domingo, 10 de outubro de 2021

Serviços de saúde mental sofreram interrupções em 60% dos países das Américas em 2021, diz OMS

Diego Suárez, do El Comercio de Perú/GDA* (10 outubro 2021)

LIMA — Há um ano, Carissa Etienne, diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), emitiu uma mensagem forte: a pandemia da Covid-19 estava causando uma crise de saúde mental nas Américas em uma escala nunca vista antes.

Hoje, quando se comemora a luta global contra esses tipos de doença, as perspectivas continuam preocupantes. No entanto, não é tarde para tomar as medidas necessárias e evitar que a pandemia deixe uma marca indelével na saúde mental da população.

Impacto significativo

Estudos nacionais da Argentina, Brasil, Canadá, México, Peru e Estados Unidos documentaram altas taxas de transtornos psicológicos, ansiedade e depressão na população em geral. Da mesma forma, uma pesquisa realizada pela empresa Ipsos nos países mencionados, assim como na Colômbia e no Chile, revelou que, em média, 12% dos adultos sofreram uma deterioração significativa de sua saúde emocional e mental.

Em relação aos menores de idade, a ansiedade e a depressão representam quase 50% dos transtornos mentais em crianças e jovens entre 10 e 19 anos na América Latina e no Caribe, segundo o levantamento “Situação Mundial da Infância 2021” do Unicef (fundo das Nações Unidas para a infância e a juventude). Deve-se notar que, antes da pandemia, mais de uma em cada sete crianças e adolescentes no mundo sofria de transtorno mental e 46 mil cometiam suicídio anualmente. Hoje, a situação se agravou, indica o relatório.

Aumentos no uso de álcool e de substâncias também foram relatados. Da mesma forma, registros de telefonemas para linhas diretas, relatórios policiais e outros prestadores de serviços indicam um aumento nos casos relatados de violência doméstica, particularmente abuso infantil e violência contra as mulheres.

As condições de saúde mental causam grandes deficiências nas Américas. Um terço de todas as deficiências por doença na região se deve a problemas de saúde mental — afirma Renato Oliveira e Souza, chefe da Unidade de Saúde Mental da região na Opas.

Mas, apesar desses números, o investimento dos governos continua insuficiente. Segundo o especialista, estima-se que os países das Américas destinem apenas 2% de seus orçamentos totais de saúde pública à saúde mental, e quase 61% desse montante é direcionado a hospitais psiquiátricos, que muitas vezes são locais de desrespeito aos direitos humanos.

A isso devem ser adicionados dois outros grandes problemas, que ocorrem desde antes da pandemia. O primeiro é a lacuna de tratamento (a porcentagem de pessoas que precisam de cuidados, mas não são tratadas): para algumas condições de saúde mental e de uso de substâncias, essa lacuna chega a quase 80%. O segundo é a carência de pessoal especializado: estima-se que haja 10,3 trabalhadores em saúde mental para cada 100 mil habitantes.

— Aconselhamos que o orçamento para saúde mental seja de no mínimo 5% ou 6%, mas depende das necessidades de cada país. O importante não é apenas aumentar o investimento, mas também que os recursos cheguem à comunidade, ou seja, integrar os serviços de saúde mental à atenção básica, que é o primeiro contato da pessoa com os serviços gerais de saúde — explica Oliveira e Souza.

Serviços interrompidos

Não há dúvida de que a pandemia aumentou o número de pessoas com novas doenças mentais ou agravou condições pré-existentes, como esquizofrenia, tendências suicidas ou vícios. No entanto, também fez com que os serviços de saúde mental e apoio psicossocial parassem de funcionar temporariamente ou tivessem seu pessoal reduzido. Segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), esses tipos de serviços sofreram interrupções em 60% dos países das Américas em 2021.

— Quando analisamos o estado dos diferentes serviços de saúde durante a pandemia, os atendimentos de saúde mental são os que receberam o maior impacto. Eles foram encerrados, como parte de medidas de proteção pública, ou muitas vezes os profissionais que ali trabalhavam foram transferidos em resposta rápida à emergência da Covid-19. A realidade é que, quando os serviços de saúde mental são mais necessários, eles têm o pior desempenho. É verdade que existem boas iniciativas para combater esse problema, como a grande expansão dos serviços por meio da internet ou do telefone, mas também sabemos que não atingem a todos — diz Oliveira e Souza.

Uma mudança completa

É provável que a pandemia da Covid-19 tenha efeitos adversos duradouros sobre a saúde mental e o bem-estar das pessoas e que continue a exercer pressão prolongada sobre os serviços especializados. Para o especialista da Opas, é essencial que os países priorizem a saúde mental agora, não apenas para responder aos problemas atuais, mas também para evitar que continuem ou piorem.

— É necessário que os países mudem seus sistemas de saúde mental, que muitas vezes são baseados em hospitais psiquiátricos. Os serviços precisam ser voltados para a comunidade. A situação melhorou, existem mais serviços comunitários de saúde mental, mas a cobertura ainda é muito baixa. Há um trabalho muito grande que temos em andamento com os países para garantir uma grande expansão dos serviços de saúde mental à comunidade —, declara Oliveira e Souza.

Alcançar essa meta também implicaria em quatro eixos principais: liderança política de alto nível e investimento adequado (cada dólar investido em saúde mental produz um retorno de quatro dólares); uma abordagem intersetorial (incluindo estados, sociedade civil, instituições acadêmicas, etc.); avanços na integração da saúde mental em todos os serviços de saúde, promoção e prevenção nas demais áreas da saúde e sociais; e uso das lições aprendidas durante a pandemia para investir em novas tecnologias.

Suicídios alto nas Américas

Quando a Opas avaliou seu Plano de Ação de Saúde Mental 2015-2020, observou um progresso notável em áreas como a redução da função dos hospitais psiquiátricos e o desenvolvimento de programas de prevenção. No entanto, a taxa regional apresentou números muito negativos.

Na região, quase 100 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano. Entre 2000 e 2019, a taxa de suicídio por idade nas Américas aumentou 17%, enquanto a taxa global e as taxas para todas as outras regiões da OMS diminuíram.

— O aumento da taxa regional de suicídio é um fator importante que nos fará dar maior ênfase à colaboração técnica com os Estados-membros, no sentido de aumentar o apoio aos seus planos nacionais de prevenção do suicídio. A redução dos suicídios é realmente uma área em que estamos piorando como região e temos que nos esforçar mais —, afirma Oliveira e Souza.

A Opas destaca que entre as principais medidas de prevenção do suicídio estão a limitação do acesso a meios para cometer suicídio (como a armas de fogo), identificação precoce, manejo e monitoramento das pessoas afetadas por pensamentos e comportamentos suicidas, bem como promoção de habilidades socioemocionais.

Embora seja verdade que ainda há muito trabalho a ser feito e pouco a comemorar no Dia Mundial da Saúde Mental, é de extrema importância fazer um apelo à união e à eliminação das desigualdades. Saúde mental de qualidade é um direito humano.

*O Grupo de Diarios América (GDA), ao qual pertence O GLOBO, é uma rede de veículos líderes em seus países fundada em 1991, que promove os valores democráticos, a imprensa independente e a liberdade de expressão na América Latina através do jornalismo de qualidade.

Fonte: https://oglobo.globo.com/saude/bem-estar/servicos-de-saude-mental-sofreram-interrupcoes-em-60-dos-paises-das-americas-em-2021-diz-oms-25230601

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