Seis meses depois, estava na rua, literalmente, a Associação Treze de Março, que Michelle idealizou para falar e ouvir quem estava escondido sob o tabu do suicídio. "Onde estavam essas pessoas? Eu queria falar com elas." A primeira ação da organização foi em 20 de setembro de 2017, quando Michelle, com a ajuda de familiares e amigos, colocou uma banca no meio do Parque Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS). Em pleno feriado Farroupilha, distribuíram folders e abordaram os passantes para falar sobre tão delicado tema de maneira "desvinculada da tragédia".
Sob o slogan "Falar é a melhor solução", o Setembro Amarelo é um movimento iniciado no Brasil em 2015 que pretende romper com o tabu em torno do tema. E Michelle quer muito falar: de vida, de saúde mental e, principalmente, de acolhimento.
Nesta rede de conexões que se cria entre sobreviventes, a culpa é uma constante, assim como não entender o que aconteceu e por que não se conseguiu evitar a tragédia. "Ninguém salva ninguém. não há como prever o suicídio", afirma Michelle. "Por isso é preciso falar do assunto, com a naturalidade que for possível. Dar ferramentas às pessoas que estão em sofrimento para que elas se salvem." Para Michelle, é muito dolorido ouvir que 90% dos casos de suicídio poderiam ser prevenidos, como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim como nem ela nem os pais suspeitaram do que Marcello faria, outras famílias ignoram os sinais. "Ouvir que isso 'poderia ser evitado' alimenta a culpa, a raiva".
Por tudo isso, o foco do trabalho da associação é cuidar de quem ficou. O projeto de Michelle é montar um grupo de apoio aos sobreviventes - para cada suicídio, há em média 50 pessoas impactadas, diz ela. Além de se cercar de pessoas capacitadas, ela mesma estuda o tema (em maio, participou de um curso sobre a posvenção do suicídio e o manejo do luto) - e este ano resolveu atender a um desejo antigo: Michelle voltou à faculdade para estudar psicologia. Mas ela deixa claro que não tem a pretensão de salvar vidas. "Meu trabalho é com base na minha experiência, que é posterior. Se alguém me diz que está preocupado com alguém que pode se matar, sempre mando procurar um psicólogo, psiquiatra, ou ligar para o CVV."
Outro projeto que ela tirou do papel foi trabalhar como voluntária na ONG Doutorzinhos. Desde agosto passado, uma vez por semana ela incorpora a doutora Mi Nhoca, cabeçologista - especialista em minhocas na cabeça. "O palhaço expõe nosso lado mais humano. Ele é ridículo, ri de si mesmo. Ser palhaço é deixar transparecer a tua essência".
Não é à toa que tatuou a palavra "movimento" na perna: além do trabalho como advogada e como palhaça, as atividades da associação e a nova faculdade, Michelle também dança, faz análise e participa de um grupo de escrita criativa. "Eu tinha, e ainda tenho, receio de esquecer as coisas e comecei a escrever com esse foco de escrita-terapia, para me ajudar a entender o que aconteceu". As reflexões registradas em papel vão virar livro.
E ainda tem um casamento para planejar - ela ficou noiva no dia 20 de abril. "Eu pensei muito em como seria fazer isso, celebrar o amor sem o meu irmão. Mas as pessoas vivem na gente. Tem de tocar adiante, respeitando o tempo de cada um, mas sem deixar que isso nos limite para os próximos acontecimentos da vida". Segundo a fundadora, esta é a missão da Associação Treze de Março: viver na plenitude não é ser feliz o tempo inteiro; é ser melhor, apesar dos pesares.
*Caso você — ou alguém que você conheça — precise de ajuda, ligue 188 ou 141 para o CVV - Centro de Valorização da Vida, ou acesse o site. O atendimento é gratuito, sigiloso e não é preciso se identificar. O movimento Conte Comigo oferece informações para lidar com a depressão. No exterior, consulte o site da Associação Internacional para Prevenção do Suicídio para acessar redes de apoio disponíveis.
Fonte: www.huffpostbrasil.com/2018/06/01/michelle-baladao-fagundes-a-mulher-que-usou-a-tristeza-e-a-saudade-para-compreender-a-morte_a_23440196/
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