terça-feira, 7 de setembro de 2021

 Setembro amarelo: tempo de repensar a vida

Rodolfo Furlan
Laís Kristyna Rocha de Oliveira

“E o que te faz viver?”. De forma simplória, poderíamos elencar vários motivos para manter a engrenagem da chamada “vida”, palavra cheia de significados – ou melhor, de existência – etimologicamente proveniente do latim “vita”.

Seja por amor a algo ou alguém (incluindo desde o “eu” até os demais pronomes relativos utilizados) seja pela ideia de oferecer ajuda à sociedade em geral (motivados pela sua espiritualidade ou não), mantemos o motor da vida em funcionamento, dia após dia, embora muitas vezes não consigamos nomear o real sentido de permanecermos nesta engrenagem.

Na verdade, quando as coisas funcionam sem grandes percalços, raramente paramos para questionar a essência da vida. Antagonicamente a esta realidade, no entanto, quando o medo, a insegurança, a tristeza ou mesmo a apatia tomam conta do sujeito em sua forma mais singular (diga-se de passagem, até mesmo solitária), eis que vem a dúvida: qual o real significado da vida? Tal pergunta fez alguns filósofos, entre eles Albert Camus escreveu em O Mito de Sísifo:

“Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental de filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. São apenas jogos; primeiro é necessário responder.”
Diante dos questionamentos envolvendo a temática supracitada, devemos atuar ativamente na conscientização da valorização da vida e na prevenção do suicídio, um conteúdo por vezes visto como um tabu e que, em alguns momentos, ainda demanda escritas um tanto caprichosas para burlar o veto dado ao assunto polêmico.

A importância de falarmos sobre o suicídio

Quer queira ou não, as mortes autoprovocadas são um problema de saúde pública mundial (mais de 800 mil mortes por suicídio e mais de 16 milhões de tentativas todos os anos no mundo), que invade os mais diversos ambientes, atingindo desde o colega distante do trabalho, ao frequentador da mesma igreja, ao parente nem tão próximo, esvaecendo até mesmo seu amigo, cônjuge, filho, pai, mãe… ou paciente!  

Enquanto os números caem no mundo, o Brasil não para de crescer nessa sombria estatística. Brasil, México e Estados Unidos são responsáveis por um aumento de 35% no número de suicídios mundiais no século XXI, enquanto, neste mesmo período, o mundo encolheu 30%. E, acredita-se que o número seja ainda mais preocupante, visto que as subnotificações são uma realidade que permeiam muitos países e acabam por interferir na qualidade do gerenciamento dos registros oficiais, incluindo no próprio Brasil.

Haja vista a proporção alarmante de tentativas de autoextermínio, devemos estar aptos a reconhecer os sinais de alerta. Processos de introspecção, com retraimento social, perda de prazer por atividades outrora interessantes, descuido com aparência, piora do desempenho nas atividades laborais ou nos estudos, alterações no sono e no apetite, diminuição da energia, além de pensamentos de morte podem dar fortes indícios de que é hora de cuidar.

Pessoas mais acometidas

Um outro ponto de importante ressalva é o impacto do suicídio nas minorias. Cada vez mais negros, indígenas, gays, transexuais, e mulheres, tentam suicídio todos os anos. Algo precisa ser feito. Como diz a grande socióloga Michelle Alexander em seu livro “Responsibility for Justice”, quando o problema não é de ninguém, ele é de todos. E sim, de todos nós!

Além da necessidade de pôr-se em prática o conceito de integralidade no contexto de prevenção do suicídio, com a atuação dos profissionais de saúde de forma articulada e multidisciplinar diante do indivíduo em situação de vulnerabilidade, também devemos repensar o quão poderoso é o exercício de uma boa escuta, oferecendo um verdadeiro acolhimento do sujeito em sofrimento. Não menos importante, é de extrema relevância a articulação com outros setores na sociedade, promovendo ações preventivas educacionais, sedimentando a luta contra o preconceito, como o bullying, além de campanhas contra o porte e posse de armas, que matam mais e mais pessoas por suicídio em todo o mundo.

Gostaríamos de encerrar com essa frase, que resume o ato de prevenir o suicídio em todas as esferas:

O cuidado é a essência da vida, e o amor é a essência do cuidado.
Currículo dos autores:

Rodolfo Furlan. Médico Preceptor e Doutorando da disciplina de psiquiatria do HC-FMUSP. Psiquiatra do corpo clínico do Hospital Sírio Libanês e do Hospital Israelita Albert Einstein. Membro do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (Pro-SER) do HC-FMUSP, do Grupo de Pesquisa em Educação Médica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e atualmente Tutor da disciplina de psiquiatria da FMUSP. Co-organizador dos livros: “Uma Nova Medicina para Um Novo Milênio: A Humanização do Ensino Médico”, “Cartas ao Dr. Bezerra de Menezes”, “Spirituality, Religiousness and Health” e do livro “Compreendendo o Suicídio”, publicado em 2021 pela editora Manole. Revisor técnico da terceira edição do livro “Espiritualidade no Cuidado com o Paciente”, do prof. Harold Koenig e da segunda edição do Tratado de Clínica Psiquiátrica do IPQ-HCFMUSP.

Laís Kristyna Rocha de Oliveira. Médica pela Universidade Estadual do Piauí; Residente do Hospital das Clínicas Luzia de Pinho Melo.

Fonte: https://pebmed.com.br/setembro-amarelo-tempo-de-repensar-a-vida/

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