada em Saúde Mental e Filosofia em Direitos Humanos, a ASIS é um comportamento perigoso que pode levar a infecções graves ou até a morte. Mesmo que não exista conscientemente a intenção de suicídio, o ato pode tirar a vida, dependendo da intensidade ou periculosidade da autoagressão. E pode ser, sim, decorrente de uma dor emocional, de um modismo ou de um transtorno real psicológico.

– Temos sempre que analisar o contexto. De qualquer forma não pode ser considerado normal alguém se machucar propositadamente nem pode ser visto como algo passageiro ou como modismo, pois não é. O mutilado não consegue aliviar a tensão, o estresse emocional e se corta para que a dor física alivie a emocional. E apesar dessa pessoa estar consciente de suas lesões e cicatrizes, busca escondê-las dos outros – explica a psicóloga.

Outro fator que deve ser investigado está relacionado à associação entre dor e prazer. O comportamento autodestrutivo constantemente carrega uma carga de prazer associado, muito comum de ser encontrado em masoquistas. Pessoas que se automutilam podem ter sido submetidas à relação entre dor e alívio; o que gerou um forte condicionamento mental
que faz com que a dor seja o gatilho para a percepção do prazer. Quem se automutila pode ter passado por um período de estresse após um internamento, por exemplo, e desenvolvido esse comportamento de defesa.

– Parece confuso para o leitor entender isso, mas a psique humana é complexa e pode, por associação, condicionar a dor física com o alívio da dor emocional. A pessoa também pode associar e condicionar um castigo físico sofrido na infância a um pedido de desculpas, esclarece.

Entre motivos diversos, vale considerar que adolescentes e jovens também se automutilam por pressão de amigos em um contexto de competição, de jogo, como o da “Baleia Azul” e até mesmo como exibicionismo. Entre meninas, é comum compararem suas marcas nos punhos e nas pernas.

Principalmente na escola, existem muitas cobranças e muitos conflitos geradores de dor emocional, que atingem valores e expectativas dos estudantes. Se não dão conta disso, podem tentar aliviar seus tormentos por meio de autoagressão.


“O mutilado não consegue aliviar a tensão, o estresse emocional e se corta para que a dor física alivie a emocional”, explica Marisa Lobo

Drª. Marisa adverte que, segundo experiência em consultório, a realidade tem demonstrado que muitos daqueles que se automutilam padecem de desrespeito e falta de atenção de gestores de educação. Para a igreja, falta conhecimento em lidar com algo que é entendido como afronta à fé. Para a escola, conflitos ligados à religião cristã não são objetos de preocupação. Enquanto isso, a prática aumenta, se fortifica e se banaliza. E a sociedade se debilita diante do óbvio: há muitos adolescentes e jovens precisando de ajuda. Não se pode desistir deles!

O QUE FAZER

– Reconhecer que este mal existe e que é necessário encará-lo de frente e com coragem.

– Evitar resolver o problema com desespero, gritos ou punindo ainda mais os jovens e os adolescentes que praticam a autolesão. Não adianta usar violência, frases de efeito ou catequeses. Quem está em sofrimento grave necessita de acolhimento, uma boa escuta (sem preconceitos e com atenção plena) e ajuda para conseguir tratamentos com profissionais da saúde.

– Diante de qualquer sinal de sofrimento, mudanças de comportamento, isolamento, apatia dos jovens, procurar um espaço mais privado com tempo necessário para uma conversa, no sentido de perguntar o quê está acontecendo e como pode ajudar.

– Mostrar preocupação, não desqualificar o sofrimento alheio, se mostrar disponível, são atitudes que ajudarão muito aqueles que estão perdidos em seus sofrimentos e não possuem um repertório de habilidades emocionais e sociais para enfrentar certos traumas.

– Com ajuda necessária da rede de apoio social (pais, amigos, escola, igreja) e dos profissionais de saúde, é possível sair desse quadro e ter uma melhor qualidade de vida.

– O mais eficaz é associar psicoterapia e medicação. A psicoterapia, nestes casos, tem como um dos objetivos ajudar o paciente a identificar outras formas de lidar com frustrações que sejam mais eficazes do que seu comportamento.

