quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Técnica de abordagem diminui suicídios em 23%

Felipe Salustino - Tribuna do Norte (25 setembro 2021)

Setembro é o mês dedicado às campanhas de prevenção do suicídio, período em que ações educativas e debates sobre o tema ganham reforço.  Nesse contexto, o major Diógenes Munhoz, do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de São Paulo, esteve no Rio Grande do Norte na sexta-feira (24) para uma palestra sobre técnicas de Abordagem a tentativas de Suicídio. Ele é o idealizador do curso que leva o mesmo nome e que está presente em 19 Estados brasileiros, inclusive, no RN.

A técnica foi implementada pela primeira vez em São Paulo em 2015, com o objetivo de humanizar o atendimento para situações que envolvem tentativas de suicídio. Durante a abordagem, são utilizados métodos de áreas como psicologia, psiquiatria e neurolinguística, linguagem corporal.

De acordo com o major, no ano passado, os casos onde a técnica foi empregada resultaram em redução de cerca de 23% no número de mortes, no âmbito dos Estados onde a metodologia foi adotada. No Rio Grande do Norte ainda não há dados sobre a questão. O major Cristiano Couceiro é quem é um dos oficiais que trouxeram a técnica para o Estado este ano.

“Fiz o curso na Paraíba em 2019 e formamos duas turmas em 2021: uma em março e outra em junho. Hoje o RN possui 45 especialistas em abordagem a tentativas de suicídio e a próxima meta é compartilhar essas experiências com instituições e o público em geral. Mas isso vai ficar para o começo de 2022”, afirmou o major Couceiro.

Os estudos sobre a técnica humanizada de abordagem ao indivíduo em situações que envolvem tentativas suicidas começou em 2005, conforme explica o major Diógenes Munhoz, que também é psicanalista.

O major do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de São Paulo, Diógenes Munhoz
Curso foi dado a bombeiros do Rio Grande do Norte (foto: Elisa Elsie)

Explica o major Munhoz:

As primeiras linhas dela começaram a ser escritas a partir de 2005, mas só 10 anos depois, em 2015, a técnica nasce como método em São Paulo. É uma abordagem que não faz parte da formação inicial do bombeiro  em nenhuma parte do Brasil. Os resultado que nós temos até aqui são positivos, porque, com essa nova forma de abordagem, o indivíduo é  tratado de maneira mais humanizada. Isso é bom para o próprio profissional que vai atender à ocorrência, porque não se expõe mais a tantos e desnecessários riscos
Militar do Corpo de Bombeiros de São Paulo há 20 anos, o major assumiu, desde o ano passado, a direção da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps). Autor e coautor de variados livros sobre prevenção do suicídio, o major Diógenes Munhoz, além de psicanalista, é Bacharel em Direito, pela Universidade Paulista; engenheiro civil pela Universidade de Guarulhos e Mestre em Ciências Policiais pela Academia Militar do Morro Branco.

Na sexta-feira (22) antes de uma palestra sobre o tema em Natal, direcionada a Policiais Militares, Corpo de Bombeiros e convidados, o major conversou com a TRIBUNA DO NORTE.

O senhor é idealizador  do curso de Abordagem Técnica a Tentativas de Suicídio. Qual o objetivo desse curso?

O objetivo é formar as pessoas para que elas realizem o atendimento à tentativa de suicídio de uma forma humanizada. Nós temos viajado pelo Brasil divulgando essa técnica. Hoje, 19 Estados já replicam a técnica e um deles é o RN. As primeiras linhas da metodologia começaram a ser escritas a partir de 2005, mas só 10 anos depois, em 2015, ela nasce como técnica em São Paulo. Aqui  no Rio Grande do Norte ela é aplicada por alguns oficiais. Um deles é o major [Cristiano] Couceiro.

Como é feita a abordagem humanizada? Que técnicas são usadas?

