sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Por trás da tela: falsa sensação de proteção é indicativo para o aumento do cyberbullying

Bianca Andrade

Sessenta segundos. Esse pode ser o tempo de uma ligação, de aquecer uma comida no micro-ondas, tempo de responder um e-mail, organizar a mesa de trabalho. Sessenta segundos pode ser o tempo necessário para entrar para a história batendo o recorde em algum esporte, ou até um pouco menos, a depender da modalidade.

Sessenta segundos pode ter a duração de um vídeo na rede social TikTok e os mesmos 60 segundos podem tirar uma vida. No caso de Lucas Santos, filho da cantora Walkyria Santos, 32 segundos foram o suficiente para causar um estrago irreparável na vida do adolescente de 16 anos e de toda a sua família.

O jovem, encontrado morto na última terça-feira (3) no condomínio onde morava com a mãe na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, não resistiu aos ataques de ódio que recebeu ao compartilhar um vídeo na rede social.

Para a mãe de Lucas, a ex-vocalista do Magníficos, a internet é a maior responsável pelo falecimento do filho. Com a perda, Walkyria afirmou em suas redes sociais que irá lutar por uma lei que leve o nome do filho para combater o cyberbullying.

Meu filho fez uma brincadeira (em um post). Ele achou que as pessoas iriam achar engraçado, mas não acharam. Como sempre, estão destilando ódio, deixando comentários maldosos e meu filho acabou tirando a vida. Essa internet está doente, então vigiem, porque quanto as pessoas estão um pouco fracas, elas não aguentam.
O comportamento destrutivo dos usuários das redes sociais é algo que não pode ser palpável, analisa a psicóloga Juliana Inah. Estudos comprovam que os adolescentes envolvidos com cyberbullying passam mais tempo conectados do que os demais jovens. Ao Bahia Notícias, a profissional explicou o motivo de não conseguir traçar apenas um caminho para a identificação de quem pratica o cyberbullying:
Muitas vezes é o caso de um abusado que quer virar o abusador, mas também pode ser uma pessoa que se considera muito fracassada, que se sente muito mal consigo mesma. Existem diversos porquês, a internet é um mundo de pessoas e de culturas, não teria como a gente falar de uma única razão e motivo para o comportamento.
Em desabafos nas redes sociais, Walkyria  revelou na web ter notado uma mudança de comportamento do filho e chegou a buscar ajuda profissional para Lucas e oferecer ao filho o apoio emocional, porém, ela acredita ter sido tarde demais.

O indício notado pela artista é o ponto crucial que pode mudar a vida de uma pessoa, aponta a psicóloga Amanda Pita, em entrevista ao Bahia Notícias.

"Os pais precisam estar sempre atentos, conversando. Se tiver o Instagram do filho, estar olhando, não precisa estar mostrando o controle, porque pode fazer que o menino se afaste, mas de alguma forma ter acesso às redes sociais para o que seu filho está postando e anda vendo na internet. Observar também o comportamento e ver se esconde demais o braço, a perna, alguma parte do corpo (que indique automutilação). Precisa conversar para saber como está, como foi o dia. É a sensibilidade ao outro. Tem alguns adultos que pensam que crianças não podem ter problemas, e realmente, comparado aos adultos eles não têm, mas eles têm os problemas deles e isso não pode ser negligenciado", afirma.

Os ataques contra Lucas tiveram cunho homofóbico, mesmo o adolescente sendo heterossexual. Isso porquê acreditaram que Lucas e o amigo eram um casal, devido ao vídeo compartilhado onde os dois aparecem em uma brincadeira na qual fingiam que iam se beijar.

De acordo com um relatório divulgado pelo GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation), organização não-governamental estadunidense, a internet é um ambiente hostil para a comunidade LGBTQIA+.

O estudo apontou que 64% de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis, transexuais e queers sofrem com assédios e discursos de ódio em suas redes sociais. A plataforma com maior índice de assédio foi o Facebook, com 75% das ocorrências, o TikTok aparece em último lugar, com 9%.

Segundo Juliana Inah, parte desse crescimento de ofensas LGBTfóbicas nas mídias sociais tem ligação com a falsa sensação de proteção por não estar exposto fisicamente, e apenas de forma virtual (leia também sobre a prática do cancelamento).
A internet traz essa sensação de falsa proteção, de que eu estou por trás da tela, então estou blindado e protegido. Os homofóbicos, que talvez no contexto real daquela pessoa, sejam muito poucos, viram muitos quando a gente fala de rede social. Porque um que comenta, vai chamando o outro para comentar e isso vira uma grande bola de neve e potencializa os comentários destrutivos, por causa dessa afinidade de pensamentos que a internet promove. A busca por uma hashtag em comum.
A plataforma onde o vídeo de Lucas foi hospedado informa em suas diretrizes que dá prioridade à segurança, diversidade, inclusão e autenticidade e repudia conteúdo que contenha discurso de ódio ou envolva comportamento de ódio.