– Não há ainda uma medicação específica indicada para que o paciente pare de se mutilar. Entretanto, a medicação pode ser indicada para alívio dos sintomas depressivos e ansiosos, para diminuir a compulsividade e para ajudar a resistir a vontade de se machucar.

– Família e escola devem colaborar na identificação e no entendimento do conflito a fim de convencer a pessoa a buscar ajuda voluntariamente. Caso contrário, uma vida pode estar correndo risco de ter um fim trágico.

PERFIL DOS MUTILADOS

– Geralmente, tendem a ter grandes dificuldades para se expressar verbal ou emocionalmente.

– São tímidos, não conseguem falar sobre suas angústias, têm dúvidas, questionamentos, conflitos. Não conseguem chorar ou desabafar diante de outras pessoas.

– Não possuem amor-próprio, têm sentimentos de menos-valia, se acham incapazes, um fracasso.

– Não conseguem conviver com os demais.

– Embora não demonstrem, são muito sensíveis, têm complexo de inferioridade.

– Preferem se afastar para não gerar decepções nas pessoas.

– Aos poucos, vão se isolando e gerando em si mais dor.

REALIDADE NO CONTEXTO RELIGIOSO

– A Igreja terá que aprender a lidar com esses jovens e adolescentes em sofrimento. Terá que contextualizar suas mensagens e seus ensinamentos, pois está diante de mais um novo e agressivo desafio.

– Será urgente elaborar uma orientação específica que possa auxiliar pastores e líderes de ministérios de adolescentes e de jovens.

ESTUDOS

– O conceito de Automutilação Sem Intenção Suicida (ASIS) é derivado do inglês Nonsuicidal Self-Injury (NSSI), cuja definição é: “dano intencional a uma parte do corpo, sem intenção suicida e para propósitos não validados socialmente” (Klonsky et al, 2011; Nock & Favazza, 2009).

– A prevalência da ASIS aumentou nas últimas três décadas, principalmente nas populações de adolescentes e adultos jovens (Klonsk, et al., 2011; Scoliers, et al.,2009).

– As evidências em estudos internacionais apontam uma relação importante entre automutilação e comportamento suicida (Guerreiro & Sampaio, 2013; Muehlenkamp
& Gutierrez, 2007; Whitlock et al., 2012).

– Em amostras comunitárias de adolescentes (12 e 18 anos), a prevalência da automutilação foi estimada em 18% (Muehlenkamp, ​​Claes, Havertape e Plener, 2012).

– A mesma pesquisa indica que a ASIS tende a ocorrer primeiro durante a adolescência com idade média de início entre 14 e 15 anos (Baetens, Claes, Muehlenkamp, ​​Grietens e Onghena, 2011; Heath, Toste, Nedecheva e Charlebois, 2009).

Fonte: https://pleno.news/comportamento/alerta-automutilacao-pode-acontecer-dentro-de-sua-casa.html

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Uma dor de que não se fala

Bahia registrou um suicídio por dia em 2017

“Vai passar... ”, “É assim mesmo...” eram respostas que Amanda Monteiro ouvia quando contava como se sentia. Mas nos momentos em que estava triste e angustiada, achando que não tinha lugar no mundo, a jovem de 22 anos não queria escutar nada.

“Só queria não me sentir sozinha”, lembra a estudante de enfermagem. O sofrimento era tanto que ela tentou suicídio três vezes em duas semanas.  “Nos momentos de dor, a gente não quer que o outro esteja ali. A gente quer que ele seja: seja amável, seja gentil”, destaca, seis meses depois.

Diogo Garrido preferia guardar tudo para si, por receio que seus sentimentos fossem encarados como drama. Nas vezes em que falou, o estudante de Letras escutou dos amigos e da família: “É uma fase, vai passar”.

Veja o vídeo: https://www.facebook.com/correio24horas/videos/1997507190263763/

Após duas tentativas de suicídio e três meses de internação em uma clínica particular, o jovem de 24 anos faz questão de contar o que vem enfrentando para alertar outras pessoas sobre o tema: “dor não tem régua, não existe uma medida universal. Cada pessoa sabe o que está passando”.