Uma pessoa que está tentando suicídio está exposta de forma dilacerada ao olhar da morte. A gente tem que servir como 'cobertor' nesse momento. Isso significa acolher e ter uma escuta compassiva, que faça com que essa pessoa, ao desistir do suicídio, volte à prevenção, com tratamentos terapêuticos, psiquiátricos e que tenha a possibilidade de ter uma vida normal a partir daí. As ocorrências relacionadas a tentativas de suicídio são muito complicadas. Elas exigem muito tempo e preparo do profissional, com técnicas de psicologia, psiquiatria, neurolinguística e linguagem corporal. A gente não pode, como há quinze anos, ir para uma ocorrência de suicídio para distrair e avançar sobre a pessoa para resgatá-la. É preciso convencê-la de que, na verdade, a vida é muito mais importante do que a morte.

Quais os resultados que essa técnica já proporcionou?

Os resultados que nós temos até aqui são positivos, porque, com essa nova forma de abordagem, o indivíduo é  tratado de maneira mais humanizada.  Isso é bom para o próprio profissional que vai atender à ocorrência, porque não se expõe mais a tantos e desnecessários riscos.  Ele vai respeitar o tempo e o espaço do indivíduo. A gente chama essa pessoa de 'tentante', e não de suicida. Porque eu não posso falar de humanização e chamar uma pessoa de suicida, que é uma palavra muito pesada. Quando eu caracterizo uma pessoa assim, ela passa a ser suicida pelo resto da vida. Nos casos onde a técnica foi empregada houve redução de cerca de 23% no número de mortes no ano passado, no âmbito dos Estados onde a metodologia foi adotada.

Major, vamos falar um pouco sobre prevenção. O trabalho preventivo é algo que precisa ser enfatizado cada vez mais para que nesses casos de tentativa de suicido, na sua avaliação?

Hoje a prevenção do suicídio é uma área que envolve vários fatores: saúde mental, quebra de preconceito  com tratamentos profissionais, como psiquiatras e psicólogos. Então, a área da prevenção hoje em dia é fundamental.

Quais sinais indicam que alguém está precisando de ajuda especializada?

É preciso ficar atento quando a pessoa começa a mudar comportamentos ou ações que ela sempre gostou de fazer. Isso pode ser um sinal de alerta, mas não quer dizer que são sinais do suicídio. Existem suicídios silenciosos. Se nós falarmos  que toda pessoa que se mata dá sinais, estaremos jogando uma responsabilidade para a pessoa que convive com quem tirou a própria vida, de não ter lido esses sinais.

Mas, de qualquer forma, é importante ficar atento a uma conversa ou a um comentário nas redes sociais, por exemplo?

Sim. Estar atento ao próximo é uma questão de humanização. No caso das redes sociais, geralmente, ela serve como um grito de socorro para pessoas numa faixa etária entre os 14 e 25 anos. Então, é bom estar atento a perfis (nas redes sociais).

Como o senhor avalia os serviços de segurança estaduais do Brasil no trato de casos de potenciais suicidas?

Estamos em extrema melhora. Para se ter uma ideia, nesta semana é a terceira vez que eu viajo para ministrar palestras sobre o assunto e isso demonstra uma preocupação das força policiais, de urgência e emergência, bombeiros e SAMU, de cada vez melhor atender a esse tipo de ocorrência. Acredito que daqui a alguns anos nós vamos poder falar de baixas consideráveis nos índices de tentativas de suicídio no Brasil.

E o que o senhor citaria como algo a melhorar para que os serviços de prevenção do suicídio no Brasil sejam mais efetivos?

Quebra de preconceito, sobretudo. A gente não pode ter preconceito com psicólogo, com psiquiatria ou com terapeutas. Só agindo na prevenção é que a gente vai impactar diretamente na queda das tentativas de suicídio.

Com a pandemia e questões como isolamento, perdas de pessoas queridas e desemprego, o senhor percebe alguma mudança nos perfis de pessoas que tentam suicídio?

Não. Não observamos nenhum tipo de mudança nesse sentido.

Major, o senhor tem uma longa trajetória no Corpo de Bombeiros. Há muitas histórias marcantes em relação aos casos de salvamento que envolveram tentativas de suicídio?

Muitas. Mas o fundamental para mim é que a principal vítima é sempre a próxima. Enquanto eu pensar  assim, a próxima vítima sempre vai estar salva.

Fonte: www.tribunadonorte.com.br/noticia/ta-cnica-de-abordagem-diminui-suica-dios-em-23/521578

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