Mundo não tão ideal

No século XXI, o debate sobre o uso das redes sociais atrelado a saúde mental vem ganhando mais espaço, no entanto, pouca prática. Além do discurso de ódio, frequente e altamente destrutivo, psicólogos ligam o alerta para um outro cenário que pode causar preocupação: o mundo perfeito e ideal.

A comparação de uma vida plástica apresentada na web, vivida como em um comercial de margarina com a família perfeita, em uma casa com quintal grande e cachorros, cadeira de balanço e cerca branca, pode gerar frustração em quem já está emocionalmente abalado.

O feed de um Instagram, por exemplo, não funciona como uma vitrine de tristeza, o que causa a ilusão de que cada @ que ali compartilha um recorte de sua vida, tem em mãos o bilhete premiado para a felicidade.

"Usar a rede social para ficar vendo vidas perfeitas é totalmente disfuncional, porque vida perfeita não existe. E a vida de cada um, é a vida de cada um. Então, acontece casos como 'ah fulano está estudando para o vestibular, mas consegue viver, consegue sair, fazer outras coisas e eu não, estou ansiosa depressiva'. Cada um tem a forma de lidar e, às vezes, a gente nem sabe se a pessoa está se sentido daquele jeito mesmo. Porque na rede social ninguém posta tristeza", afirma Amanda Pitta.

Busca por likes

Fazer parte de algo, é esse o foco de quem entra nas redes sociais. Estar inserido em um contexto, em uma comunidade, pertencer a uma hashtag, mas até que ponto isso é saudável para o ser humano?

"É uma obrigação que a sociedade nos impõe, de que a gente precisa ser aceito em algum grupo, em alguma comunidade. E aí para isso acaba fazendo coisas que nem sempre a gente tem vontade de fazer", pontua Amanda.

Em uma gravação logo após a viralização do vídeo, Lucas explicou o contexto de sua brincadeira com o amigo. Segundo o adolescente tudo não passou de um momento de descontração.

Eu tava gravando uns vídeos do Instagram porque eu tava com vontade e do nada ele apareceu. E agente começou a gravar uns vídeos juntos tirando onda, sabe? Quando eu cheguei em casa eu fiquei 'meu Deus do céu o que aconteceu'?
A ideia de Lucas era ganhar likes e visualizações, mas o adolescente acabou sendo alvo de ofensas homofóbicas. "Eu pensei, porque eu não posto no TikTok, ganho umas 500 visualizações e a gente tira onda um com outro. Só que acabou que 500 visualizações pularam para mil, 10 mil".

De acordo com Juliana Inah, a busca pela aprovação está diretamente ligada com a formação do jovem adolescente e é necessário atenção e muito cuidado neste momento em que nada é sólido.

A gente precisa entender que o adolescente está em formação. Sua personalidade e seus valores não são sólidos, eles ainda estão sendo construídos. Existe também uma autoimagem também em formação, e que ainda é muito frágil. Existe uma busca por autoconhecimento, tentar se entender, e que passa pela aprovação e inserção nos grupos. Tudo isso vai contribuir para a formação desse jovem. A gente vê adultos que não tem essa maturidade e segurança de se expressar, de estar bem com a autoimagem, imagine isso em um adolescente.

Para a profissional, é importante que seja considerado os diversos transtornos relacionados ao uso excessivo das redes sociais:
Existem estudos que já falam no uso da internet como uma compulsão, um vício os casos mais extremos que podem ser assemelhado a jogo, bebida, a drogas em geral, que causam dependência. Então esses jovens estão em um contexto que precisa sim ser limitado e monitorado.

Procure ajuda

O Centro de Valorização a Vida (CVV) oferece atendimento, gratuito e voluntário 24 horas, para quem precisa de apoio emocional e atua na prevenção do suicídio. A organização atende pelo telefone 188, além do chat, e-mail. e pessoalmente, em Salvador, na Rua do Bângala, 47 – Nazaré.

Fonte: www.bahianoticias.com.br/holofote/noticia/62138-por-tras-da-tela-falsa-sensacao-de-protecao-e-indicativo-para-o-aumento-do-cyberbullyng.html

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