O suicídio ainda é tabu, embora represente a causa de morte de aproximadamente um milhão de pessoas no mundo por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na Bahia, a dor que não se fala mata uma pessoa por dia. Até 9 de novembro de 2017, o estado registrou oficialmente 373 suicídios - 23% dos casos foram cometidos por jovens entre 15 e 29, como Amanda e Diogo, e 9% por idosos acima de 70 anos.

No Brasil, suicídio é a terceira causa de morte na juventude, atrás apenas de homicídios e acidentes de trânsito, de acordo com o Mapa da Violência (2014).

Os idosos representam as maiores taxas no país, com 8 suicídios para cada 100 mil habitantes. Entre 2002 e 2012, o Brasil passou de 4,4 para 5,3 suicidas por 100 mil habitantes, o que representa um crescimento de 20,3%. Em 2012, a Bahia tinha uma taxa de 3,4 suicídios por 100 mil habitantes, com um aumento de 92% no mesmo período.

Em 2016, foram computados no estado 412 suicídios de pessoas de distintas classes sociais, gêneros, escolaridades e profissões. A taxa foi de aproximadamente 2,7 suicidas por 100 mil habitantes, mas isso não significa que a luz amarela deva ser desligada.

Os números, inclusive, podem ser mais altos, pois nem todas as ocorrências são notificadas, o que é obrigatório no sistema de saúde brasileiro desde 2014. Além disso, alguns casos entram em outras estatísticas, como acidente de trânsito, por exemplo.

Sinais

Muitas mortes por suicídio poderiam ser prevenidas se os sinais e fatores de risco associados ao ato fossem discutidos abertamente, não somente no Setembro Amarelo - campanha que há três anos alerta os brasileiros sobre a necessidade de se falar sobre o tema.
    “Os primeiros sinais são manifestações de sofrimento psíquico. A pessoa fica triste, mais isolada, não necessariamente chorando. Muda o comportamento de forma brusca, passa a ser agressiva, irritadiça. É importante estar atento”, diz a psicóloga Soraya Carvalho, coordenadora do Núcleo de Prevenção do Suicídio (Neps), do Centro Antiveneno da Bahia (Ciave), do Hospital Roberto Santos.
Amigos e parentes próximos terminam tendo os primeiros contatos com as ideações suicidas de um indivíduo que sofre uma dor existencial. Quando isso acontece, é importante acolher a pessoa e estar disposto e preparado a ouvir sem julgamentos as intenções de tirar a própria vida. Elas aparecem direta ou indiretamente, por meio de frases como “se pudesse, eu dormia e não acordava”, “minha vida não tem sentido”, “eu sou um fardo” ou “morrer seria um alívio para mim”.

Especialistas indicam que a melhor maneira de lidar com a questão é perguntar da forma mais direta possível: “Onde está doendo?”, “O que está acontecendo com você?” e “Como eu posso te ajudar?”. E, em seguida, buscar acompanhamento psicológico e psiquiátrico para o indivíduo.
    “A pessoa  com ideação suicida está com pensamento distorcido em relação a si, à realidade, à sociedade. Não é uma coisa abrupta. Isso pode começar de maneira insidiosa, pouco aparente e, se não é tratada de pronto, vai ficando aparente, incapacita para as atividades da vida”, analisa Sandra Peu, diretora da Associação Psiquiátrica da Bahia (APB) e coordenadora do Setembro Amarelo em Salvador.
Apesar de existir uma correlação grande entre suicídio e doenças mentais, como  depressão, transtorno de humor bipolar, dependência de álcool e outras drogas psicoativas, não se pode determiná-las como as únicas causas.

“Nem todo mundo que se mata está deprimido, nem todo deprimido se mata. Nem todo mundo que quer morrer, quer se matar. Na verdade, a pessoa quer viver. Ela quer sanar o sofrimento, uma dor desmedida na vida que tem. É esse o tempo que a gente tem para trabalhar, para cuidar desse sujeito, para que ele possa enxergar outras formas de vida”, afirma Soraya.

Nem sempre o caminho até o serviço de psiquiatras e psicólogos é rápido e simples. Além dos estigmas sociais, a própria rede de saúde pública é restrita.

Fila de espera


Na Bahia, o Neps é o único órgão especializado em prevenção do suicídio.  Fundado há 10 anos, o núcleo atende cerca de 300 pessoas e neste momento conta com fila de espera.

O trabalho que começou com o atendimento a pacientes que davam entrada no hospital por tentativa de suicídio, hoje alia o tratamento convencional psicoterápico e médico com ações de prevenção que trabalham as possibilidades de produção de quem já tentou suicídio, como leitura, rodas de leitura, cinema e jornal, envolvendo a rede em torno delas.

Antes de fundar o Neps, Soraya Carvalho trabalhou 16 anos atendendo pessoas que já tinham tentado suicídio no Roberto Santos.
    “A reincidência baixou muito. Um dos fatores de risco mais importantes a considerar no suicídio é a tentativa de suicídio anterior. Quem quer se matar avisa”, destaca Soraya.
E os relatos de quem é atendido pelo núcleo mostram que é possível acreditar na vida, apesar das dores existenciais. “Depois de todos esses anos [de sofrimento], eu só vim realmente ter esperança de que eu posso ter uma vida normal, mesmo com os traumas e as dores que eu já passei, quando conheci o Neps e outras pessoas que têm problemas e transtornos semelhantes ao meu”, conta Amanda, que concilia o tratamento com as aulas na Universidade Federal da Bahia (Ufba).
    “Isso tirou o sentimento de solidão. É o mais forte e mais recorrente, como se só você passasse por aquilo tudo. Quando cheguei, encontrei um espaço que me mostrou que não, que eu não sou a única, que existem outras pessoas como eu. E outras pessoas que estão lidando com isso há mais tempo que eu. Isso me mostra uma possibilidade de vida. Sim eu posso viver”, afirma a jovem de 22 anos.
Sobreviventes

A assistência também deve ser dada aos sobreviventes, denominação dada a parentes e amigos de quem comete suicídio, além daqueles que não conheciam as vítimas, mas lidam de alguma forma com a morte delas.

“Depois que acontece, todo mundo acaba vendo os indícios que não via. Aí começa a desenvolver teorias, perceber o que não notava”, conta o produtor Murilo Fróes, que perdeu um amigo de mais de 15 anos para o suicídio. “Ele sempre foi uma pessoa muito fechada, reservada e ninguém notou uma mudança de comportamento. Eu conhecia uma pessoa que a própria família não sabia que existia”.

A jornalista Paula Fontenelle terminou se tornando uma especialista no tema depois que seu pai se matou. Em 2008, ela lançou o livro Suicídio: o futuro interrompido e no site www.prevencaosuicidio.blog.br ajuda pessoas a enfrentarem a questão, sejam elas familiares ou quem tem a dor existencial.
    “O tabu dificulta vivenciar o luto de maneira saudável. É diferente de outros porque a gente não tem com quem falar. Ninguém sabe o que dizer e o silêncio impera. O luto precisa ser vivenciado e parte disso é exprimir sua dor. Se ninguém te pergunta ou ouve, a dor cresce dentro de você”, afirma Paula.
“Ouvir cuidadosamente, sem julgamentos, com compaixão. E deixar que o outro te dê o limite de até onde pode ir. Mas não apenas partir do pressuposto de que a gente não quer falar”, reforça Paula, que atualmente faz mestrado na George Fox University, em Portland (EUA), pesquisando o tema tratamento de trauma e prevenção ao suicídio.

Solidão

Muitas pessoas com sentimento de solidão encontram no Centro de Valorização da Vida (CVV) um apoio. Presente há 29 anos em Salvador, o serviço presta atendimento 24 horas a pessoas com qualquer tipo de conflito, por telefone (custo de ligação local, em breve será gratuita para todo o país por meio do 188 ) e chat na internet. Sem, no entanto, substituir o acompanhamento psicológico. De forma sigilosa e anônima, o indivíduo telefona e conversa com um voluntário sobre qualquer assunto.

“O voluntário do CVV é um amigo provisório naquele momento. É como um espelho, no qual a pessoa vê sua imagem refletida e pode pensar o que está acontecendo com ela e encontrar seu caminho, a decisão que precisa tomar, qual ajuda terá”, explica Josiana Rocha, que atua há 27 anos na organização.

Em Salvador, o CVV conta com 41 voluntários, que trabalham cinco horas, uma vez por semana. “Qualquer um pode se voluntariar, não é necessário ser da área de saúde, nem ter formação acadêmica. Basta ter disponibilidade de tempo e doação de calor humano”, enfatiza a voluntária. Interessados em se voluntariar devem procurar o CVV e fazer cadastro.

ONDE BUSCAR AJUDA

Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio (Neps): 71 3116-9440, em horário comercial
Centro de Valorização da Vida (CVV): 71 3322-4111 ou 141 (capitais) / www.cvv.org.br

LOCAIS COM ATENDIMENTO PSICOLÓGICO E PSIQUIÁTRICO GRÁTIS OU DE BAIXO CUSTO

NAPSI - Núcleo de Atendimento Psicológico
Av. Ademar de Barros, 343, Ed. Julio Call, sala 108 – Tel.: 3247-5020. Psicodiagnóstico, psicoterapia, orientação profissional, psiconcologia.

CEFAC - Centro de Estudos de Família e Casal
Parque Lucaia, Ed. WM – Tel.: 3334-3150 Psicoterapia individual, conjugal e familiar.

CECOM - Centro Comunitário Batista Cleriston Andrade
Rua Lord Cockrani, Garibaldi – Tel.: 3235-8114. Atendimento individual e em grupo.

CCVP - Complexo Comunitário Vida Plena
Rua Artur Gonzales (fim de linha de Pau da Lima).

COFAM - Centro de Orientação Familiar
Av. Joana Angélica, 79, Pavilhão Julia Carvalho, Internato Nossa Sra. de Misericórdia – Pupilleira. Tel: 3242-5959. Atendimento de psicoterapia individual e em grupo uma vez ao mês. Não cobra taxa.

Lar Harmonia
Rua Dep. Paulo Jacson, 560 – Piatã. Tel.: 3286-7796, ramal 119. Psicoterapia individual, em grupo, familiar e orientação profissional. Não cobra taxa.

Centro de Valorização da Vida
R. Luis Gama, 47 – Nazaré – Tel.: 3322-4111; 3244-6936 Atendimento por telefone 24 horas e pessoalmente das 7h às 18h.

IJBA -  Instituto Junguiano da Bahia
Alameda Bons Ares, 15, Candeal Salvador - Bahia. Marcação de Consultas: (71) 3356-1645

Faculdades

BAHIANA
Av. Dom João VI, 275 – Brotas. Tel.: 3276-8259 Cadastro por telefone em janeiro e em junho. Não é cobrada taxa.

UNIFACS - NEPPSI
Rua Ponciano de Oliveira, 126, 1º andar. Av. Anita Garibaldi, Rio Vermelho. Tel.: 3330-4677 / 4678 Cadastro por telefone. Psicoterapia individual, grupal e familiar.

FTC
Av. Luis Viana Filho, 8.812, Paralela. Tel.: 3281-8073 Cadastro por telefone. A taxa varia de acordo com o paciente. Psicoterapia individual, grupal e familiar.

UNIJORGE
Av. Luis Viana Filho, 6.775, Paralela. Tel.: 3206-8015 / 3534-8000. Cadastro por telefone.

IMAS – Instituto Multidisciplinar de Assistência à Saúde do Centro Universitário Jorge Amado
Av. Edgard Santos, s/nº – Narandiba – Salvador. Tel.: (71) 3103-3900.

UFBA
Estrada de São Lázaro, 170, São Lázaro – Tel.: 3235-4589. Cadastro por telefone no inicio de cada semestre. Psicoterapia e Orientação Profissional.

Ruy Barbosa
Rua Theodomiro Batista, 422 – Rio Vermelho. Tel: 3334-2021 / 3205-1745. Psicoterapia individual, grupal, familiar e orientação profissional.

UNINASSAU: inscrição online para atendimento psicológico de adultos no seguinte link - http://bit.ly/2jj8ulF

Fonte: http://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/uma-dor-de-que-nao-se-fala-bahia-registra-um-suicidio-por-dia-em-2017/

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Texto simples, que fala do essencial...

A morte que precisa ser falada
Paulo Gleich
O suicídio deve ser discutido, pensado, desmistificado como questão humana e social

Era criança e acompanhava minha mãe em suas compras, quando avistamos uma pequena multidão na calçada. Ao perceber do que se tratava, afastou-me de lá, dizendo que não olhasse naquela direção. Depois, explicou-me: um homem estava no topo de um prédio, ameaçando se suicidar. Respondeu como pôde a minhas perguntas, mas isso não me impediu de ficar dias obcecado com aquilo. Quem era ele? Por que pularia? O que acontecera depois? Nunca mais passei por ali sem lembrar daquele dia.

A curiosidade que tomou conta de minha mente infantil não é diferente da que o tema desperta nos adultos, que apenas a disfarçam melhor. A morte é uma das maiores obsessões do ser humano. Por isso nos preocupamos com a saúde, pensamos no que será dos filhos quando faltarmos, passamos devagar por um acidente para tentar ver o que houve. Com o suicídio não poderia ser diferente – inclusive, gera ainda mais curiosidade porque tentamos entender o que leva alguém a tirar a própria vida.

O suicídio já foi assunto da filosofia, da literatura, das artes, das religiões. Hoje, no senso comum, é relacionado a quem padece transtornos mentais – em bom português, é considerado "coisa de louco". Essa ideia (que é falsa, diga-se) traz um sério problema: aumenta o tabu sobre um assunto complexo e humano em sua essência. Somos a única espécie que tem consciência da finitude, e também a única que pode conscientemente acabar com a própria vida.

Pensamentos sobre suicídio são muito mais comuns do que se poderia imaginar. Porém, pouco se fala desses pensamentos por medo e vergonha. É tão difícil para a maioria das pessoas falar disso que, geralmente, quando conseguem, fazem uso de eufemismos, como "pensar em fazer bobagem". Essa dificuldade em falar mais abertamente sobre o suicídio não é apenas por ser um tema delicado e que assusta, mas porque ele é tratado como algo tabu, ao qual não se pode chegar perto nem pelas palavras.

A campanha Setembro Amarelo, cujo objetivo é a prevenção do suicídio, tem como lema Falar é a Melhor Solução. Concordo: proibir de falar sobre um assunto – qualquer que seja ele – acaba apenas fazendo com que ganhe mais força no pensamento. Falar, porém, diz respeito não apenas às pessoas que pensam em suicídio, para as quais poder conversar sobre isso pode trazer grande alívio. O suicídio precisa ser mais público, mas não nas páginas policiais, onde apenas satisfaria nossa curiosidade mórbida. Precisa ser discutido, pensado, desmistificado como questão humana e social.

O Ministério da Saúde divulgou recentemente, em virtude dessa campanha, um documento com dados sobre o suicídio no Brasil. Isso é importante para ajudar a identificar populações vulneráveis (como os idosos e os indígenas) e, assim, melhorar as estratégias de prevenção e apoio. Um grande mérito do documento, porém, é tratar o suicídio como um fenômeno complexo, que não pode ser explicado por uma única razão – como, por exemplo, transtornos mentais. Assim, talvez aqueles que padecem por pensar em suicídio – e que não constam nas estatísticas – possam, com menos temor e vergonha, procurar ajuda para falar sobre o que lhes angustia.

NOTA: o Janeiro Branco já está em atividade, com milhares de pessoas empenhadas em promover a saúde mental. 

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/paulo-gleich/noticia/2017/09/a-morte-que-precisa-ser-falada-cj86d2yjz00fm01pdj4jwigln.html